Assaltos à luz do dia, furtos em veículos, carros roubados, consumo de drogas, presença de moradores de rua e prostituição. Esse é o retrato de dois endereços de luxo no centro da capital federal: os setores hoteleiros Norte e Sul. Com estabelecimentos que recebem seleções e estrelas do futebol, atraem empresários, acomodam políticos, hospedam autoridades, realizam eventos e agregam escritórios multinacionais, a região enfrenta o abandono. Há falta de iluminação, mau cheiro, entulho espalhado, placas depredadas e insegurança. Hoteleiros e turistas reclamam da vulnerabilidade da porta para fora. Na visão de quem frequenta a área, o quadro reflete um ambiente que sofre com a degradação.
O resultado é a violência que expõe motoristas, pedestres, trabalhadores e visitantes da cidade. No primeiro bimestre deste ano, sete pessoas que estavam a pé foram assaltadas no Setor Hoteleiro Norte (SHN). São três casos a mais se comparado ao mesmo período de 2016 e cinco acima do registrado em 2015. No Setor Hoteleiro Sul (SHS), houve oito casos em janeiro e fevereiro de 2017: um aumento de cinco ocorrências em relação aos dois últimos anos.
Uma das vítimas é Alex Junio Melo de Souza, 28 anos. O auxiliar de recepção de um hotel da Quadra 4 do SHN foi rendido na Quadra 3, a poucos metros do trabalho. Eram 10h20 de 23 de março, quando um assaltante armado anunciou o roubo. Alex seguia para o serviço a pé. ;Ele pegou no meu pescoço, mostrou a arma e mandou eu ficar quieto. Depois, tomou a minha carteira, tirou o dinheiro e levou o celular;, conta. ;Estava mais preocupado com os riscos do horário em que eu saio do trabalho, às 23h, mas, agora, não tem mais hora;, lamenta.
Na região os furtos em interior de veículos também incomodam. Apenas entre janeiro a fevereiro deste ano, 17 motoristas do SHN tiveram o carro arrombado, contra 11 no mesmo período em 2016 e seis na mesma data de 2015: um aumento de seis e 11 casos, respectivamente. No SHS, a situação se repete. No primeiro bimestre de 2017, houve 17 ocorrências desse crime, duas nos mesmos meses em 2016, contra 18 em 2015. Um crescimento de 15 casos em comparação com o ano passado.
Críticas
Gerente de um estabelecimento que funciona como hotel e condomínio na Quadra 4, o mesmo onde trabalha Alex Junio, Danilo Nunes encaminhou ofícios à Secretaria de Segurança Pública e da Paz Social e ao comando da Polícia Militar pedindo reforço no policiamento. Só neste ano ocorreram cinco furtos em interior de veículos em frente ao hotel dele, que fica, estrategicamente, virado para o Torre Palace Hotel, conhecido como Hotel do Crack (leia Memória). A maioria dos casos acontece à noite devido à falta de iluminação. ;Os hóspedes reclamam nos canais de busca, e isso repercute negativamente. Os moradores também ficam preocupados. Os órgãos de segurança prometem policiamento maior, o que não ocorre. A falta de ronda e o agravante da ausência de iluminação resultam na insegurança externa;, alega.Apesar da desocupação do Torre Palace Hotel no ano passado, Danilo observou que a criminalidade aumentou desde janeiro. ;A insegurança afeta, principalmente, o turismo de lazer das pessoas que vêm de carro. A liberação do Torre Palace Hotel melhorou o visual, mas a preocupação continua. Tanto é que os casos de furto em veículos aumentaram desde o início do ano;, denuncia.
A trabalho na cidade, o gerente comercial Sérgio Diniz, 51, vem a Brasília com regularidade a cada 15 dias. Por se sentir mais seguro, ele prefere se hospedar no Setor Hoteleiro Norte, mas, diante do abandono do espaço, fica receoso com a presença de moradores de rua, usuários de drogas e garotas de programa. ;Após as 20h, o local fica abandonado. A gente fica à mercê. Se vou ao shopping, saio às 17h30, mas volto, no máximo, às 20h. Mesmo assim, fico hospedado aqui, porque acho mais seguro que a parte Sul, e é mais central;, explica.
Morador do SHN e investidor da área hoteleira, Alberto Bueno de Paula, 53, é incisivo: para ele, a área é tratada com descaso pelo governo. ;É uma quantidade enorme de moradores de rua dormindo em barracas e nas calçadas dos hotéis. Isso depõe contra uma cidade que tem zona hoteleira no centro. Além disso, o ponto de apoio ao turista está fechado e fica em frente a um dos principais monumentos locais, a Torre de TV;, destaca.
Depredação
Para Alberto, o cenário atual da área intimida turistas e pedestres. O especialista ainda denuncia que grande parte dos prédios sofreu alguma depredação. ;São pessoas que não têm nada a perder. Houve furto de pertences nos prédios. É lamentável que uma máquina pública com tanto dinheiro não invista no setor. Consequentemente, o preço do negócio cai, e os turistas não chegam;, detalha.
A presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Distrito Federal (Abih-DF) e gerente de um hotel do Setor Hoteleiro Norte, Adriana Pinto, avalia que a insegurança só não afeta mais a circulação na região porque a principal procura dos hóspedes da capital ainda é por negócios. Por isso, o endereço mais visado continua sendo o da área central. ;O turista de Brasília, portanto, é aquele por necessidade. Mas, se o visitante não sente o ambiente favorável para lazer, trazer a família ou estender a estadia, ele não volta;, alerta.
Segundo Adriana, a situação piorou desde 2014, quando começaram a ocorrer mais roubos e furtos. Só no hotel que ela representa, 10 funcionários foram assaltados. ;Apesar da situação do Torre Palace Hotel, antes, a região era muito mais monitorada pela polícia. Os hoteleiros estão, novamente, pedindo ajuda para aumentar a vigilância com o envio de ofícios para órgãos públicos. Isso prejudica até na arrecadação de impostos da cidade, que diminui, pois o turista fica impedido de sair para compras, bares e restaurantes e pegar um transporte;, considerou.
Moradora de Porto Alegre, a gerente de contas Gabriela Totti, 31, vem a Brasília a trabalho de três a quatro vezes por ano. Na semana passada, ela ficou hospedada em um estabelecimento do Setor Hoteleiro Sul. Há cinco anos, Gabriela percebeu que aumentou a quantidade de moradores de rua e de dependentes químicos. ;Se comparado a Porto Alegre, ainda há menos. Lembro quando, no início, andava a pé em Brasília. Agora, por precaução, não faço mais isso. Se preciso ir ao shopping, peço uma condução;, revela.
Assim como no SHN, na outra ponta, o Hotel Saint Peter, também esvaziado, sofreu invasão. Em 14 de setembro de 2015, integrantes do Movimento de Resistência Popular (MRP) ocuparam o prédio. Após seis dias, o grupo deixou o local após negociação com o governo. Desde então, o edifício não retomou as atividades. Na quarta-feira da semana passada, um vigilante fazia a segurança da entrada principal e de um salão de beleza que funcionava na área do prédio. O hotel é o mesmo que ofereceu salário de R$ 20 mil ao ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. A propriedade do imóvel é de dois sócios. Um deles, Paulo Cezar Naya, irmão do falecido deputado Sérgio Naya, tem 40% da sociedade. O sócio majoritário, Paulo Masci de Abreu, detém 60%. O prédio tem 15 andares e 430 apartamentos.
Necessidade de revitalização e de policiamento ostensivo
A professora do curso de segurança pública da Universidade Católica de Brasília (UCB) Marcelle Figueira explica que as diferentes modalidades de crimes acontecem de acordo com as características dos lugares. Na visão dela, a área central de Brasília foi constituída com o propósito de circulação de pessoas pela manhã, mas ausência de movimento à noite.
Por isso, segundo a pesquisadora, os crimes ocorrem de forma mais intensa no período noturno. ;Se tivessem comércios diuturnamente e uma vida social ativa nesses espaços durante todo o dia, a percepção de insegurança diminuiria;, esclarece.
Ela aponta que, entre a Rodoviária do Plano Piloto e a Torre de TV, a área fica deserta. ;Os próprios setores hoteleiros Norte e Sul não são homogêneos em si. Há lanchonetes e postos que funcionam diuturnamente, mas, em outros locais, há pontos completamente isolados, que estimulam a sensação de insegurança;, comenta.
Segundo o subsecretário de Gestão da Informação da Secretaria de Segurança Pública do DF, Marcelo Durante, só o fato de uma região ser mal iluminada, com lixo espalhado e mato alto, contribui para a degradação e a promoção da sensação de medo e vulnerabilidade. ;Necessariamente, as pessoas se veem em risco. Mas existem dois itens principais. A gente vive um processo de crise econômica, com a degradação de áreas urbanas, ruas e avenidas, especialmente quando se fala em população de rua e usuários de droga. Nesse contexto, a iluminação é um fator central, na medida em que se abrem espaços que permitam a essas pessoas agirem nesses locais;, diz.
Ordem de serviço
Durante a revitalização do Setor Comercial Sul (SCS), conseguiu-se conter a incidência criminal a partir da união de órgãos públicos de assistência social, da melhora da higiene e da iluminação, além da colocação de mais policiais e da intensificação da ação da Agência de Fiscalização do DF (Agefis). ;Tudo isso constrange o ambiente propício para a criminalidade. Mas, se não houver controle, a população migra para outros locais, o que contribui para o deslocamento do crime. Estamos monitorando isso;, garante.Em nota, a Polícia Militar informa que o consumo de drogas é uma questão social e de saúde e que não se trata apenas de segurança pública. Além disso, a corporação defende que a violência está intimamente ligada ao número expressivo de reincidências. A PM garante, no entanto, que os setores hoteleiros Norte e Sul contam com policiamento diário. Inclusive, informa que o SHN está com uma ordem de serviço em andamento para intensificar o patrulhamento. ;São colocadas viaturas, motocicletas e policiais a pé (em duplas), que fazem rondas nessas áreas. Atualmente, as regiões recebem operações como a RIC (Redução dos Índices Criminais), nas quais policiais militares do serviço administrativo são direcionados para as ruas. O objetivo é aumentar a segurança da população bem como a redução de crimes de roubo às pessoas e ao patrimônio.;
O Serviço de Limpeza Urbana (SLU) informa que enviaria uma equipe ao local na última sexta-feira para verificar a situação e providenciar a limpeza. Para o Setor Hoteleiro Norte seriam encaminhados seis garis e, para o Setor Hoteleiro Sul, oito. ;Os serviços de coleta convencional, varrição e catação são realizados nessas localidades de segunda a sábado, nos períodos vespertino e noturno;, acrescenta.
Em nota, a Companhia Energética de Brasília (CEB) assegura que destacará uma equipe a essas áreas a fim de realizar a manutenção na rede de iluminação pública. Porém, destaca que as localidades precisam passar por revitalização, a exemplo do que ocorreu no SCS. ;Para isso, há necessidade de disponibilidade de recursos por parte da administração regional do Plano Piloto;, conclui.