Cidades

Paixão de Cristo reúne 55 mil pessoas sob sol forte

Cerca de 1,5 mil atores e trabalhadores voluntários participaram da mais tradicional encenação da Paixão de Cristo do DF

Ketheryne Mariz/Diário de Pernambuco
postado em 15/04/2017 08:54
Cristo carrega a cruz: realizado desde 1973, o maior evento católico da capital mexe com a emoção dos fiéis, que encaram qualquer tempo, em prova de crença e humildade
Mais uma vez, o Morro da Capelinha se transformou em Jerusalém. No ponto mais alto de Planaltina, distante 43km do Plano Piloto, Jesus foi julgado e condenado. Morreu e ressucitou no terceiro dia. Fiéis subiram o 1,2km de olhos fechados, terços na mão e velas acesas. Cada um dedicou, a seu modo, uma oração ao filho de Deus. Mesmo com quase 2 mil anos, a história continua viva. Cada vez mais real. A reprodução dos últimos momentos de Cristo atraiu 55 mil pessoas.

O dia em que os cristãos lembram o julgamento, a paixão, a crucificação e a morte de Jesus Cristo em Planaltina exigiu um esforço ainda maior dos fiéis. A umidade relativa do ar chegou a 35% e a temperatura, a 30;C. Obstáculo, que não diminuíram a vontade de acompanhar o espetáculo. A encenação durou cerca de quatro horas.

[SAIBAMAIS]Assim como está escrito na Bíblia, o clamor popular levou à condenação de Jesus Cristo e o livramento de Barrabás, um dos mais perigosos bandidos da Jerusalém antiga. A partir disso, começou a encenação da Via-Sacra de Planaltina. As 15 estações ; capítulos da narrativa ; são teatralizados todos os anos por voluntários. Ontem, 1,5 mil pessoas interpretaram a história. As três quedas de Cristo, a ajuda de Cirineu Simão para carregar a cruz, o cuidado de Verônica, o encontro com as mulheres piedosas, a crucificação, a morte e o sepultamento foram contados até a ressurreição.

;Hoje as pessoas pensam que é um dia de tristeza, mas não é. Ele se deu na cruz, quis morrer por todos nós. Precisamos relembrar esse sacrifício e a história da salvação;, comentou José Adão Castro, 42 anos. O servidor público testemunha a representação bíblica há mais de 20 anos.

A tradição da surpresa no último ato da encenação, realizada desde 1973, este ano veio com um tom especial. Uma imagem de 10m de altura de Nossa Senhora de Fátima encantou os espectadores. O tema foi escolhido em homenagem aos 100 anos da aparição da santa para três crianças, em Portugal.

Vigília pascal

A multidão desceu o morro em grupos. Alguns partiram para suas igrejas para o início da vigília pascal, que antecede a comemoração de hoje. Após enfrentar duas horas de ônibus, o jardineiro Antônio Rodrigues, 62 anos, foi embora pensativo. Interrompeu suas orações apenas para conversar com a reportagem. ;Mais que importante para a fé católica, a história de sacrifício de Jesus é importante para a humanidade, sobretudo, pelos tempos que temos enfrentado;, ponderou.
Mais de 35 igrejas participaram da encenação. Uma delas foi a frequentada por Antônio Marcos Lima, 25 anos, em Planaltina. Ele e outros jovens do grupo Ágape, da Paróquia de São Sebastião, foram em procissão ao morro. Percorreram, ao todo, 4km. ;A via-sacra é muito mais que uma encenação teatral. Representa o que Jesus sofreu na cruz por todos os nossos pecados;, ressaltou.

Coordenador do grupo, Antônio destacou que eles participam do evento há uma década. ;Sempre tem algo novo que aprendemos. Isso que é o interessante. Jesus nos surpreende a cada ano.;

Sem violência

Para garantir a segurança na maior festa cristã da capital, 600 policiais militares ficaram de prontidão no local. O Corpo de Bombeiros deslocou 215 militares para acudir quem precisasse de socorro. A corporação registrou 38 ocorrências, sendo um incêndio em um carrinho de pipoca, três incêndios florestais causados por fogos de artifício e desmaios ; quatro pessoas foram hospitalizadas. (Colaborou Otávio Augusto)

Pedidos e agradecimentos

Como de costume, já de madrugada, muita gente subia o Morro da Capelinha. Uns, para agradecer uma graça alcançada. Outros, para pedir ajuda divina. Muitos aproveitaram para acender velas e fazer orações a Nossa Senhora de Fátima, padroeira da Capelinha.
Gente como a doméstica Nilda Aparecida Rocha. ;Há alguns anos, tive um sonho. Nele, Deus me falou para participar da via-sacra. Moro em Planaltina de Goiás e faz certo tempo que lá não acontece a peregrinação. Para manter a minha promessa, que fiz em sonho, venho aqui. Subo para agradecer por toda minha família. Meu marido teve complicações de vida recentemente, mas Deus e Nossa Senhora nos ajudaram muito;, contou. Ela e o filho vestiam branco e revezavam uma imagem da padroeira.
Acompanhado da mulher, o técnico de segurança Zilnando de Jesus subiu o morro de joelhos. ;É doloroso? Sim. Mas é nada, comparado ao que Cristo sofreu. No ano passado, vim para agradecer, mesmo sem ter emprego, mesmo sem ter perspectiva de trabalho. Só vim agradecer, mostrar a minha fé e a gratidão. Algum tempo depois, Deus providenciou meu emprego e uma saúde melhor. Nunca devemos nos desesperar ou achar que Deus está longe;, ressaltou. Fé passada de geração para geração. A mãe dele, Lucileide Maria de Jesus, o deixou seguir ajoelhado enquanto subia descalça por todo o percurso da via-sacra.
Acompanhado da mulher, Zinando subiu o morro de joelhos para agradecer graça
Também de joelhos, segurando parte do corpo que pendia para frente, com os quatro filhos revezando o guarda-sol para protegê-la, a cabeleireira Quele Nahiane dos Santos agradecia pela vida do filho mais novo, enquanto se esforçava para completar o percurso até o fim. ;Meu filho saiu do leito de morte depois de um pedido que fiz, há um ano. Estou aqui pagando o que prometi, agradecendo pelo meu quinto e último filho;, disse a cabeleireira.

A fé levou a professora Kátia Garcia a se deslocar 19km a pé. Junto a ela estava a cadela de estimação Suzy. Há oito anos, as duas saem caminhando de Sobradinho para o Morro da Capelinha. Quando o animal fica cansado, Kátia o põe em uma mochila e segue a caminhada. ;Neste ano, peço muita paz por todos os conflitos no mundo. Trabalho em um sistema prisional e falo sempre para refletirmos e não ficarmos violentos também;, afirmou a professora. A família de Kátia acompanha a andança da educadora, mas dentro do carro.

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