Jéssica Eufrásio*
postado em 17/05/2017 06:00
Quase 10 anos após a promulgação da lei do Programa Nota Legal no DF, muitos consumidores se perguntam se ainda vale a pena responder afirmativamente à pergunta típica dos estabelecimentos comerciais: ;CPF na nota?; Os motivos de desinteresse dos clientes vão desde a diminuição do valor dos créditos recebidos em comparação ao início da concessão do benefício até o desconhecimento sobre como funciona o programa. Apesar do aumento no número de adesões ; de 18,3 mil em 2010 para mais de 380 mil no ano passado ;, há quem considere o valor restituído irrisório e, por isso, evite pedir o benefício em algumas situações, especialmente em compras que envolvam gastos menores. Para mudar esse cenário, o governo prevê o início de sorteios entre os usuários do programa no segundo semestre de 2017. O valor distribuído ao longo de cada ano pode chegar a R$ 10 milhões.
O professor de direito civil da Universidade de Brasília (UnB) Carlos Tadeu Moreira destaca num estudo as possíveis razões para a diminuição do interesse no programa Nota Legal. Segundo ele, a redução da porcentagem de abatimento no imposto foi o principal motivo. ;Quando a pessoa vê uma diminuição nas vantagens recebidas pelo imposto, ela perde o interesse, porque o reembolso vai acontecer na forma de um valor muito pequeno. Se eu for a um restaurante e gastar R$ 20, nem peço a nota;, admite o professor.
Segundo o coordenador de Cadastro e Lançamentos Tributários da Secretaria de Fazenda (Sefaz), Márcio Silva Gonçalves, dois pontos principais determinam o valor do desconto. O primeiro é a quantidade de pessoas. ;Quanto mais gente houver, menor será o crédito. O fato de você colocar o CPF na nota não significa que um imposto a mais vai entrar nos cofres do governo. Pelo contrário, o valor recebido tende a diminuir à medida que mais pessoas participam, por conta da distribuição;, afirma.
O segundo motivo é decreto, assinado em fevereiro do ano passado, que diminuiu de 30% para 20% o teto do imposto recolhido pelas empresas e destinado ao programa. No entanto, vale observar que os valores dos créditos tinham começado a decrescer três anos antes da promulgação do decreto. De 2013 a 2015, a queda total foi de 23%. Em 2013, o programa começou a permitir que os participantes solicitassem o depósito do dinheiro acumulado na conta-corrente indicada.
Um terceiro fator que afeta a quantidade de crédito recebida é a porcentagem do dinheiro pago que se transforma em benefício. Esse valor muda de acordo com o segmento econômico da empresa e pode variar entre 9% e 20% do imposto recolhido.
Restituição maior
A Sefaz reforça que, apesar de o retorno individual ter caído nos últimos anos, os valores globais restituídos cresceram. A pasta também aponta ter adotado medidas para atrair novos participantes, entre elas a realização dos sorteios, prevista em lei promulgada em 2015 e que precisa ser regulamentada. Segundo a pasta, as regras estão em fase final de elaboração e, assim que estiverem definidas, serão tornadas públicas e a data de início dos sorteios, confirmada. Serão concedidas várias premiações ao longo de cada ano, totalizando os R$ 10 milhões previstos em lei.
O tenente do Corpo de Bombeiros Solano Neiva, 51 anos, costuma usar o benefício tanto para de abatimento em impostos quanto para saque em dinheiro. ;Além disso, serve para acompanharmos a atuação das empresas. Tem pessoas que não conferem, mas, mesmo assim, acho que o programa vale a pena;, afirma. A professora Lucília Teixeira, 46, e o cuidador de idosos Henrique Matos, 48, perceberam a diminuição nos créditos recebidos. Ela conta que participa do programa desde o início e que, agora, o valor recebido não é mais suficiente para cobrir o IPTU. ;Às vezes, eu não peço, porque não acho que esteja valendo a pena. Mesmo assim, faço a indicação anualmente no meu IPVA, porque, para cobrir o IPTU, o valor é baixo;, comenta.
Segundo a Sefaz, as empresas que oferecem produtos e serviços considerados ;básicos para a sobrevivência; são as que mais contam com pedidos de inserção do CPF na nota fiscal. Por isso, os créditos recebidos nesses casos são menores. Hoje, a melhor solução para ganhar mais créditos no programa é pedir o benefício em estabelecimentos desconsiderados pela maior parte das pessoas.
O professor de economia da UnB Vander Mendes Lucas explica que isso acontece porque o ICMS recai sobre os bens de consumo básicos, como alimentação e roupas. Já o ISS tributa os serviços e, por isso, costuma ser mais caro. ;Os produtos com porcentagens tributárias mais altas não estão inclusos no Nota Legal, como combustíveis, energia elétrica e telefonia. Com isso, o governo teria que devolver muito imposto;, explica. A justificativa da Sefaz é de que esses tipos de bens e serviços são tributados antes de serem distribuídos.
O especialista destaca ainda a vantagem que o sistema propicia ao governo. ;Quando uma pessoa efetua a compra e pede o CPF na nota, o benefício do imposto retorna para o governo, porque obriga o comerciante a informar isso para a Receita. O consumidor atua como fiscal. O contribuinte, tendo consciência da importância dele, vai monitorar e ainda pode denunciar a empresa que não declarou.;
Para saber mais
História do programa
Inspirado por um sistema em vigor em outras unidades da Federação, o Programa Nota Legal do Distrito Federal surgiu em 2008, como uma medida para oferecer ao cidadão a possibilidade de atuar como agente mediador da arrecadação tributária. A proposta era de que, por meio da solicitação do documento fiscal com o CPF, os consumidores de um determinado bem ou serviço pudessem garantir que a empresa repassasse, de fato, o valor recebido em impostos ao governo. Em troca, o cidadão recebe descontos no IPTU, no IPVA ou saca o benefício em dinheiro.
* Estagiária sob supervisão de Mariana Niederauer