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Com rapto no Hran, Brasília revive drama de bebê sequestrado

A criança, de menos de um mês, foi levada do Hospital Regional da Asa Norte. A Divisão de Repressão ao Sequestro da Polícia Civil apura o caso e busca suspeitas de terem cometido o crime. Circunstâncias lembram o rapto de Pedrinho, em 1986

Luiz Calcagno, Otávio Augusto
postado em 07/06/2017 06:00
Suspeita de ter cometido o crime precisou passar pela portaria principal do hospital. O bebê estava internado no segundo andar do prédio
Brasília revive o caso que comoveu a cidade há três décadas. Um recém-nascido foi sequestrado no Hospital Regional da Asa Norte (Hran). A história é semelhante à de Pedro Rosalino Braule Pinto, o Pedrinho, levado da maternidade de um hospital particular em 1986 (leia memória). Até a noite de ontem, a Polícia Civil procurava quem tirou o bebê da unidade médica. Nenhuma das 28 câmeras do local funciona, o que dificulta a apuração. Sara Maria da Silva, 19 anos, deu à luz em um Posto de Saúde na Estrutural, em 25 de maio. Desde então, mãe e filho estavam internados em um quarto conjunto no 2; andar do hospital do Plano Piloto.
As primeiras informações sobre o rapto surgiram na hora do almoço, quando a equipe de enfermagem percebeu que a criança não estava lá (veja quadro). As primeiras buscas começaram com vigilantes e policiais militares. Todos que entravam ou saíam da unidade passaram por revista. O clima era de confusão. A suspeita é que uma mulher loira, que carregava duas bolsas, uma azul e uma cinza, levou o menino. Ela poderia estar usando uma peruca para se disfarçar. A criança receberia alta médica hoje.

Várias pessoas se aglomeraram em frente ao hospital. O quarto 208, onde estavam mãe e filho, foi isolado. Nenhuma hipótese está descartada ; inclusive a participação de funcionários. Na semana passada, segundo o Correio apurou, houve uma discussão entre familiares no Hran. Após a confusão, todos os visitantes do menino passaram a ser identificados previamente. No início da noite de ontem, Sara prestou depoimento e outras três pessoas foram ouvidas.
O quarto de onde o menino foi levado foi interditado

Segurança

O drama da família expõe a fragilidade da segurança nos hospitais da capital federal. As câmeras e os 17 vigilantes da unidade não bastaram para impedir o crime. Em 2012, a Secretaria de Saúde comprou 900 câmeras, segundo o Tribunal de Contas do DF (TCDF), apenas 95 foram instaladas e o sistema nunca funcionou. A licitação acabou suspensa. ;Acho que temos segurança no hospital. Esse foi um evento muito raro, de grande pesar, mas temos uma vigilância a contento;, justificou o diretor do Hran, José Adorno.

O que chama a atenção no sequestro é que o acesso para o alojamento onde estavam Sara e o filho dela é uma das portarias mais movimentadas do Hran. Vigilantes ficam de plantão ininterruptamente, segundo o hospital. O horário em que a criança foi tirada do local também não coincide com o de visitas. O Executivo local garante que a situação das câmeras será regularizada, mas não define prazo.

Muitos curiosos se amontoaram na emergência e no ambulatório do Hran. A funcionária pública Kamilla Freitas, 26 anos, chegou ao hospital ainda durante as buscas. Ela estava à procura de uma consulta para a filha Lígia, 3. ;Não consigo imaginar o tamanho da crueldade de alguém que faz uma coisa dessas. Imagina o que essa mãe está sentindo?;, lamentou a moradora do Lago Sul. A enfermeira aposentada Ivonice Setúbal Mourão, 65 anos, observava de longe. ;Um hospital de referência deixar acontecer uma coisa como essa? É algo que não se explica. Como mãe e avó fico sem chão;, comentou.
A criança, de menos de um mês, foi levada do Hospital Regional da Asa Norte. A Divisão de Repressão ao Sequestro da Polícia Civil apura o caso e busca suspeitas de terem cometido o crime. Circunstâncias lembram o rapto de Pedrinho, em 1986

Retrato falado

Mesmo com a repercussão do caso, a Polícia Civil não comentou a investigação. Segundo o diretor do hospital, a Divisão de Repressão ao Sequestro trabalha em um retrato falado baseado em informações de funcionários e de pacientes. A Divisão de Comunicação da Polícia Civil (Divicom) explicou, em nota, que, durante as investigações nenhum detalhe seria noticiado. ;Qualquer informação divulgada pode colocar em risco a vida da criança;, resume o texto. A mãe, a sogra e uma cunhada de Sara estiveram na delegacia que investiga o caso, mas não conversaram com a imprensa. Elas passaram parte da noite no local, amparadas por assistentes sociais e por um psicólogo.

Durante a noite, equipes da PCDF realizaram diligências atrás de suspeitas de terem cometido o crime. O conselheiro tutelar da Estrutural Djalma Nascimento também esteve no local. Ele contou que acompanha a mãe desde a época do pré-natal. ;A família é muito humilde. O pai do bebê está desempregado. A mãe estava empolgada em poder levar a criança para casa;, disse.

Memória

O caso Pedrinho
A criança, de menos de um mês, foi levada do Hospital Regional da Asa Norte. A Divisão de Repressão ao Sequestro da Polícia Civil apura o caso e busca suspeitas de terem cometido o crime. Circunstâncias lembram o rapto de Pedrinho, em 1986
O rapto do menino Pedrinho é o caso de sequestro de bebê mais famoso do Brasil. Desde o seu desfecho, em 2002, quando policiais de Brasília descobriram o paradeiro do garoto, em Goiânia, ele ganhou as capas de jornais e de revistas, inspirou novela, foi tema de documentários e de um livro.

O drama da família de Pedrinho começou em janeiro 1986, na maternidade do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, e só acabou 16 anos depois. Disfarçada de enfermeira, Vilma Martins Costa chegou ao quarto onde a mãe de Pedrinho se recuperava do parto e roubou o bebê.

Vilma simulou uma gravidez e sequestrou a criança para forçar o companheiro, Osvaldo Martins Borges, a se casar com ela. Osvaldo se separou da família e criou Pedrinho com Vilma, em Goiânia, como se fosse seu filho legítimo. A farsa só foi descoberta em 2002, após a morte de Osvaldo. A suspeita do crime foi confirmada com teste de DNA, em 8 de novembro daquele ano. Antes do teste, os pais verdadeiros de Pedrinho, Jayro Tapajós e Maria Auxiliadora Braule Pinto, chegaram a fazer ao todo cinco exames de reconhecimento de paternidade.

Vilma Martins foi condenada por sequestro e registro falso. Ganhou a liberdade condicional em agosto de 2008, após cumprir cinco dos 19 anos da pena. Pedro mudou-se para a casa dos pais biológicos, em 2003. Formado em direito no UniCeub, advogado de um famoso escritório de Brasília, está casado e tem um filho, com 4 anos. A família vive em um apartamento da Asa Norte. Pedro é um dos advogados de Aécio Neves (PSDB-MG), citado em delação da JBS.
Colaboraram Breno Fortes e Jéssica Eufrásio (estagiária sob supervisão de Mariana Niederauer)

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