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'Quem faz a vida e o tempo é Deus', diz mãe de menina com doença incurável

Rara sobrevivente de síndromes sem tratamento, moradora do Setor O nasceu e chegou aos 4 anos, contrariando todos os prognósticos médicos. Católicos, os pais dela acreditam em milagre


Hoje, 1984 anos depois da morte do Salvador, uma outra Maria Madalena luta diariamente. Pela fé de seus pais, ainda que com dificuldade, faz um esforço descomunal para uma tarefa simples a tantas outras pessoas: viver. A pequena guerreira ultrapassou todas as estimativas de vida dadas pelos médicos. Madá, como é chamada pela família, não ia nascer. Não sobreviveria ao parto. Não passaria de um ano. Em um dia simbólico, na segunda-feira da semana santa, ela completou 4 anos.

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Moradora de uma casa simples do Setor O de Ceilândia, Madalena resiste à deterioração de seu pequeno corpo e, recentemente, conseguiu se virar na cama, ficar de bruços e levantar a cabeça. ;Foi uma festa aqui em casa quando ela fez isso. Antes, ela não conseguia respirar, por não dar conta de erguer o corpo;, contou emocionada a mãe, Ana Soares da Silva Reis. Dona de casa, católica, aos 39 anos, ela se dedica integralmente a cuidar dos cinco filhos. O marido, David Soares Reis, 36, é mecânico. Trabalha na oficina que montou no quintal de casa. Por isso, sempre está por perto, para auxiliar a mulher.

Desafios

Ainda na primeira ecografia, a sorridente Ana, acompanhada da filha mais velha, Sabrina Reis, 21, descobriu que esperava uma menina. Um sonho para a família, uma felicidade que não cabia no peito. Mas a primeira imagem que apareceu no monitor do consultório chamou a atenção da mãe. ;O médico focou logo na cabeça. Em uma fração de segundo, vi uma mancha preta na cabecinha e senti que alguma coisa estava errada. Foi nesse dia que decidi que Maria Madalena seria o nome da minha filha;, conta.

Ao receber o laudo, outro nome ficou para sempre na cabeça da mãe: hidrocefalia não comunicante. Com opiniões médicas diferentes, que iam do monitoramento da situação até quando fosse possível a tirar o bebê por ser uma gravidez não viável, a família encontrou um médico que aceitou o desafio e, junto à esperançosa família, continuou a gravidez.

Com 38 semanas de gestação, a sala de cirurgia do Hospital Regional de Taguatinga (HRT), preparada para a cesárea, ficou pequena. Uma equipe curiosa, que reunia residentes, dois obstetras, três pediatras e dois anestesistas, além de uma equipe de emergência pronta para levar a recém-nascida para o Hospital de Base, esperava um bebê diferente.

;Perguntaram-me se eu queria ser sedada, pois não sabiam o que ia nascer. Então, disse que não importava se nasceria um pedaço de bife, pois seria o meu bife que Deus havia me dado;, lembra Ana. Após um período de silêncio na sala, veio ao mundo uma bebê perfeita, com a cabeça de tamanho normal e ;com todos os dedos da mão;, observa a mãe. Quando a mãe chegou ao quarto, Maria Madalena já estava liberada para ficar nos braços da família.

Porém, na semana seguinte, os pais perceberam que, ao colocar a roupinha pela manhã e na hora de dar banho pela tarde, a roupa já não passava normalmente pela cabeça. Com apenas uma cirurgia, quando a menina tinha um mês e cinco dias, o problema do crescimento anormal, devido ao acúmulo de líquido no cérebro, foi resolvido com a inserção de uma válvula de drenagem.

Diagnóstico

Os pais não precisaram mais se preocupar com esse problema, mas outros sintomas alertaram os médicos. ;Ela tinha um olho maior que o outro e, aparentemente, não enxergava do esquerdo. Depois de muitos exames, inclusive genéticos, veio o diagnóstico das síndromes;, conta Ana.

No DNA de Madá, há o alelo recessivo da Síndrome de Walker-Warburg e a sobreposição dos sintomas das outras duas ; Distrofia Muscular Congênita de Fukuyama e Síndrome de Muscle-eye-brain. Até onde os médicos que acompanham o caso sabem e informaram à família, Maria é caso único. O último registro é o de uma criança que chegou aos 3 anos e 8 meses, em 2012.

Após muitas pesquisas, Ana foi tomando ciência do possível futuro de sua filha. ;Essa outra criança ficou três anos no hospital, entubada. Ficamos assustados com o que a doença causaria à nossa filha;, comenta Ana. As síndromes não têm tratamento nem cura. A cada dia, uma parte das células de Madalena morre e o corpo não tem capacidade para criar outras.

A deficiência neurológica tem se agravado desde o ano passado. As crises convulsivas, antes frequentes e facilmente tratadas em casa, fazem a família sair no meio da madrugada rumo ao hospital. ;Na última vez, pensei que ia perder a Madá. Ela ficou dias sem dormir e sem se alimentar direito. Foi uma crise longa. Ela chegou a ficar roxa.;

Contrariando a ciência, Madalena, a cada dia, mostra vontade de se desenvolver. Enquanto ela perde alguns movimentos, ganha outros. Madá é acompanhada por médicos e outros profissionais da Rede Sarah. ;O corpo dela não sabe o que é ser diferente. Na segunda-feira santa foi o aniversário dela, idade limite que disseram que ela viveria. Quem faz a vida e o tempo é Deus;, acredita a mãe.

Toda as noites, os pais rezam e agradecem por mais um dia de vida da filha. Junto aos quatro irmãos ; Sabrina, 21 anos, Davi, 11, Pedro, 6, e Paulo, 1. Madá cresce feliz, do jeito que seu corpo consegue. Os músculos estão parando, o intestino já não trabalha direito, e os pulmões, não conseguem se expandir em sua capacidade máxima. Mas nada tira o sorriso da menina de cabelos compridos, nunca cortados, por uma decisão da mãe, que assim explica: ;Não cortamos o cabelo dela, porque a Santa Maria Madalena secou os pés de Jesus com seus fios. Minha filha estará com os cabelos lindos quando for encontrar com o Senhor;.