Cidades

MP apura desvio de quase R$ 10 milhões na Saúde do Distrito Federal

Ex-secretários e integrantes do Conselho de Saúde são suspeitos de comandar suposto esquema criminoso que envolveu a filial da Cruz Vermelha de Petrópolis (RJ) e o contrato para a gestão das Unidades de Pronto-Atendimento do Distrito Federal

Ana Viriato, Thiago Soares
postado em 23/06/2017 09:40
Mirando o acordo entre a Secretaria de Saúde e a filial da Cruz Vermelha em Petrópolis (RJ), a Operação Genebra, deflagrada ontem, deve revelar se ex-secretários e integrantes do Conselho de Saúde do DF receberam benefícios em troca de direcionamento do contrato para a gestão das Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs) de São Sebastião e Recanto das Emas, assinado em 2009. Segundo o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), a entidade causou um rombo de R$ 9,7 milhões, em valores atualizados.

O MPDFT encontrou indícios de crimes de dispensa de licitação, uso de documento público falso, peculato e lavagem de dinheiro. Cumpriram-se, ontem, nove mandados de condução coercitiva em Brasília e três de prisão preventiva ; por tempo indeterminado ; no Rio de Janeiro. Segundo as investigações, no acordo com a Cruz Vermelha, a cúpula da Secretaria de Saúde ignorou irregularidades apontadas por órgãos de controle, que recomendaram até o cancelamento do certame.

Prestaram depoimento, na Delegacia de Repressão aos Crimes contra a Administração Pública (Decap), o ex-secretário de Saúde Joaquim Barros; o então secretário-adjunto de gestão da pasta, Fernando Antunes; a ex-secretária adjunta de saúde Alba Mirindiba; o ex-subsecretário de Atenção à Saúde do GDF, José Carlos Quináglia; e a então subsecretária de programação, regulação, avaliação e controle, Déa Mara Tarbes. Quatro ex-integrantes do Conselho de Saúde do Distrito Federal também fizeram declarações ; Fátima Celeste, Maria Luzimar, Asenath Teixeira e Flora Rios. No Rio de Janeiro, três dirigentes da Cruz Vermelha foram detidos: Douglas Oliveira, Richard Strauss Cordeiro Junior e Tatty Ana Kroker. Eles chegaram de avião a Brasília, no começo da tarde de ontem, e foram levados à Decap. À imprensa, Richard se limitou a dizer que não se envolveu ;com nada ilegal;.

O promotor da 4; Promotoria de Justiça de Defesa à Saúde (Prosus), Luis Henrique Ishihara, afirmou que, apesar de o órgão não ter recolhido elementos suficientes para atestar corrupção passiva ou ativa, esta é uma das linhas de investigação: ;Pelas apurações e com base nos processos administrativos, está claro que houve condutas direcionadas de servidores e, até mesmo, um conluio com os dirigentes da Cruz Vermelha para favorecer a organização.;

Promotores vão rastrear o paradeiro dos R$ 3,4 milhões pagos pelo GDF à Cruz Vermelha pela primeira parcela da prestação de serviços, que acabaram não sendo concretizados. A entidade distribuiu o montante, por meio de 77 transações bancárias, a pessoas físicas e jurídicas em oito meses, mesmo após ser ordenada a não fazê-lo, devido às investigações.
O delegado Jonas Bessa, chefe da Decap, contou que, em depoimento, a ex-integrante do Conselho de Saúde do DF e relatora do processo da Cruz Vermelha no colegiado, Fátima Celeste, admitiu saber das irregularidades. ;Ela havia concordado com o parecer da Procuradoria-Geral do DF para anular o certame. Depois, levada pela emoção, como nos disse, mudou o posicionamento.;

Esquema


O MPDFT aponta que dirigentes da Cruz Vermelha pediram o credenciamento como Organização Social em meados de agosto de 2009. À época, não havia concorrência em aberto. Existia uma unidade da entidade em pleno funcionamento na capital federal.

Três meses após a inscrição, a Secretaria de Saúde publicou o edital, com prazo de cinco dias úteis para que OSs apresentassem propostas para administrar as UPAs de São Sebastião e Recanto das Emas. A entidade, que ainda não se enquadrava como OS ou tinha certidões de regularidade necessárias e capacidade técnica comprovada para gerir os contratos, ingressou no certame com documentação falsa.

A ex-subsecretária de programação, regulação, avaliação e controle Déa Mara Tarbes, em parecer ao então secretário de Saúde, sustentou que a capacidade técnica e organizacional da Cruz Vermelha não deveria ser questionada. O ex-subsecretário de atenção à saúde José Carlos Quinaglia também atestou que a entidade demonstrava ;capacidade singular; para fazer contratos com a pasta. Em 28 de maio de 2010, o chefe da Administração Geral da Secretaria, Armando Assumpção, autorizou a dispensa de licitação, mesmo ciente do parecer da PGDF, que recomendava a anulação do certame.

No mesmo dia, a secretária-adjunta de Saúde ratificou a dispensa. A Secretaria de Saúde e a Cruz Vermelha assinaram o contrato em julho de 2010. Um mês depois, a pasta, unilateralmente, cancelou o acordo. Em valores corrigidos, o pagamento adiantado de R$ 3,4 milhões à entidade tornou-se um prejuízo de R$ 9,7 milhões.

Para saber mais


O contrato firmado com a Cruz Vermelha de Petrópolis (RJ) foi uma das primeiras tentativas de trazer Organizações Sociais (OSs) para gerenciar unidades básicas de saúde do Distrito Federal. Logo depois, o Executivo local fechou acordo, em 2009, com a Real Sociedade Espanhola para gerenciar o Hospital Regional de Santa Maria. A entidade assinou contrato ; que deveria durar dois anos ; com o governo de José Roberto Arruda (PR) ao valor estimado de R$ 220 milhões. Em razão de uma série de questionamentos na Justiça, a entidade geriu a unidade de saúde apenas até setembro de 2010. Estima-se o que rombo aos cofres públicos, causado pela OS, atinja R$ 34 milhões, segundo o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT).

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