Cidades

Após 60 anos de resistência, Vila Planalto se firma como polo gastronômico

Local ainda conserva as ruas arborizadas, construções de madeira e um ambiente que mantém os ares de cidade do interior

Renato Alves
postado em 29/04/2017 08:00
Filho de pioneiros, Everaldo Cavazzo define a Vila Planalto como a memória operária viva
Erguida em 1957, em forma de um acampamento, para receber operários durante a construção de Brasília, a Vila Planalto deveria ser desmontada com a inauguração da nova capital federal, em 1960. Passados 60 anos, ela se consolida como uma pequena cidade de 7 mil habitantes, com excelente qualidade de vida, um comércio pujante e um disputado polo gastronômico. Sem violência, com ruas estreitas, pracinhas arborizadas e até construções de madeira, ainda mantém as características e os costumes interioranos. A festa pelo sexagenário do bairro ficará completa com a entrega das tão aguardadas escrituras dos imóveis, hoje, em meio a uma extensa programação oficial.

O carioca Ademir Alves Dias, 59 anos, mora em uma das poucas casas originais dos tempos da construção da capital. Herança do sogro, operário vindo de Minas Gerais, atraído pelo sonho de um futuro mais promissor na cidade modernista desenhada por Lucio Costa e Oscar Niemeyer. Na edificação de quatro cômodos, Ademir e a mulher criaram os quatro filhos, hoje todos trabalhando e com família. Para Ademir, não há lugar melhor do que a Vila Planalto, em especial a praça principal, onde fica a Igreja Nossa Senhora do Rosário e Pompeia, principal ponto de encontro da comunidade. ;Aqui, a gente não tem dor de cabeça. Todos se conhecem, são amigos. Isso aqui é o paraíso;, ressalta o autônomo.

Filho de pioneiros, Everaldo Rodrigues Cavazzo, 49, também não se cansa de exaltar as virtudes da Vila, em especial os moradores: ;A Vila Planalto é a memória operária viva. Símbolo da resistência dos pioneiros, ela sobreviveu à debandada das construtoras com a conclusão dos palácios, às décadas de abandono do Estado, à pressão dos governos militares, aos projetos de transferência dos moradores dos antigos acampamentos para outras localidades;. Fruto de um casal que trocou o interior baiano pelo sertão goiano para ajudar a erguer Brasília e criar os filhos em melhores condições, Everaldo nasceu e cresceu na Vila Planalto, onde também criou os três filhos.

Além da luta dos moradores, Everaldo destaca os tombamentos como essenciais para a manutenção da Vila. ;A cidade e as construções de madeira foram tombadas três vezes, por três órgãos diferentes: pelo antigo Depha, pelo Iphan e pela Unesco. Não fosse isso, ela teria acabado completamente ou estaria ainda mais descaracterizada;, observa o morador, líder comunitário. Ele se refere à proliferação das construções de alvenaria com dois e até três pavimentos, que incluem hotéis, o que é proibido na Vila Planalto, alimenta a especulação imobiliária e aumenta a densidade populacional. Fala, ainda, de um condomínio ilegal de casas de luxo que cresce em frente ao Palácio do Jaburu, residência oficial do presidente da República, Michel Temer. O local é destinado a uma reserva ambiental.

Na Vila, Ademir Dias criou os quatro filho:

Ruínas


Mas, assim como os pioneiros, construções de madeira resistem em meio às novas e enormes residências de alvenaria. Não há um censo sobre os imóveis da Vila Planalto, mas casas originais são ao menos 10. Uma delas fica na Rua do Açougue. Outra, na Rua Mato Grosso. Sim, diferentemente do restante do Distrito Federal, o lugar tem vias com nomes comuns.

Já na Rua 10, um portão baixo de metal dá acesso a uma casa de tábuas velhas, com remendos e um quintal com lixo e mato alto. O local faz parte do Conjunto Fazendinha: cinco residências destinadas, na época, à moradia de funcionários na construção de Brasília. As estruturas são de piso único, chão avermelhado e com as janelas e o suporte da caixa-d;água de madeira. Das cinco estruturas, só uma foi restaurada e serve como casa de acolhimento da Associação de Mães Protetoras, Amigos e Recuperadoras de Excepcionais (Ampare), destinada a crianças portadoras de deficiência abandonadas.

Outra relíquia é a Escola da Vila Planalto. Ela também se confunde com a história da construção da capital. O colégio foi criado para proporcionar educação de qualidade aos filhos dos operários que trabalhavam e residiam nos acampamentos. Inicialmente, era uma instituição pequena, construída de madeira, ao lado da capela de Nossa Senhora do Rosário, que oferecia ensino de 1; a 6; séries do ensino fundamental I, antigo 1; grau.

Vizinha ao emergente setor de hotéis à margem do Lago Paranoá, que também abriga empreendimentos de luxo voltados à moradia individual, a Vila Planalto tem ainda dois hotéis, duas pousadas e mais de 40 restaurantes de especialidades variadas frequentados, em sua maioria, por funcionários públicos que trabalham na Esplanada dos Ministérios, demonstrando a vocação do lugar como polo gastronômico e turístico.

Coincidência
Um incêndio criminoso, na madrugada do domingo de carnaval de 2000, colocou ao chão o monumento, de 1959 ; coincidentemente, a mesma data do episódio conhecido como Massacre da Pacheco Fernandes, ocorrido em 1959, na área onde hoje estão as casas da Vila Planalto. A igreja só foi colocada de pé novamente após sete anos.

Patrimônio
O primeiro tombamento ocorreu em 21 de abril de 1988, por meio de um decreto do Governo do Distrito Federal, que considerou as construções públicas de madeira da Vila Planalto Patrimônio Histórico do Distrito Federal.

Local ainda conserva as ruas arborizadas, construções de madeira e um ambiente que mantém os ares de cidade do interior
Para saber mais

Aglomerado de acampamentos


A Vila Planalto é uma comunidade urbana da Região Administrativa de Brasília. Ela fica entre o Palácio do Planalto e o Palácio da Alvorada. Não há uma data exata de sua fundação. Historiadores estimam que ela começou a surgir em maio de 1957 para abrigar os operários das empresas Rabelo e Pacheco Fernandes.

Ambas foram as primeiras firmas a se instalarem no imenso canteiro de obras da nova capital, ainda em 1956, para construírem, respectivamente, o Palácio da Alvorada e o Brasília Palace Hotel. Com a conclusão dos prédios, em 1957, os acampamentos foram transferidos para o local conhecido hoje como Vila Planalto, para a construção do Eixo Monumental e da Praça dos Três Poderes.

Com o início das obras na Praça dos Três Poderes e na Esplanada dos Ministérios, a Novacap permitiu que outras construtoras erguessem, simultaneamente, seus acampamentos em locais próximos aos já existentes. Em 1958, havia 22 acampamentos ao redor do conjunto das obras prioritárias para a cidade. Na época, a Vila Planalto ocupava uma área que extrapola em muito a atual. Ela se estendia de onde agora estão os anexos dos ministérios, o Senado Federal, o Palácio do Planalto, os setores de Embaixadas e Clubes Norte, indo até perto do Palácio da Alvorada. O Lago Paranoá cobriu parte de alguns desses acampamentos.

Ao fim das obras, muitos trabalhadores foram assentados em cidades como Taguatinga, sendo que parcela permaneceu na Vila Planalto.

Programe-se


Confira a programação da festa oficial do aniversário da Vila Planalto:

Hoje
9h ; Apresentação do Corpo de Bombeiros do DF
10h ; Homenagem aos pioneiros e entrega das escrituras das casas
11h30 ; Apresentação musical com o DJ Bola
14h ; Ciclo de palestras
18h ; Apresentação do grupo de hip-hop de Black Spin Breakers
19h ; Exibição do documentário Vila que te quero viva
20h ; Apresentação do Liga Tripa
21h ; Apresentação da bateria da Aruc

Domingo
9h ; Torneio de vôlei. Local: Acampamento Pacheco (Avenida do Contorno)
9h30 ; Apresentação dos cães do Bope
10h ; Momento fitness para a melhor idade
11h ; Apresentação da Orquestra Cavaquinho de Brasília
14h ; Apresentação de teatro Eu sou Vila Planalto
15h ; Apresentação de muay thai e capoeira
16h ; Ato ecumênico
18h ; Parabéns para a Vila Planalto
19h ; Exibição do documentário Vila Planalto, acampamento pioneiro
19h30 ; Show de encerramento

Assista ao VÍDEO com moradores e imagens da Vila Planalto:

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