Ana Viriato
postado em 07/07/2017 06:00
Enquanto a abordagem aos moradores de rua permanece suspensa em razão da batalha judicial entre duas entidades por um contrato de R$ 50 milhões com o GDF, o auxílio às pessoas em situação de vulnerabilidade, na semana mais fria do ano, fica por conta de grupos voluntários. Simultaneamente, o Conselho Distrital de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos recorre a diferentes esferas judiciais e à Defensoria Pública para tentar reverter o quadro. O Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) também atua no caso. O órgão informou que apura denúncias de irregularidades no processo licitatório, mas só poderá definir um posicionamento após o fim das diligências.
[SAIBAMAIS]O desembargador Romeu Gonzaga Neiva, do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT), suspendeu o edital de licitação, lançado em 2016, que selecionou o Instituto Ipês para fazer a abordagem social nos próximos cinco anos. A decisão acatou um pedido de liminar da Casa Santo André, perdedora do certame e até então responsável pelo serviço no DF desde 2013. A entidade questiona os critérios de classificação e argumenta que o Ipês não tem experiência prévia no ramo.
Como publicou o Correio na quarta-feira, na decisão, Neiva entendeu que há indícios ;das irregularidades apontadas, de modo a justificar a suspensão do procedimento;. Assim, entre as investidas do Conselho Distrital de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, o presidente da entidade, Michel Platini, marcou audiência com o desembargador para a tarde de hoje.
Platini ainda acionou o Ministério Público de Contas do DF e a Defensoria Pública. ;Não entramos no mérito da disputa de entidades. Defendemos apenas que não haja descontinuidade do serviço. Ainda mais em um período tão rigoroso do ano, quando a falta de assistência em um dia pode causar o óbito de pessoas em situação de vulnerabilidade;, apontou. O Conselho também estuda instrumentos judiciais para recorrer a outras esferas.
Disputa
Beneficiada pela dispensa do processo de licitação, a Casa Santo André recebeu dos cofres públicos cerca de R$ 40,6 milhões. Contudo, em julho de 2014, entrou em vigor a Lei n; 13.019, que exige a realização de chamamentos públicos para que o governo estabeleça parceria com as organizações.
Assim, em novembro do ano passado, o GDF lançou edital para regularizar a situação das entidades que atuam na área social abordando moradores de rua. A previsão era de repasses de R$ 50 milhões em 60 meses, com o atendimento de 3 mil pessoas por mês. Três organizações se apresentaram para concorrer, entre elas a Casa Santo André, que atuava no setor; o Instituto Inclusão; e o Instituto Ipês ; este último saiu vencedor da concorrência pública, finalizada no começo do ano.
Após a divulgação do resultado, a Casa Santo André, além de recorrer à Justiça, entregou representação ao Tribunal de Contas do DF. Diante dos relatos de irregularidades, a Corte deu cinco dias para que a a Secretaria de Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdades Racial e Direitos Humanos e o Instituto Ipês prestem esclarecimentos. O ofício foi entregue às partes em 3 de julho. O contrato da Casa Santo André com o governo terminou no último dia 30. Por isso, o GDF sequer teve tempo de firmar compromisso com o Ipês.
Em nota, o Instituto Ipês defendeu que são falsas as acusações feitas pela Casa Santo André de não ter experiência prévia na realização do serviço. ;Informamos que o Instituto Ipês, desde 2003, executou eficazmente e efetivamente dezenas de projetos voltados para mobilização, abordagem, formação e assessoramento técnico de pessoas e empreendimentos econômicos solidários em situação de vulnerabilidade social;, ressaltou. A entidade acrescentou que tomará as medidas cabíveis, uma vez que ;tais acusações são infundadas;.
Vulnerabilidade
O Correio esteve entre as 18h e as 20h de ontem em frente ao Hospital de Base do DF com integrantes do Conselho de Direitos Humanos. Em meio a temperaturas congelantes, a entrada do centro médico estava abarrotada de moradores de rua, que carregavam mochilas, cobertores e colchões. Cerca de 30 minutos após a chegada da reportagem, integrantes de uma igreja visitaram o local para conversar com as pessoas em situação de vulnerabilidade e entregar alimentos ; função que seria responsabilidade de entidades contratadas pelo governo.
Em situação de rua há nove anos, Aldemir da Silva, 38, é um dos que recebeu os vasilhames de comida. Entre despistadas, mencionou que, por diversas vezes, contou com o auxílio dos responsáveis pela abordagem social ; como orientações para a emissão da Carteira de Identidade, o resgate da Certidão de Nascimento e encaminhamentos a centros de reabilitação. ;Sempre nos respeitaram; trataram a gente como se fôssemos todos iguais e forneceram o que era pedido. É importante que o serviço volte a funcionar. Senão poderemos contar apenas com quem ajuda por gosto;, disse.
Natural do Pará e moradora do DF há três anos, Maria Célia Sousa, 37 anos, também narrou experiências com a abordagem social. A moça conta que, graças à prestação de serviços, conseguiu consultas médicas e tornou-se apta a participar de programas sociais. ;Com a ajuda deles, tirei alguns documentos e consegui algumas bolsas. Juntei dinheiro e, inclusive, consegui comprar um pequeno lote na minha terra natal. Meu sonho é conseguir erguer uma casinha de barro;, disse.
Além de representantes de igrejas, outras organizações garantem a abordagem social nas ruas do DF. Entre elas o Lar dos Velhinhos Bezerra de Menezes, o Lar de São José, a Rede Solidária Anjos do Amanhã e a ONG Salve a Si.
Para saber mais
Dados divergentes
Dados da Secretaria de Desenvolvimento Social e da Casa Santo André, responsável pela atuação em abordagem social há quatro anos, divergem quanto ao número de pessoas em situação de rua no DF. A estimativa da pasta é de 3 mil; o levantamento da entidade, porém, identifica 5 mil indivíduos ao relento na capital. Para acertar os ponteiros e garantir o atendimento proporcional a quem necessita, a organização que, após as batalhas judiciais, ficar à frente do serviço terá de realizar e manter atualizado o diagnóstico territorial, identificando pontos de concentração de cidadãos em circunstância de vulnerabilidade.