Marroquina de nascimento, espanhola pela convivência com a mãe, sangue russo pelo lado da família do pai e brasiliense de coração. Essa é a genealogia de Carmen Ganzelevitch Vargas, de 71 anos, moradora do Lago Norte. Casada com o pesquisador português Amilcar Gramacho, 71, a narrativa dessa mulher de olhos bem azuis impressiona pela riqueza de detalhes de sua história de vida. Como um novelo de lã, a cada nó desfeito, surge um novo elo familiar.
Para encontrar o fio que une parentes espalhados pelos quatro cantos do planeta, ela teceu, tal qual um bordado, toda a origem familiar dos Ganzelevitch e dos Vargas. E, neste mês, apresentou à família brasileira o primo russo Boris, que conheceu, pela primeira vez, em 2015. Ele veio de Israel com a mulher, Olga Aleksandrovna, para conhecer parte dos parentes que moram no Brasil. Boris, por suas raízes judaicas, foi para o Oriente Médio no início dos anos 1990, na sequência da desarticulação econômica da antiga União Soviética.
A fim de resgatar a história familiar dos Gazenlevitch, o casal Carmem e Amilcar começou a viajar para a Europa e a África a partir de 1988. O objetivo inicial era relembrar os lugares onde foram criados na infância: Carmen, em Tanger, no Marrocos; e em Granada, na Espanha; Amilcar, em Espinho, no Porto, em Portugal. Refizeram contatos que haviam se perdido, reconheceram os lugares por onde passaram nos seus primeiros anos, e encontraram alguns dos fios das tramas das histórias da família de Carmem. Ela visitou uma tia, no Marrocos. ;Em 2005, a tia Nadine faleceu e me deixou como herança um relicário ; um tesouro com registros de fotos tiradas, entre 1906 e 1908, na cidade de siberiana de Tomsk, na Rússia;, destacou.
Com essas pistas, Amilcar recuperou a história do lado paterno da família Ganzelevitch. ;Um desafio que parecia muito maior, pois o avô de Carmen havia nascido na distante Rússia, onde os arquivos certamente teriam desaparecido por causa das guerras e da Revolução de 1917, além da barreira linguística;, observou.
De acordo com as pesquisas de Amilcar, o avô de Carmem (Jacques) havia deixado a Rússia antes da Primeira Guerra Mundial. ;Outro fato de conhecimento de todos é que ele se apaixonou, em Genebra, por uma encantadora francesa, Anete, hábil pianista, e que deixaram tudo para trás, para começar vida nova na distante Tanger, após um casamento apressado em uma igreja de Gibraltar, antes de cruzar o Mediterrâneo;, contou.
Carmem lembra que Jacques e Anete tiveram seis filhos, todos nascidos em Tanger, cinco meninos e apenas uma menina, Nádia. ;Foi Nádia que conheceu, logo após o final da Segunda Guerra, o espanhol Enrique Vargas, que então cumpria missão em Tanger. Esse relacionamento levou Wladimir, irmão de Nádia, futuro pai de Carmem, a conhecer Maria Luisa, irmã de Enrique e futura mãe de Carmem, duplicando-se a ligação entre os Ganzelevitch, de Tanger, com os Vargas, de Granada.;
As origens russas dos familiares do avô Jacques eram completamente desconhecidas. Com a caixa de fotografias e documentos deixados como herança pela tia, Carmem descobriu informações surpreendentes. ;Algumas dessas fotos revelaram as atividades do meu avô Jacques como empresário em Tanger, além de registros de parte de sua vida na Rússia, em que apareciam pessoas que deveriam ser de minha família;, ressaltou.
Encontrando Boris
Uma das fotos mais expressivas tinha como pano de fundo um estabelecimento comercial onde se lia, em cirílico (alfabeto russo), o nome da família. ;Foi a pista para novas descobertas;, disse Amilcar. ;Usando a grafia russa, pesquisei em sites de busca na internet. E, de fato, vários Ganzelevitch surgiram associados a referências em Israel e na Rússia.
Boris Ganzelevitch, que recentemente esteve em Brasília, era o nome mais frequente nas pesquisas, com muitas referências a seus trabalhos fotográficos. As pesquisas mostravam que Boris vivia em Israel, natural de uma cidade próxima a Tomsk, na Rússia, terra natal do avô de Carmem. ;A partir daí, arriscamos o primeiro contato;, relatou Amilcar.
Segundo Carmem, Boris ficou surpreso, pois jamais imaginara ter parentes tão distantes.
Para Carmem, esse encontro com o primo vai ficar marcado em sua memória. ;Pobre do homem que não tem história. É uma herança inestimável que deixo para meus filhos e meus netos. Os Ganzelevitch se reencontram. Não só para trocar velhas fotos e experiências de vida, mas estender esses elos de família às novas gerações;, finalizou.