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"A polícia é só a ponta do iceberg", diz secretário de Segurança

Em entrevista ao Correio, secretário Edval Novaes fala sobre o esforço para pacificar o conflito entre as polícias Civil e Militar no DF

Helena Mader, Ana Maria Campos
postado em 12/04/2017 06:00



Nomeado com a missão de pacificar o conflito entre as polícias Civil e Militar, o novo secretário de Segurança Pública e Paz Social, Edval Novaes Júnior, se esforça para não entrar em nenhuma polêmica que agrave os atritos entre as corporações. Diplomático, de fala pausada e tranquila, o delegado da Polícia Federal evita opinar sobre temas que estão na origem da desavença entre as forças de segurança, como a lavratura de termos circunstanciados pela PM. Ele defende a política implementada pelo governador Rodrigo Rollemberg (PSB), baseada no programa Pacto pela Vida, mas ainda não sabe se terá recursos à disposição para trazer novidades nas áreas de inteligência e tecnologia para a capital federal.


Depois de uma década como subsecretário da área no Rio de Janeiro, na gestão de José Mariano Beltrame, Edval Novaes chegou a Brasília com a meta de melhorar a sensação de segurança dos brasilienses, manter em queda os índices de homicídio e lutar contra a escalada de crimes contra o patrimônio, como roubos a ônibus, por exemplo.


Como colocar fim ao conflito entre a Polícia Militar e a Polícia Civil?
A primeira coisa é o diálogo. Fiz questão de manter interlocução com o comandante da Polícia Militar e com o diretor-geral da Polícia Civil. A gente acha que havendo uma comunicação na ponta, ou seja, na atividade do dia a dia das duas polícias, isso será resolvido.

A PM pode fazer policiamento velado? Esse procedimento é constitucional?
Até um determinado ponto, sim. Foi aberto um inquérito civil no Ministério Público para delimitar essa situação. Mas, o Ministério Público, desde 2007, já delimitou isso. E existe uma atividade regulamentada na questão de inteligência e também existe a questão da investigação. Eventualmente, um campo desse pode tangenciar o outro. Mas, o principal é o seguinte: o objetivo das duas polícias é o mesmo. Ou seja, combater a criminalidade.

O que pode ser feito nesse trabalho de inteligência e de policiamento velado da Polícia Militar, que muitas vezes gera atritos com a PCDF? Esse trabalho pode ser feito? Que critérios são esses?
Existe uma legislação que rege isso, tanto do serviço de inteligência quanto o de investigação. É claro que, em alguns momentos, tudo é questão de interpretação. As duas polícias têm o mesmo objetivo, que é combater a criminalidade, e a nossa Constituição diz que qualquer um do povo pode e a polícia deve atuar em caso de flagrante. É uma obrigação do policial atuar, o que não quer dizer necessariamente que ele está investigando. Em algumas situações, há essa divergência de interpretação do que é investigação, do que é inteligência. Isso é uma questão teórica.

Uma das fontes de atrito entre a PM e a Polícia Civil é a questão do Termo Circunstanciado. Qual é a opinião do senhor sobre isso? A PM pode lavrar TCO?
É difícil ter uma opinião formada. Na realidade, a estrutura de segurança pública brasileira é prevista na Constituição. Então, a gente tomar uma decisão aqui, só no governo do Distrito Federal, é relativamente complexo. Todos os estados têm polícias Civil e Militar que se submetem à mesma legislação. Esse entendimento tem que ser um só para o Brasil inteiro. Não adianta a gente querer aqui inventar a roda ou fazer uma coisa única aqui do GDF.

A opinião de delegados da polícia Federal e da Civil é de
que a PM não pode lavrar o termo porque seria inconstitucional.
Qual é a sua opinião como profissional?

Existe uma questão legal. Eu externar a minha opinião aqui é complicado. Porque existe uma questão legal que tem de ser dirimida antes. Na realidade, tenho que agir como o fiel da balança e fazer com que as duas forças trabalhem da melhor maneira em prol da população do GDF.

Como é no Rio de Janeiro?
Lá, não ocorre a lavratura por parte dos policias militares. Alguns estados já adotam isso. Ou seja, o importante é que, de alguma maneira, seja padronizado no Brasil. Isso, sem dúvida, vai passar pelo Judiciário.

Além da questão do TCO, outro ponto de atrito inegável é a questão do reajuste salarial. O senhor pode atuar de alguma forma, como um intermediário?
Sem dúvida nenhuma, esse é um dos meus papéis. Ser o intermediário e levar os anseios das duas corporações. Não só das duas, mas também do Corpo de Bombeiros, do Detran e de todo mundo que está debaixo da pasta da Secretaria de Segurança levar ao governador. Essas questões já foram alçadas na Casa Civil. O fato que a gente vê é que a arrecadação do país como um todo caiu. O DF não é exceção.

Os delegados alegam que é uma tradição legal que exista uma paridade entre os salários da Polícia Civil e da Federal. É justo?
Concordo. É fato, e o governador reconhece. A questão é que nós temos uma situação fática que é um rombo fiscal. E, a princípio, o governo não tem recurso para fazer frente a esse aumento.

Existe defasagem de pessoal na polícia.
Há previsão para um novo concurso?

No caso da PM, sim. Houve um concurso para 200 oficiais, 50 deles para imediato. E o governador autorizou concurso para dois mil soldados. Esse concurso já está em fase de definição da banca examinadora. Da PCDF, até o momento, não tenho notícias.

Não seria melhor contratar mais soldados já que os oficiais não vão para a rua?
Os oficiais são fundamentais no processo. No início de carreira, eles vão para a rua, sim. Não tem como você pensar em uma tropa formada só por praças.

Como colocar em prática uma política de segurança pública quando as polícias não se entendem?
Isso ocorre há mais de 200 anos. E essa é a estrutura de polícia que o Brasil tem. É prevista na Constituição e todos os estados funcionam desta maneira. Esse atrito acontece, infelizmente, em outros estados e em alguns momentos é mais acirrado e em outros, mais tranquilo. Mas, enquanto nós tivermos esse modelo de policiamento, estaremos sujeitos a isso.

Quais serão as estratégias para o combate à criminalidade?
É importante ter em mente que o combate à criminalidade está longe de ser só uma questão de polícia. A gente precisa alargar essa visão, senão, passa para a população a ideia de que o aumento da criminalidade é só uma questão de falta de polícia. A polícia é só a ponta do iceberg. Atua no final do processo. Mesmo nos países mais seguros do mundo, você não vê polícia em cada esquina. Se tem violência, houve falhas desde o início. Falhou a família, a escola, a assistência social, o emprego e renda.

Diante de um quadro de falta de recursos, como buscar soluções inovadoras para a segurança?
Tentando reinventar e utilizar os recursos que temos da melhor maneira possível, para obter o melhor resultado para a população e a gente vem conseguindo isso. As estatísticas provam isso, por mais que esteja acontecendo redução no efetivo das polícias, elas conseguem combater a criminalidade, mesmo com o aumento da população. Os homicídios estão caindo. No ano passado, fechamos com taxa de 19,7 por 100 mil habitantes, que foi a menor desde 1992. Tivemos redução por quatro anos seguidos. Isso é fruto das investigações da Polícia Civil nos crimes de homicídio, mas também no trabalho de apreensão de armas pela PM.

O deputado federal Alberto Fraga fez um discurso com críticas ao senhor, mencionando um depoimento seu à CPI dos Grampos, no Congresso...
Não achei que foi contra mim. Pelo menos, não interpretei dessa maneira. Fui convocado para falar naquela CPI, falei como qualquer cidadão que vai ao Congresso quando é convocado. Isso é aberto, público, não entendi como ataque. Ele falou que ;não adianta esconder;, mas não estou escondendo nada.

Em Brasília, os sindicatos ligados às polícias têm muita força política e sempre elegem parlamentares representantes do segmento.
Como lidar com essa pressão política?
Durante a minha vida inteira, fui um técnico. Vim para cá a convite do governador como técnico e acho que essa é uma área em que se trabalha tecnicamente. A vida política é inerente ao cidadão. Particularmente, prefiro trabalhar única e exclusivamente de maneira técnica.

Teme interferências pela força política das categorias?
O governador me deu autonomia para trabalhar, sempre tivemos essa autonomia no Rio de Janeiro e nunca tivemos problemas dessa natureza. Não creio que vá enfrentar problemas aqui.

Por que governadores estão optando por esse perfil de secretário de Segurança Pública que são delegados da PF?
São pessoas técnicas. Muitos já tiveram vivência em mais de um estado da Federação e que têm conhecimento da matéria de segurança pública no seu aspecto prático. Sem dúvida nenhuma, os cases de sucesso mostram o acerto dessa escolha e o doutor (José Mariano) Beltrame é o maior exemplo. Como a secretaria, via de regra, tem sob seu comando as duas polícias, fica complicado colocar um integrante de uma ou de outra.

O governador fez algum pedido ao senhor?
As coisas no DF vêm caminhando bem. Os números estão relativamente sob controle, o que a gente vai tentar é aparar eventualmente alguma aresta, como é o caso da questão do relacionamento da Polícia Militar com a Polícia Civil. Já determinei que, qualquer situação que envolva as duas corporações, tem de ser avisada de imediato à Secretaria de Segurança, e vamos divulgar uma única nota conjunta sobre o ocorrido. Além disso, vamos intensificar a conversa entre as corporações lá na ponta e, no momento em que não estiver funcionando, tem que ser alçado ao escalão superior até chegar ao nível de comando, para que a situação seja resolvida ainda no local.

O diretor de Comunicação da Polícia Civil, Miguel Lucena, fez postagem nas redes sociais que foram consideradas ofensivas por policiais militares. Como o senhor classificou essa questão?
Foi uma manifestação muito infeliz e errada. Foi, no mínimo, inadequada. O diretor-geral da Polícia Civil já está ciente e vai tomar as providências que achar adequadas.

Policiais civis reclamam de que haveria uma preferência do governador com relação à PM, em detrimento da Polícia Civil. Como vê essa crítica?
As duas polícias são extremamente importantes dentro do sistema legal que temos no país. A Constituição prevê a existência de duas polícias, cada uma delas com a sua finalidade. Não vejo o governador ter preferência por uma ou por outra. Todas as polícias são importantes e indispensáveis no combate à criminalidade e no dia a dia do cidadão.

Os reajustes das polícias Civil e Militar têm de estar vinculados?
Nas palavras do governador, existem mais de 30 categorias que não receberam aumento até agora. Os professores, por exemplo, estão em greve. Independentemente de merecer ou de não merecer, a questão é que o orçamento não comporta aumento para as categorias. O orçamento está curto, os serviços à população têm que ser prestados e, neste momento, o governo optou por não conceder aumento a nenhuma categoria.

O programa Pacto pela Vida continua?

Claro. O programa vem trazendo esses números favoráveis. Mais uma vez, as polícias são só uma ponta no combate à criminalidade. É uma ponta importante, importantíssima, mas não é só a polícia que vai resolver o problema da violência e acabar com criminalidade.

Os presídios do Distrito Federal estão superlotados.
Isso representa um risco ao sistema penitenciário?

Os nossos presídios, como a maioria dos presídios brasileiros, estão acima da lotação ideal. Aqui no DF, o governo tem pleno controle do sistema. Temos deficit de vagas, no caso do masculino, mas estamos entregando, até o fim do ano, mais 3,2 mil vagas no sistema. Não zera o defict, mas chega perto. Hoje, temos cerca de 15,1 mil presos para 7,4 mil vagas.

O senhor é a favor do ciclo completo da polícia?
As polícias têm que ser repensadas. Esse modelo de polícia que a gente tem no Brasil, poucos lugares do mundo têm algo similar. Talvez fosse interessante repensar o modelo brasileiro. Mas, enquanto isso não acontece, o modelo está posto na Constituição e é com ele que temos que trabalhar. O ciclo completo é uma das possibilidades. A gente vê aplicado bastante mundo afora. A questão é só uma pequena parte da discussão. As pessoas falam em unificação das polícias, essa é só uma das possibilidades. Há várias maneiras de estruturar as polícias. Quantas agências policiais os Estados Unidos têm? Acho que chega a milhares. A solução mágica não existe, não sou eu que vou trazê-la e também não tenho ideia formada com relação a isso.

Como combater o tráfico no Distrito Federal?
O tráfico existe porque existe consumidor, isso é mercado. Enquanto tiver quem demande, haverá quem oferte. É assim nos Estados Unidos, na Europa, no mundo inteiro. E, enquanto isso for considerado crime, a polícia estará combatendo.

O primeiro secretário da gestão Rollemberg, Arthur Trindade, deixou o cargo com uma declaração que repercutiu muito. Disse que o secretário de segurança em Brasília é uma rainha da Inglaterra. Do que o senhor viu até agora, é isso mesmo?
Nós vivemos em um Estado democrático de direito e nós temos regras. Então, as instituições têm o seu comando, têm a sua autonomia. E o secretário é mais ou menos empoderado a partir de determinação do governador. Eu até agora não tive problema algum em relação a isso.

Os seus antecessores tiveram conflitos com as forças. Arthur Trindade, com a Polícia Militar, e Márcia de Alencar, com a Polícia Civil. O senhor acha que terá uma boa relação com as duas forças?
Espero que sim. Tive, ao longo dos 10 anos que passei no Rio de Janeiro. Conversei com a secretária Márcia, com o Sandro (Avelar) e com o Valmir (Lemos). Nós nunca tivemos problemas como esse lá no Rio e espero que a gente não tenha aqui.

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