Basta aparecer a luz vermelha para se tornar o momento de elas mostrarem a que vieram, seja para vender algum produto, seja para exibir habilidades. Os semáforos da capital do país têm atraído cada vez mais pessoas que fazem do local o seu negócio. Em um momento de dificuldades financeiras, é dali que ambulantes e artistas de rua tiram o sustento de casa. O sol forte, que pode ser considerado um empecilho, é visto por esses profissionais como o momento de faturar. Quanto mais calor, mais água se vende. Quanto mais sol, ou seja luz, mais tempo para mostrar a arte. É assim que o trânsito de Brasília tem, a cada dia, tomado ares de comércio e palco.
O Correio percorreu alguns semáforos da capital para saber um pouco mais das histórias dessas pessoas. A maioria dos ambulantes e artistas é natural de outros estados. Veio para Brasília em busca de melhores oportunidades. Alguns chegaram a trabalhar na formalidade, mas, diante da crise econômica que assolou o país e deixou muita gente desempregada, a solução foi enfrentar o sol forte. A dica dada pela maioria é passar o protetor solar, manter o corpo hidratado e ter energia para andar entre os carros e, claro, saber manter o bom astral mesmo quando as vendas não decolam.
Um semáforo mais demorado é ideal para abordagem. Com camisa branca, calça preta, sapato social e uma bandeja, é assim que o maranhense Francisco Leonardo da Silva, 45 anos, serve água de coco no sinal da saída do Setor de Indústria e Abastecimento (SIA) que dá acesso ao Cruzeiro. De parada em parada, o garçom das ruas oferece o produto aos motoristas da cidade. Há um ano, Francisco foi para as ruas depois de ficar desempregado. Trabalhou por muito tempo como garçom em Imperatriz (MA), sua cidade natal, e atuou na mesma profissão em dois restaurantes de Brasília. Depois de distribuir muitos currículos e com as contas apertando em casa, ele resolveu fazer do trânsito o seu comércio. ;Com o dinheiro do dia a dia, consigo pagar meu aluguel e alimentação. Aqui moro com a minha esposa;, relata.
Organização
No mesmo local com ele, há uma média de 15 ambulantes por dia. Para não ser injusta a venda, o grupo mesmo se organizou com uma escala de revezamento. A cada luz vermelha, cinco vendedores oferecem produtos como água de coco, frutas, pano de chão, dentre outros produtos no semáforo. Cada parada se estende ao menos quatro minutos. ;As pessoas me questionam do calor com a roupa, mas já estou acostumado. Afinal, vim do Maranhão. Aliás é até melhor estar com bastante calor, porque, assim, as pessoas compram mais água de coco;, afirma Francisco. Dependendo do dia, ele chega a vender até R$ 100.
No cruzamento do Setor Policial Sul, próximo ao Cemitério da Esperança, Edimarlei Oliveira de Almeida, 29 anos, avança entre os carros com diversos acessórios de celulares. Ele chegou da Bahia há oito anos, atuando inicialmente como ajudante de pedreiros em algumas obras. Aqui ele se casou, mas não conseguiu um emprego com carteira assinada. Para sobreviver, foi parar nos semáforos da capital do país. Vendeu frutas conforme a estação do ano, água e, agora, no pescoço dele o que se vê são carregadores e suporte de aparelhos móveis. Os motoristas que passam pelo local podem encontrar o baiano com jeito tímido, diariamente, das 10h às 18h. ;O faturamento depende do dia, uma vez que a gente que rabalha no trânsito, tem que lidar com algumas dificuldades. É ruim quando a gente se aproxima e o motorista fecha a janela. Já tentei ingressar no mercado, há pouco mais de três meses, fiz um curso de vigilante, mas até o momento não consegui oportunidade para atuar na área.;
O motivo para Marlene Oliveira, 35 anos, vender água no semáforo do Eixinho Sul, na altura do Setor Comercial Norte, é a casa própria. Moradora de Valparaíso de Goiás, no Entorno do Distrito Federal, antes ela atuava como frentista em um posto de gasolina. Em um último corte na empresa, Marlene foi uma das que se viu também desempregada. A situação é que, no momento, ela paga o financiamento do apartamento onde reside sozinha. Passados os seis meses do seguro-desemprego, ela viu o risco de não arcar com o compromisso financeiro e se transformou em uma ambulante da rua. Com um sorriso no rosto, ela oferece água bem gelada para o motorista que sofre com a seca da capital do país. ;Se não fosse o que ganho no sinal, hoje com certeza minha casa já teria ido para o leilão. Estava em dificuldades e enxerguei nessa atividade um meio para sobreviver;, conta Marlene, que vende uma média de 60 garrafas por dia, chegando a faturar até R$ 120.
Diversão
Os semáforos também são pontos de diversão e arte. Ali bem depois do Conic, o motorista que passa tem a oportunidade de conferir o talento do paraense Cézar Augusto Nascimento, 28 anos. Por lá, tem dia em que o artista de rua faz um jogo com fogo pelo corpo e noutro faz malabares com espadas. Quem para pode ficar até agoniado com a apresentação, porém, no final acaba batendo palmas ou até buzinando. ;O semáforo é o meu picadeiro. O dinheiro que o público me dá, além de sustentar minha mulher e filho de 4 anos, ainda serve como incentivo para eu não parar com a minha arte;, conta.
Natural de Belém, Cézar começou a carreira no circo com oito anos de idade. Chegou a Brasília há três anos. Antes disso percorreu outras cidades como São Paulo (SP), Macapá (AP), Manaus (AM), São Luís (MA) e Goiânia (GO). Na capital, viu a oportunidade de uma vida melhor e também de acompanhar de perto o andamento político do país. Na cidade natal, também atuava em semáforos. O projeto dele, além das ruas, é expandir a arte para crianças e adolescente de São Sebastião, onde mora. ;É um projeto para livrar os jovens das drogas por meio da cultura. Esse é o meu desejo atual;, diz o artista de rua.
As ruas de Brasília servem até de palco para quem está apenas de passagem. O uruguaio Ender Acosta, que mora em Goiânia (GO), aproveitou o passeio para mostrar a arte do malabarismo no semáforo próximo ao Memorial JK. ;Em Goiânia, faço parte de uma escola de circo. Esporadicamente, venho a Brasília. Em todo lugar do mundo, vale a pena mostrar a arte. O semáforo serve como mais uma opção para compartilhar a arte;, detalhou.
Professor da Universidade de Brasília e especialista em segurança, George Felipe Dantas alerta motoristas para que fiquem atentos à segurança no trânsito, mas diferentemente, de outras cidades, observa que não há muitos registros de crimes nas ruas da capital. ;O povo de Brasília está acostumado com o ambulante ou artista no semáforo. Creio que seja difícil desenvolver algum tipo de fraude nesses ambientes. Não acredito que tenha alguma incidência de ações criminosas nesses espaços. Mas, claro, o motorista deve estar sempre atento a qualquer movimentação;, diz.