Do collant à igualdade, da sapatilha ao respeito. É nessa mistura que há 11 anos o projeto Viva Arte Viva forma, nas oficinas de dança, bailarinos do balé clássico. A proposta faz parte da Associação dos Amigos das Artes de Brasília (Amabra), conhecida como Orquestra Filarmônica de Brasília. Hoje, são aproximadamente 280 alunos que ensaiam de segunda a sábado. Para aprender a dançar, não precisa ser pobre ou rico, preto ou branco, jovem ou idoso, crente ou descrente, como diz o idealizador dessa prova de doação ao próximo, Doner Cavalcante.
O projeto teve início em 2006, na Vila Planalto. No princípio, eram aproximadamente 10 alunos, que aprendiam sobre a música, o teatro e a dança. As aulas ocorriam em uma creche da região. Mas o sonho começou a crescer, e aquele espaço não era suficiente. ;Rodamos por alguns lugares da Vila que não eram fixos. Até que fomos para o Centro de Dança do Distrito Federal. Mas, há três anos, o espaço fechou para reforma;, conta Doner.
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A vontade de partilhar a arte com os outros não podia parar ali. A solução estava em procurar o secretário de cultura da época. Ele abriu um edital e ofereceu a Sala de Balé da Orquestra do Teatro Nacional. ;Foi vista a importância do projeto para a comunidade. Se não fosse, a secretaria não se envolveria;, comenta Doner.
Hoje, o programa só desenvolve oficinas de dança e teatro que, juntas, somam mais de 300 pessoas envolvidas com a arte. ;Estamos aguardando a reabertura do centro de dança. Até o final do primeiro semestre deste ano, deve acontecer. Esperamos voltar com todo mundo lá, pois é o espaço mais propício para atividades;, analisa. O local ocupado, atualmente, tem alguns problemas estruturais: falta de ventilação, paredes com infiltrações, pouca iluminação, entre outros. Apesar de não ser o espaço mais adequado, tem ajudado o projeto a continuar há três anos.
Paixão de ensinar
Maria Elisa Lago, 18 anos, é a única que está no projeto desde o princípio. Começou como uma menina e, hoje, é uma mulher e professora de crianças da mesma idade de quando entrou. ;Lá trás, eu não tinha essa visão de que eu podia me tornar professora, que um dia poderia ir para concurso e que me tornaria uma profissional da dança. Eu me lembro do que eu aprendi e do quanto foi especial. Isso me faz bem, devolver o que eu recebi;, valoriza.Para ela, o que viveu até o momento contribuiu para a construção de um projeto pessoal. Amizades, diferentes pessoas e, principalmente, a disciplina. ;Eu não era muito estudiosa, mas com a determinação que o balé ensina, melhorei muito. Aqui, também me prepararam muito para a caridade. Eles sempre se esforçaram por conta própria e não recebem nada em troca. Isso me ensinou muito. E considero uma terapia. Com esforço, eu posso chegar aonde eu quiser;, exalta.
O Viva Arte Viva teve patrocínio, por algum tempo, o que ajudava nas manutenções internas. Mas ocorreu a suspensão e, para não acabar com o projeto, reuniram os pais e decidiram criar uma contribuição mensal de R$ 50 para ajudar a financiar as atividades. ;Que fique bem claro que não é para pagar as aulas, e sim para ajudar na manutenção da instituição. Temos muitas despesas como, por exemplo, pagamento dos professores. A pessoa ao se associar passa a ter direito a ter aula gratuita, descontos nos ingressos, CDs, DVDs e na cotação de serviços artísticos;, explica Doner Cavalcante.
Apesar do valor baixo da contribuição, existem aqueles que, mesmo assim, não têm condições de pagar. Porém, isso não é considerado um problema. ;A nossa meta é que ninguém deixe de participar culpando falta de dinheiro. A gente sempre dá um jeito;, garante. Hoje, são 25 turmas. E estão sempre em busca de participar de concursos e festivais, tanto em Brasília quanto em plano nacional e até internacional. Alguns já foram para a Argentina.
Daniel de Jesus Sousa, 21 anos, sempre esteve envolvido com o movimento do corpo. Fazia passos no hip-hop e em outras danças de rua onde mora, na Cidade Estrutural. Aos 17 anos, teve contato com balé clássico, que mudou a vida dele. ;Eu já tive vários caminhos. Muitas oportunidades de entrar nas drogas e na criminalidade, assim como muitos amigos meus. De ser um jovem qualquer, sem estudo e sem qualquer formação. Vim para o projeto com curiosidade e aprendi muito. Foi a porta certa para eu não entrar nas erradas na vida. Não me considero liberto, estou preso pela dança;, revela.
Daniel acredita que ela move tudo. Tem a capacidade de mudar ideias, chamar a atenção e mudar vidas. Para ele, o fato do Viva Arte Viva englobar todas as esferas da sociedade é que faz a diferença.;Quando se fala de projeto social, eu imagino algo sem exclusão de raça, de religião, de cor etc. Acredito que o preconceito está dentro de cada pessoa; por isso, muitas vezes rotulam que o social tem de ser só meninos negros, que são pobres, moram em barraco de madeira, que não têm o que comprar e comer. Porém, pra mim é quando incluem tudo em um lugar só e não tem distinção;, declara. Daniel é um dos, aproximadamente, 12 bailarinos homens do grupo.
;O balé para mim é muito mais do que colocar uma sapatilha, uma roupa de bailarina e pisar no palco. É a minha vida, sou totalmente dependente dele. Parece loucura, mas ele me fez como pessoa;, afirma Maria Clara Sousa, 16 anos. No sorriso e na dança, é possível identificar que o sonho dela é ser uma bailarina profissional. Moradora da Asa Sul, faz balé há 10 anos e está no projeto há seis. ;Quando eu entrei até me perguntei se me deixariam ficar, porque moro no Plano e não tenho a renda baixa. Mas me aceitaram superbem e sem preconceito nenhum. Não tem aquela divisão de classes que ainda é muito presente hoje em dia. Aqui, eu me profissionalizei;, valoriza.
280
Quantidade de alunos do projeto Viva Arte Viva