Cidades

Restam apenas 20 edificações pioneiras em madeira espalhas pelo DF; confira

São igrejas, casas e construções grandes que abrigaram os primeiros habitantes de Brasília, de peões ao presidente JK

Pedro Grigori - Especial para o Correio, Walder Galvão*
postado em 16/04/2017 08:00

Também conhecido como Palácio de Tábuas, o Catetinho foi a primeira construção oficial de Brasília: erguido para servir de residência a Juscelino Kubitschek e seus assessores mais próximos, hoje funciona como um museu


Nascida de um sonho ambicioso de Juscelino Kubitschek, Brasília foi traçada a régua para ser moderna, autêntica e futurista. No mesmo século em que foi criada, recebeu da Unesco o título de Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade. No entanto, antes de a cidade de concreto e aço ser erguida, os pioneiros construíram suas vidas em casas, igrejas, lojas e prédios públicos de madeira. Uma semana antes do aniversário de 57 anos da capital, o Correio mostra o que sobrou desse patrimônio. Restam ao menos 20 edificações, em cinco regiões administrativas. São cinco templos católicos, 10 casas, uma escola, uma churrascaria, dois museus e uma clínica de odontologia. Do total, 15 estão tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Mas o tombamento não é sinônimo de preservação.



Conhecida por abrigar os primeiros habitantes da nova capital, a Vila Planalto hoje chama a atenção pelas construções de dois e três pavimentos. Todas de concreto. Algumas, luxuosas. Cenário que nada lembra o seu início. Mesmo após as intervenções urbanísticas, a cidade, que tem o Lago Paranoá como pano de fundo, ainda conserva um pouco de 60 anos atrás. A Paróquia de Nossa Senhora do Rosário de Pompeia e as casas do Conjunto Fazendinhas compartilham a mesma forma de construção: todas foram feitas de madeira.

Os pregos fundidos às tábuas reforçam a maneira como as grandes edificações foram produzidas no Conjunto Fazendinhas. Porém, só uma das cinco residências está em bom estado. Nela funciona, desde 1994, a casa de acolhimento da Associação de Mães Protetoras, Amigos e Recuperadora de Excepcionais (Ampare).

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Quem visita a construção, mesclada de azul e branco, tem a sensação de estar longe de Brasília. O local, que funciona como moradia para crianças e adolescentes com necessidades especiais e em situação de abandono, foi construído em 1957 para abrigar engenheiros na construção da capital. O radialista Clayton Aguiar, 67 anos, conta que pediu ao Governo do Distrito Federal para dar uma destinação ao conjunto. ;Todo o projeto foi obra da minha esposa, Gláucia Gomes, falecida há dois anos. Depois que tivemos uma filha com Síndrome de Down, ela se dedicou ajudar outras pessoas.;

A instituição acolhe 10 crianças e adolescentes abandonados pelos pais. ;Fizemos algumas reformas, mas tudo foi acompanhado pelo GDF. Por se tratar de um patrimônio da cidade, mantivemos a identidade da casa e apenas adaptamos algumas coisas para os atuais moradores;, explica a coordenadora, Maíza Bueno, 55. Ela ressalta que uma construção de madeira exige mais cuidados. ;Precisamos ficar atentos aos insetos e ao desgaste dos materiais. Uma vez por ano, fazemos uma reforma com profissionais do GDF. Usamos a residência, mas ela pertence ao governo.;

A Ampare conseguiu manter preservada uma das cinco casas de madeira do Conjunto Fazendinhas. No entanto, a vegetação alta e o desgaste tomam conta de uma residência vizinha. As janelas verdes e a pintura cinza das paredes ainda dão vida ao local, que parece estar abandonado. Até o suporte para a caixa-d;água é de madeira. O subsecretário de Patrimônio Cultural, Gustavo Pacheco, diz haver projetos para as outras unidades danificadas, mas ainda faltam análises precisas das instalações para dar início aos reparos.

Assim como a Ampare, as outras casas de madeira funcionaram como instituições sociais. Após a prometida revitalização, que não tem prazo nem verba garantida, o intuito é que elas continuem atendendo a comunidade. Pacheco diz haver duas unidades prioritárias. ;Começaremos pelas que estão em pior estado. Em seguida, precisamos avaliar o estado das outras;, explica, sem falar quando começam os reparos.

Igrejinha

A Capela Nossa Senhora Aparecida fica na praça principal da Metropolitana, setor pioneiro pertencente ao Núcleo BandeiranteCartão-postal da Vila Planalto, a Paróquia de Nossa Senhora do Rosário de Pompeia chama a atenção por exibir uma forte coloração marrom. Ao se aproximar, a sensação de perceber que a edificação é toda de madeira pode ser definida como eufórica.

Por fora, as grandes tábuas dão forma ao templo. No interior, os bancos, pincelados com o mesmo tom das paredes, se misturam à atmosfera serena. Só o altar apresenta uma cor chamativa comparado ao restante do lugar. Porém, a edificação original, de 1959, foi destruída por um incêndio, em 2000. A igreja só foi colocada de pé novamente após sete anos, também sendo feita de madeira.

A população considera a ;igrejinha de madeira; um monumento de identidade. Segundo o padre responsável pela paróquia, Sérgio Correia da Silva, 43 anos, pessoas de todos os estados frequentam o templo. ;A igreja conta a história dos pioneiros de Brasília. Temos orgulho dela. Quando o fogo a transformou em chamas, os moradores lutaram para que ela fosse construída da mesma forma: de madeira;, destaca. O padre explica que o material usado na construção demanda uma atenção especial, porém, o acolhimento proporcionado pela madeira passa uma sensação diferente a quem entrou no templo.

A paróquia também é responsável por uma das casas de madeira. No local, eles realizam catequese e cursos para a comunidade. ;Temos em mãos dois monumentos históricos da capital. Por isso também temos a responsabilidade de manter o local preservado. Toda alteração deve ser feita pelo próprio governo, por meio de projetos bem elaborados;, explica.

Temporárias

As construções de madeira no início de Brasília foram feitas para serem temporárias. ;Naquela época, tanto os operários, quanto os médicos, engenheiros e diretores de companhia precisavam de uma moradia. As obras de madeiras podiam ser construídas rapidamente;, conta o professor Ivan do Valle, da Universidade de Brasília (UnB). Especialista em arquitetura e pesquisador em construção desse tipo de material, ele acrescenta que, em outras unidades da Federação, o uso da madeira para construções era comum nos anos 1950, e, como Brasília recebeu pessoas de diversas regiões, essa cultura acabou sendo aplicada aqui.

Ivan do Valle considera a degradação das obras em madeira é como um processo natural, já que a madeira usada é de um tipo leve, suscetível ao ataque de fungos e insetos. Por isso é necessária a manutenção constante. ;Os órgãos responsáveis por esses patrimônios devem realizar um tratamento mais efetivo para que a durabilidade possa aumentar. Essa manutenção precisa ser realizada por especialistas. Os fungos acabam sendo os piores inimigos das obras, já que realizam ataques com a umidade e danificam as estruturas;, explica.

Mas nem sempre as restaurações saem como o esperado. A Capela de São José Operário, na Candangolândia, recebeu a primeira missa em local fechado do Distrito Federal, em 1957. Em 1996, um incêndio destruiu o monumento. Dezoito anos depois, a igreja foi restaurada e reinaugurada, em um evento que contou com a presença da população e até do então governador Agnelo Queiroz (PT). O que parecia ser o começo de um novo capítulo de glória para a capela acabou não indo para frente, pois esqueceram de construir banheiros, o que inviabiliza missas.

Otávia da Rocha, 68 anos, é católica e mora em frente à capela. Ela não esconde a decepção por não poder ir às missas no prédio vizinho. ;Não dá pra ter missa, porque vem muita criança e idoso, e não dá para ficar duas horas sem ir ao banheiro. É muito triste, porque agora temos que ir à igreja lá de cima, em vez dessa, que é um símbolo da cidade;, lamenta. No templo, com capacidade para 150 pessoas sentadas, são realizadas só simples, rápidas e eventuais cerimônias.

Já a dona de casa Silvanette Pereira, 41, tem reclamações ainda mais graves sobre a obra: ;Antes, era tudo fechado ao redor da igrejinha. Com a reforma, derrubaram o muro para construir um estacionamento e fizeram uma pracinha. Agora, sem missas, virou ponto de venda de drogas e lugar de festa com som alto. O que era pra melhorar a nossa cidade acabou só piorando.; A capela fica em frente à casa paroquial, mas nem isso serve para espantar os vândalos, que picharam, com tinta branca, as paredes amarronzadas.

Por meio de nota, a Comunicação Social da Polícia Militar afirmou que, diariamente, ;há o emprego de viaturas na região;, e que ;os registros de chamados da PMDF na área são quase zero;. Ainda, a assessoria disse que ;a população deve acionar a corporação para, a partir dos registros de ocorrência, a mancha criminal ser reformulada e haver reforço no policiamento;.


Mato toma conta

Construída em madeira, a Capela São Geraldo, no Paranoá, é a segunda mais antiga do DF, e também acabou abandonada mesmo após a restauração. A obra foi entregue um mês depois da Capela de São José Operário e custou R$ 282 mil aos cofres públicos. Mas, depois da inauguração, só quatro eventos ocorreram no local, três missas e um casamento. Desde então, o abandono se identifica pelo mato alto ao redor do templo, que serve de abrigo para vândalos que destruíram o local e roubaram até o sino de bronze da igreja.

As administrações regionais da Candangolândia e do Paranoá informaram que as capelas integram a lista de patrimônio da Arquidiocese de Brasília. ;A responsabilidade pela manutenção, pelo zelo e pela preservação do bem tombado é do organismo responsável por sua gestão;, segundo os órgãos. Até o fechamento desta edição, a Cúria ; parte administrativa da Arquidiocese de Brasília ; não havia respondido aos questionamentos feitos pelo Correio.

* Estagiários sob supervisão de Renato Alves

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