Isa Stacciarini
postado em 15/06/2017 06:00
Aos 69 anos Gabriel* lidou com a primeira violência cometida por um dos dois filhos. Uma queda em casa foi o estopim para que o aposentado se tornasse vítima de agressões morais pela própria família. ;Quando caí, bati o ouvido e entortei a boca. Chamei minha nora, e meu filho me levou ao Hospital de Base. No caminho, ele pediu: ;Pai, esqueça de mim, da minha família e do meu telefone;. Isso aconteceu em 21 de julho de 2012;, conta.
Há cinco anos, o morador de Taguatinga Norte enfrenta o desamparo. Portador de diabetes, diagnosticado com doença de Chagas e sem ter condições de custear o aluguel do imóvel onde vive sozinho, o aposentado, que ganha um salário-mínimo, procurou o Centro Judicial do Idoso no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). A busca era, pelo menos, para receber uma ajuda financeira dos filhos, hoje com 51 e 46 anos, para que pudesse custear a moradia. ;Todo mundo se levantou contra mim (por causa da denúncia). Disseram que era um absurdo eu ter feito isso;, ressaltou. Na tarde de terça-feira, ele voltou ao tribunal. Dessa vez, para retirar a acusação.
O aposentado faz parte de uma triste realidade, que mostra a importância do Dia Mundial de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa, celebrado hoje. De janeiro a maio deste ano, houve 331 ocorrências de violência contra idosos ; uma média de dois casos por dia e de 66 por mês. O dado é da Secretaria de Segurança Pública e da Paz Social. No mesmo período do ano passado, eram 184 registros. Os números do Disque 100, vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos (MDH), são ainda mais altos. Em 2016, segundo a estatística, foram 829 denúncias e 831, em 2015.
Aposentada da Câmara dos Deputados, Cleusa Monteiro de Moraes, 71, também integra os números. Ela diz sofrer com a rejeição dos três filhos, de 52, 46 e 44 anos. A violência começou com ataques morais e psicológicos, até desencadear agressões físicas. Acuada com exigências dos filhos, ela cedia. Fez um empréstimo de R$ 430 mil, que só vai terminar de pagar em 2022, e vendeu a casa no Guará para distribuir o valor entre eles. ;Sofri descaso, humilhação, falta de amor. Meu coração disparava com medo. Um dos meus filhos ameaçou me matar. Eu não comia, não dormia nem saia do quintal de casa;, relata.
Em julho, ela uniu forças e registrou ocorrência na Polícia Civil contra os filhos. Em dezembro, mudou de cidade. Começou a namorar e planeja o casamento. Os filhos ficaram em Brasília e são proibidos de se aproximar da mãe em razão de um mandado de segurança. ;Aprendi a me amar e a me valorizar;, resume.
Ataques
Na Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência, as queixas por abuso contra idosos lideram as investigações, com mais de 63% das denúncias. Para a delegada titular Gláucia Cristina da Silva, é importante que os idosos conheçam seus direitos. A questão, no entanto, é delicada, pois, na maioria dos casos, envolve denunciar os próprios filhos. ;As vítimas não são pobres nem ricas. São idosos discriminados em todo o DF e de todas as classes sociais;, reforça.
A promotora de Justiça da Pessoa Idosa, Sandra Julião, destaca que é importante o idoso manter a autonomia. Do contrário, passará a se sentir marginalizado, solitário e inválido, mais suscetível à violência. ;O resultado é a depressão, o isolamento, a saúde fragilizada. Eles se sentem menos capazes e acham que devem obediência aos familiares;, afirma Sandra.
* Nome fictício
Para saber mais
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Denúncias e acolhimento
O Disque 100 recebe denúncias de violência contra idosos e funciona todos os dias, 24 horas. As ligações podem ser feitas de telefone fixo ou celular e o anonimato é garantido. No DF, há ainda a Central Judicial do Idoso, que oferece orientação e atendimento na esfera judicial. Fica no Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT), com atendimento das 12h às 18h. O Conselho dos Direitos da Pessoa Idosa (CDI), que funciona na Estação da Cidadania (Estação do Metrô da 112 Sul), presta orientação para pessoas idosas e realiza a fiscalização de entidades e de associações de atendimento a idosos.