Cidades

Polícia segue em busca de provas para esclarecer mortes na L4 Sul

Três dias após o suposto racha que matou mãe e filho na L4 Sul, os familiares das vítimas descartam vingança, mas cobram punição para os envolvidos. Agentes do DER confirmam à polícia que dois acusados se recusaram a fazer o teste do bafômetro

Paula Pires - Especial para o Correio , Lucas Fadul - Especial para o Correio
postado em 04/05/2017 08:13
O Fiesta vermelho em que seguia a família Cayres ficou destruído ao ser atingido na traseira por um Jetta: suspeita de racha após saída de festa em barco no Lago Paranoá
;Eu não posso fazer mais nada pelo meu marido e pela minha sogra. Eles morreram. Eu não posso fazer mais nada por eles. A única coisa que eu posso fazer é dizer: chega!” Passados três dias do acidente que matou Cleuza Maria Cayres, 69 anos, e o filho dela, Ricardo Clemente Cayres, 46, Fabrícia Gouveia, 47, viúva de Ricardo, disse ao Correio que não deseja vingança. Mas exige que os suspeitos de terem realizado um suposto racha na L4 Sul, onde ocorreu a tragédia, no último domingo à noite, sejam submetidos à Justiça. Ela espera, agora, pelo resultado das investigações e aguarda punição aos três envolvidos, caso fique confirmado o pega pela polícia.

Por enquanto, investigadores da 1; Delegacia de Polícia (Asa Sul) continuam em busca de pistas para esclarecer o acidente na L4 Sul, próximo à Ponte das Garças, por volta das 19h30 do último domingo. Até o momento, oito testemunhas prestaram depoimento, sendo dois agentes do Departamento de Estradas de Rodagem (DER). Eles confirmaram que dois dos três envolvidos apresentavam sinais de embriaguez, mas se recusaram a fazer o teste do bafômetro.
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[SAIBAMAIS]Também inconformado com a tragédia que matou a mãe e o irmão, Renato Cayres, 45, voltou ao local do acidente na manhã de ontem. Ele encontrou uma lata amassada de cerveja, ainda contendo resquícios da bebida, além de documentos do pai, Oswaldo Clemente Cayres, 72, que sobreviveu à colisão. ;Esses relatos que estamos prestando não são só por causa da gente. Como cidadãos e integrantes da sociedade, ficamos muito estarrecidos. Queremos que seja feita justiça não só por nós, mas de maneira ampla;, justificou.

A Polícia Civil informou que a família formalizará a localização dos objetos e documentos encontrados por Renato para que sejam anexados ao inquérito. No entanto, o órgão reitera ser necessário verificar ;se terceiros plantaram elementos após a perícia com o intuito de desviar o foco da investigação, o que pode configurar fraude processual;. Renato contou, entretanto, que registrou a coleta das evidências. ;Eu fiz vídeos lá: tem resto do carro a mais de 100m do local do acidente por causa da violência que foi. A gente quer mais celeridade (na apuração);, cobrou.

O acidente aconteceu na L4 Sul, próximo à Ponte das Garças. O Fiesta vermelho em que seguiam Oswaldo, Cleuza, Ricardo e Helberton Silva Quintão, 37, condutor do veículo e cunhado de Ricardo, foi atingido na traseira por um dos três automóveis suspeitos de participar de um possível racha. Com a batida, o carro da família Cayres saiu da via, bateu em uma árvore e capotou. Cleuza e Ricardo morreram na hora, apesar de estarem com o cinto da segurança. Helberton e Oswaldo foram levados para o Hospital de Base do DF com escoriações.

Burocracia

A família Cayres ainda segue envolvida em trâmites burocráticos desde a tragédia. Há três dias, Fabrícia e Renato não conseguem dormir, limitando o sono a cochilos. ;Ontem (terça-feira), por uma dessas necessidades práticas, eu tive de ir ao pátio do seguro para liberar o carro (Fiesta), porque a apólice está no meu nome. Não sobrou nada: o carro está totalmente destruído. Na traseira, local da batida, há um buraco;, disse Fabrícia.

Renato tem buscado forças para consolar a família, incluindo as irmãs gêmeas. ;O meu pai ficará com sequelas, está bastante machucado. Ele está morando comigo, e o meu filho pequeno está confortando o avô. A gente vai tocar a vida, somos uma família muito unida, de pessoas do bem;, contou. Fabrícia vê no sogro a figura que traz serenidade e segurança a todos, apesar dos últimos episódios. ;Ele é uma rocha, muito forte espiritualmente;, concluiu.

Bafômetro

Os investigados como responsáveis pelo acidente são: Eraldo José Cavalcante Pereira, 34, condutor do Jetta preto que bateu atrás do Fiesta; o sargento do Corpo de Bombeiros Noé Albuquerque de Oliveira, 42, motorista da Range Rover; e a irmã dele, Fabiana Albuquerque Oliveira, 37, que guiava o Cruze prata. Ela foi a única a permanecer no local do acidente, mas se recusou a fazer o teste do bafômetro. Os outros dois fugiram. O trio havia passado o domingo em uma festa no Lago Paranoá.

Quatro perguntas para / Fabrícia Gouveia

Qual é o teu sentimento hoje, três dias após o acidente?
Foi um caso grave e que causou comoção demais. Eu quero dizer que esse espaço que a gente tem para falar, e eu faço questão de falar, não é só para mim. Nesse espaço, eu não estou sozinha. Eu não estou falando por ninguém, porque eu não peguei autorização. Mas eu tenho certeza de que, aqui junto comigo, estão falando os familiares daquele senhor que foi assassinado no Lago Norte, dos dois rapazes que morreram no Mangueiral, os do artista plástico que morreu ontem. Esse espaço é de todo mundo que quer dar um basta nisso. Chega! Eu não posso fazer mais nada pelo meu marido e pela minha sogra. Eles não estão em um hospital para que eu possa fazer um curativo, fazer uma visita, dormir com eles. Eles morreram. A única coisa que eu posso fazer é dizer: chega.

E como você tem trabalho isso internamente?
Eu achava que nunca ia acontecer comigo e aconteceu. Em um minuto, eu tinha a pessoa com quem eu vivi os últimos 10 anos, todos os dias, ao meu lado. No minuto seguinte, eu não tinha mais. Não quero que ninguém passe por isso. É uma dor que você não consegue explicar, porque você não tem mais a sua vida. Eu morri lá um pouco.

O fato de saber as circunstâncias do acidente piora a situação?
Ninguém aqui está atrás de vingança. Existem fatos inegáveis. Ontem, por uma dessas necessidades práticas, eu tive de ir ao pátio do seguro para liberar o carro, porque o seguro estava no meu nome. Eu tive de ir lá ver o carro. Eu não queria, mas vi. Não sobrou nada: o carro está totalmente destruído. Na traseira, local da batida, há um buraco. Aquela batida não foi uma encostada de leve.

A sensação é de revolta?
No primeiro dia, eu não queria saber quem eram (os responsáveis pelo acidente) para não alimentar a raiva. É uma sensação de decepção com o que há de humano na gente. É uma sensação de desacreditar um pouco nas pessoas. Cometer um erro é uma coisa. Por ingenuidade, eu esperava que eles reconhecessem, até pela profissão dos dois: um é bombeiro e o outro, advogado. Eu tinha essa ingênua crença de que eles assumiriam (a responsabilidade).


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