Cidades

Opinião: As lições de Moema e Micheli

Ana Dubeux
postado em 02/07/2017 10:20

Das boas coisas da vida, há uma em especial que me preenche: a verdade das pessoas. Ou, poderia também dizer, as pessoas de verdade. Carne, osso, sangue nas veias e, às vezes, nos olhos. Demasiado humanos, somos entranhas e vísceras, amor e sofrimento, lágrimas e gargalhadas. Um poço profundo é sempre melhor que uma poça rasa. Gente é feita de emoção e, se há extremos, é possível transitar entre uma e outra sem se apegar ao máximo ou ao mínimo. A culpa da minha viagem filosófica deste domingo eu logo entrego para não parecer pretensiosa: não se trata de pregação nem de lição de moral. Foram fotos que vi e me provocaram uma reação feliz.

As imagens mais recentes são de Moema Leão, uma mulher da sociedade brasiliense que faz tratamento contra um câncer. E isso é tudo o que sei, não conheço detalhes. Foi uma selfie que ela postou, elegante como sempre, carequinha, informando que estava a caminho de uma das últimas sessões de quimioterapia. Por que a foto chamou a minha atenção? Não posso dizer que conheço Moema além de sua presença marcante nas colunas sociais e tão atuante na vida de Brasília. Sempre soube que fibra e força não lhe faltam. Mas sua atitude me comove porque ela é benéfica não apenas para Moema, mas para todos nós.

Como é extraordinário o exemplo de Micheli Lima Amorim, uma pernambucana irreverente e guerreira, mãe especial de Maria Eduarda. Supervisora de lojas dos Classificados do Correio, ela encara o câncer com coragem fora do comum. Desde o início do tratamento, Micheli posta no Instagram fotos com mensagens otimistas sobre a rotina das sessões de quimioterapia. Seja nos corredores do jornal, nas rodas de samba ou ao lado dos médicos que a acompanham no tratamento, Micheli esquadrinha sua rotina com o mesmo entusiasmo com que celebra cada dia de vida da filha, que é portadora da doença de Tay Sachs infantil. Enfermidade degenerativa rara, a Tay Sachs provoca uma deterioração progressiva das células nervosas e de habilidades físicas e mentaisque começa nos primeiros anos de vida e, geralmente, resulta em morte em torno dos quatro anos. Esta semana, a menina completou cinco anos e seis meses. E a mãe comemorou: ;Cada dia de sua vida é motivo de gratidão a Deus;.

O câncer não é uma doença que se encare sorrindo. Só a palavra remete a sentimentos ruins, como medo e insegurança, e à morte. O tratamento é doloroso em praticamente todos os casos. Em alguns, não se pode garantir que será bem-sucedido. Mas existem tantos tipos variáveis da doença, tantos tratamentos possíveis ; e ela hoje é tão prevalente na vida de todos que é necessário encará-la com naturalidade. Mais do que esperança, mais do que orações, mais do que uma atitude positiva, é preciso, repito, naturalidade.

É óbvio que cada um, com seu repertório de vida, passa pelas horas difíceis de maneira particular. O câncer é uma vivência única para cada paciente. Por isso, o diagnóstico não pode ser, em si, irremediavelmente, uma tragédia. É uma dor, certamente. É uma interrogação também. Mas não precisa ser para sempre um tabu. Moema e Micheli ajudam, com suas posturas, a desconstruir o estigma, a desintegrar um fantasma, a mostrar a beleza dos momentos mais delicados da vida.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação