Cidades

MP reforça irregularidades em contrato firmado com a Cruz Vermelha

As tratativas com a organização ocorreram em 2009, para a gestão de unidades de pronto-atendimento no DF

Deborah Fortuna, Helena Mader
postado em 29/06/2017 06:00
Agentes e promotores cumpriram busca e apreensão na casa do ex-secretário adjunto de Saúde Fernando Antunes no Lago Norte
Na segunda fase da Operação Genebra, deflagrada ontem, policiais civis e promotores cumpriram mandados de busca e apreensão na casa do ex-secretário adjunto de Saúde Fernando Antunes, no Lago Norte, e na sede da Secretaria de Saúde. Antunes e a mulher dele, Márgara Cunha, foram os principais alvos da nova etapa. Na Secretaria, foram recolhidos documentos no setor de informática. Os investigadores buscavam provas do suposto envolvimento do ex-gestor com irregularidades na contratação da Cruz Vermelha de Petrópolis ; Antunes hoje é conselheiro nacional da instituição. As tratativas com a organização ocorreram em 2009, para a gestão de unidades de pronto-atendimento no DF. Segundo investigadores, em valores atualizados, os supostos desvios chegam a R$ 9,7 milhões.
[SAIBAMAIS]A ação aconteceu seis dias após a primeira fase, quando foram cumpridos nove mandados de condução coercitiva em Brasília e três de prisão preventiva no Rio de Janeiro. No Distrito Federal, prestaram depoimento o ex-secretário de Saúde Joaquim Barros Neto; Fernando Antunes; ex-servidores; e quatro ex-integrantes do Conselho de Saúde. No Rio de Janeiro, houve a prisão de pessoas ligadas à Cruz Vermelha. Todos são investigados por dispensa de licitação, uso de documento público falso, peculato e lavagem de dinheiro. A Polícia Civil deve abrir outro inquérito para apurar o crime de corrupção.

Segundo investigadores, as provas colhidas até agora indicam o envolvimento direto de ex-servidores públicos da Secretaria de Saúde e de conselheiros do Conselho de Saúde do Distrito Federal ;com o nítido objetivo de pilhar os cofres públicos, o que efetivamente conseguiram;. A alegação é do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) no pedido de autorização para a nova busca e apreensão. A solicitação foi apresentada na última terça-feira.

As tratativas do GDF com a Cruz Vermelha de Petrópolis começaram em agosto de 2009. Àquela época, a instituição pediu para se credenciar como organização social no governo local. De acordo com o MPDFT, o pedido foi apresentado para bular a Lei de Licitações, ;pois a entidade não possuía a mínima estrutura ou capacidade técnica para sequer se qualificar como organização social;.

O credenciamento ocorreu sem que houvesse qualquer concorrência pública aberta. O edital para seleção de entidades só foi lançado três meses depois. Para os investigadores, o cadastramento prévio fez parte de um suposto acerto entre gestores da Cruz Vermelha de Petrópolis e ex-dirigentes da saúde do DF. Outro elemento que chamou a atenção da investigação é o fato de o edital aberto pelo GDF, em novembro de 2009, ter previsto prazo de apenas cinco dias para a apresentação de documentos e propostas. Com isso, não houve tempo hábil para o cadastramento de outras entidades, e a Cruz Vermelha, que havia se credenciado três meses antes, ficou apta a participar. Faturou, assim, o contrato milionário.

Mesmo com prazo de só cinco dias, a entidade de Petrópolis apresentou proposta de contrato de gestão com 237 páginas. ;O que se percebe do conjunto probatório é que a Cruz Vermelha de Petrópolis obteve informações privilegiadas em relação à publicação de futuro edital para atuação na área de saúde do Distrito Federal e que servidores públicos executaram tarefas para que a empresa fosse econômica e ilegalmente beneficiada;, alegou o MPDFT, nos pedidos de autorização para a Operação Genebra. ;A Cruz Vermelha buscou se qualificar como organização social no âmbito do Distrito Federal com o único intuito de auferir vantagem econômica indevida, em prejuízo da saúde da população carente do DF, atendida pelo SUS.;

Depoimentos


O delegado adjunto da Delegacia Especial de Repressão aos Crimes contra a Administração Pública (Decap), Virgílio Ozelami, disse ontem que a segunda fase da Operação Genebra foi realizada a partir dos depoimentos colhidos na semana passada. Todos eles serão mantidos sob sigilo para que as investigações não sejam comprometidas. ;Foram apreendidos documentos, celulares contendo informações, mensagens que possam colaborar com as investigações e e-mails;, detalhou.

Segundo o delegado, os advogados de Antunes o orientaram, na semana passada, a permanecer em silêncio. Márgara ainda não foi ouvida. ;É um contrato de R$ 60 milhões que deveria ser executado. E esse pagamento ocorreria conforme prestação de serviços. Tentou-se reaver esse dinheiro, mas os representantes se apoderaram ilicitamente dele;, explicou o delegado.
De acordo com as investigações, Richard Strauss Cordeiro Júnior, Douglas Oliveira e Tatty Anna Kroker, então dirigentes da Cruz Vermelha de Petrópolis, teriam recebido, antecipadamente, R$ 3,4 milhões dos cofres do GDF para gerir as Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs) do Recanto das Emas e de São Sebastião sem prestar qualquer serviço ao governo local. Esse montante atualizado chega a R$ 9,7 milhões.

O ex-secretário adjunto de Saúde Fernando Antunes é conselheiro nacional da Cruz Vermelha. A mulher dele, Márgara Cunha, presidiu a entidade em Goiás. Em nota, a direção nacional da Cruz Vermelha esclareceu que colabora desde o início das investigações. ;Faz parte dessa operação a denúncia feita pela atual gestão da entidade na auditoria internacional, cujo resultado foi entregue ao Ministério Público;, alegou a instituição. ;O convênio alvo de investigação foi realizado em junho de 2010, unilateralmente, pela unidade regional de Petrópolis, sem anuência do órgão central e da filial do DF;, acrescentou.

A nota informa, ainda, que ;foi a própria Cruz Vermelha Brasileira que identificou e denunciou a lista de destinatários do dinheiro desviado e repassou as informações para as autoridades públicas. Ressaltando que o conselheiro Fernando Antunes e sua esposa, Márgara Cunha, não estão entre os nomes listados, não atuavam na instituição no período da fraude e, por isso, não têm envolvimento direto ou indireto com as partes, portanto sem nenhum vínculo com o objeto das investigações;.


Entenda o caso


Rastreamento do dinheiro

Um dos objetivos da investigação é rastrear os R$ 3,4 milhões pagos à entidade pelo GDF, em 2010, mesmo sem nenhuma prestação de serviços nas unidades de pronto-atendimento. Depois de receber a verba pública, a Cruz Vermelha repassou o montante por meio de 77 transações bancárias a pessoas físicas e jurídicas. A Secretaria de Saúde, unilateralmente, cancelou o contrato por causa dos indícios de irregularidades. O valor total do contrato chegaria a R$ 60 milhões. A investigação está a cargo da 4; Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde, da 7; Promotoria de Defesa do Patrimônio Público Social e da Delegacia de Combate aos Crimes contra o Patrimônio Público (Decap).

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