Cidades

Obras do BRT também podem ter servido para rateio de propina

Caso o teor das delações da Andrade Gutierrez confirme as da Odebrecht, o sistema de transporte expresso também serviu para repasses ilícitos a políticos e emissários brasilienses

postado em 26/05/2017 06:00
Ônibus do BRT na BR-040
As diligências da Operação Panatenaico, que identificaram irregularidades na construção do Estádio Nacional Mané Garrincha e culminaram na prisão temporária de 10 pessoas, entre políticos locais, empresários e operadores de propina, estão longe do fim. O Ministério Público Federal (MPF) investiga crimes relativos a outras obras de grande porte em Brasília, executadas durante as duas últimas gestões. Entre os alvos está o BRT Expresso Sul, inicialmente orçado em R$ 587,4 milhões, mas executado com R$ 704,7 milhões.
O edital de licitação para a escolha das empresas que ficariam responsáveis pela construção do corredor do BRT Sul saiu quando José Roberto Arruda (PR) estava à frente do Palácio do Buriti, em 2008. As obras, contudo, começaram apenas em 2011, na gestão do governador Agnelo Queiroz (PT) e do vice Tadeu Filippelli (PMDB). Os três estão presos temporariamente desde a última terça-feira, devido à deflagração da Panatenaico.

Segundo uma auditoria especial da Controladoria-Geral do DF, a construção do sistema de transporte expresso causou prejuízo de R$ 169,7 milhões aos cofres públicos. Graças ao estudo, a Justiça Federal suspendeu os repasses ao consórcio encarregado pelas obras, integrado por Via Engenharia, OAS, Andrade Gutierrez e Setepla Tecnometal Engenharia.

Apesar das grandes somas de custeio e dos anos de construção, o BRT Sul, que liga Santa Maria e Gama ao Plano Piloto e transporta 95 mil pessoas por dia, ainda não está em pleno funcionamento (veja O BRT Sul). Das oito estações, quatro não funcionam ; segundo a Secretaria de Mobilidade, as plataformas serão inauguradas no segundo semestre. Além disso, o material de informatização do sistema, apesar de comprado, não foi instalado.
Infográfico sobre o BRT Sul

Diferentemente do Estádio Nacional Mané Garrincha, erguido com repasses da Agência de Desenvolvimento de Brasília (Terracap), o custeio do BRT Sul saiu dos cofres federais, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Mobilidade Grandes Cidades. Ainda assim, o MPF acredita que o grupo criminoso responsável pelo superfaturamento de R$ 900 milhões da arena e pelo rombo de R$ 1,3 bilhão aos caixas da companhia, com fraudes ao processo licitatório e pagamentos de propina, tenha atuado de maneira semelhante no sistema de transporte expresso.

Segundo as delações da Andrade Gutierrez, base da Operação Panatenaico, mantinha-se um caixa que recebia todos os repasses federais e distritais relativos às obras tocadas pela empreiteira. À medida que ocorriam as medições de execução das construções e os órgãos do governo liberavam os pagamentos pelas etapas concluídas, os empresários realizavam o rateio de propina. Com a mistura de valores, subsídios federais eram revertidos em repasses ilícitos a políticos e emissários brasilienses; e vice-versa. ;Era um esquema elaborado de dissimulação e ocultação de valores;, apontou o procurador da República Francisco Guilherme Bastos.


Crimes

As delações da Andrade Gutierrez que mencionam o BRT Sul estão sob sigilo. Contudo, se os depoimentos da empreiteira confirmarem a versão da Odebrecht, apresentada ao MPF neste ano, a situação de alguns gestores pode se complicar ainda mais. De acordo com os empresários João Pacífico e Ricardo Ferraz, foi articulado um ;acordo de mercado; entre diversas construtoras. As obras mais expressivas da cidade, supostamente, eram divididas entre integrantes de um grupo restrito antes mesmo do processo licitatório.

O BRT Sul, inclusive, teria sido executado sob esse esquema. Ferraz relatou que empresários da OAS e da Via Engenharia o procuraram para pedir que a Odebrecht apresentasse a proposta mais cara da licitação. Dessa forma, o lance superfaturado do consórcio, que, posteriormente, veio a ser o vencedor, sequer seria questionado.

A Odebrecht ainda traz para a lista dos suspeitos o ex-secretário de Obras Márcio Machado. Segundo a delação premiada, ele tinha conhecimento do golpe e não o reportou às autoridades competentes. Agnelo Queiroz e Tadeu Filippelli não foram mencionados pela empreiteira.

Apesar disso, há uma decisão judicial que determinou a prisão temporária dos ex-caciques da política brasiliense. ;As irregularidades do Estádio Nacional Mané Garrincha não podem ser analisadas de forma isolada, porque fazem parte de um bloco de irregularidades em apuração contra o mesmo grupo tido como criminoso no Distrito Federal, que inclui obras recebidas do governo federal, como o BRT Sul;, descreve o magistrado da 10; Vara Federal Vallisney de Souza Oliveira. O legado urbanístico em torno da arena esportiva também está na mira do MPF.

Procuradores e policiais federais suspeitam que, em contrapartida à divisão das grandes obras, políticos recebiam propina. Os valores irregulares seriam repassados em três formatos: em dinheiro, via operadores; por meio de doações eleitorais; ou por pagamentos de eventos, por parte da Andrade Gutierrez. Há indícios de crimes como formação de cartel, fraude em licitação, corrupção ativa e passiva, formação de organização criminosa, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação