Luiz Calcagno
postado em 06/06/2017 06:05

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Mulheres que deixaram os empregos, as casas e as famílias para ficar ao lado dos filhos que têm uma saúde extramente fragilizada. Essas mulheres tiram desse trabalho artístico a energia e a paciência para viver um dia de cada vez ao lado de suas crianças. Com o dinheiro obtido nas vendas do artesanato, elas compram xampu, sabonete, remédio, pomada, fralda e, vez ou outra, um luxo, como lanchar com as amigas (em torno de nove mães) que dividem o ofício e as camas na unidade de saúde.
O trabalho fica exposto na entrada do setor. Às vezes, um visitante ou outro se interessa, leva um quadro ou faz uma encomenda. Noutras, surge a oportunidade de mostrar os trabalhos em uma feira. É o principal desafio, encontrar um local melhor para exibir as criações e, dessa forma, melhorar as vendas. Os preços variam de R$ 35 a R$ 150.
Na hora de criar, elas sentam juntas e dividem os afazeres. Uma faz o desenho, outra prega os pregos, depois, debruçadas pelo esboço metálico da chamada ;arte com fios;, começam a cruzar as linhas como se colorissem a imagem. A autoria final é de todas. Todas compartilham de aflições diferentes. Usaram o aprendizado obtido em aulas de terapia ocupacional para transformar a dor em força de vontade, em sorriso e na certeza que, mesmo diante da dificuldade, amam tanto as crianças que fariam tudo novamente se tivessem escolha.
Gleiciane Barros dos Santos, 29 anos, está na unidade desde setembro de 2016. Ela tem cinco filhos, um de 5 anos, outro de 8, uma menina de 10, um rapaz de 14 e João Davi, que está prestes a completar 2 anos, sofre de hidranencefalia, contraiu uma pneumonia e, desde então, precisa de aparelhos para conseguir respirar. ;Para ele ir para casa, tem que ser com serviço de home care, e não tem isso em Luziânia (GO), onde moramos. Então, não temos data para sair;, conta. A família morava junta, mas, depois que o caçula adoeceu, as outras crianças foram para a casa da avó, e ela mudou-se para o hospital público.
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Imersa na arte de colorir tecendo, ela fala sobre como o trabalho transformou sua forma de ver o mundo. Conta que, até começar a fazer os quadros, sentia que ;não tinha dom para nada;. ;Eu era empregada doméstica. Agora, graças à fisioterapeuta Lisa Couto, que nos ensinou tudo, sou artesã. Nos dividimos e todas nós trabalhamos nesses quadros. Tem um pouco de cada uma nas imagens. Os quadros ocupam nosso tempo. São uma terapia e também uma mistura de amor, dor e carinho. Cada imagem guarda um pedaço da história de todas nós;, reflete.
Ao mostrar uma das obras, dois passarinhos em um galho, ela explica por que é o seu preferido. ;Para mim, esses passarinhos representam a vida. É como eu queria que meu filho estivesse, livre, voando;, revela. Sobre a arte que ela aprendeu, a promessa é de continuidade. ;Falamos até em fazer uma cooperativa. Eu não penso em parar, mesmo quando deixar o hospital;, admite. As mães se referem ao grupo que formaram como ;família UTIped;. ;Somos muito unidas. Somos uma família. Toda família tem discussão, briga, mas sempre nos entendemos;, sorri Gleiciane Barros.
Sobrevivência
Mãe de João Lucas, de 6 meses, Liliane Cândido, 29 anos, concorda com a amiga. ;Como toda família, temos uma relação muito boa. Brincamos muito e temos algumas desavenças;, ri. Ela trabalhava como babá, mas desde que o filho nasceu, não deixou mais o hospital. ;Ele tem uma cardiopatia grave e não tem como fazer correção. Tem hidrocefalia também. Não há como fazer transplante e ele depende de ventilação mecânica para sobreviver;, relata. ;Eu fico aqui e cuido dele. Dou banho, seguro no colo e assistimos filmes juntos. É a nossa rotina;, comenta Liliane.
Também integrante do grupo, Cleidiane Matos dos Santos, 35, conta que deixou os móveis que tinha guardados na casa de uma amiga, mandou os filhos mais velhos, de 12 e 13 anos, para viver com o avô, no Maranhão, devolveu a casa em que morava de aluguel e mergulhou inteiramente na rotina de cuidados do filho Kaíque Lucas, 10, que deu entrada na unidade em 9 de dezembro. O menino é portador de síndrome de down, paralisia cerebral e perdeu a força no diafragma por conta de uma lesão na coluna. Ela sente falta da rotina comum, mas tira do trabalho criativo dos quadros e da convivência com as outras mães a força para enfrentar a vida. ;Meus filhos o chamam de ;pequeno;. Foi uma mudança dura para todos. Eu fico por conta. Meu trabalho são os quadros, que nos ajudam tanto no psicológico quanto financeiramente. Não tem como ser diferente. É o coração de mãe;, emociona-se.
Serviço
Interessados em comprar, encomendar ou expor voluntariamente os quadros podem entrar em contato com as mães nos seguintes números:
; Gleiciane Barros dos Santos - 99593-3955
; Liliane Cândido - 98256-8239