Luís Cláudio Cicci - Especial para o Correio
postado em 08/07/2017 08:00
Há algo muito errado quando atravessar a rua significa colocar tudo em risco. Nesta semana, dois jovens descobriram, da pior forma, que os investimentos em segurança no trânsito não são suficientes para poupar vidas. Na DF-075, a Estrada Parque Núcleo Bandeirante (EPNB), e na BR-080, pista que passa por Brazlândia e vai além da divisa do Distrito Federal com Goiás, as mortes de Joel Vitor Sena do Nascimento, 18 anos, e de Adriele Mendonça Resende Menezes de Jesus revelaram a vulnerabilidade de motoristas e pedestres nas vias que cortam a capital do país.
Basta visitar os locais das duas tragédias no trânsito para entender o porquê do perigo. Pouco antes das 13h de um dia de semana, à beira da EPNB, entre o Riacho Fundo e a Área de Desenvolvimento Econômico (ADE) de Águas Claras, chegar a um ponto de ônibus se apresentava como desafio para Douglas Beserra Peixoto, 28, e a filha, Aninha, 3, no colo do pai. Depois de muita espera e duas corridas, com direito a uma parada no canteiro central da rodovia, ambos chegaram salvos ao destino. Do começo ao fim da aventura, o ajudante de cozinha em um restaurante do Setor Hoteleiro Norte perde mais de 10 minutos. ;É assim todo dia, pela manhã, nesse horário, e no começo da noite;, relata.
Sob a sombra da parada de ônibus e ainda ofegante, Douglas ergueu o braço para comemorar a missão cumprida. Mas, na pressa de driblar os carros, em meio à preocupação com a integridade da filha e dele, não notou que pisou em sangue. As manchas sobre a faixa de rodagem mais à esquerda da rodovia estavam lá há poucos dias, quando Joel Vitor morreu atropelado.
[SAIBAMAIS]Nos 12km da EPNB, que cruza parte da região com maior densidade demográfica do DF, o sul, os moradores do Riacho Fundo, da ADE de Águas Claras e dos arredores dispõem de uma passarela. Caso tivesse caminhado seis minutos na noite da última terça-feira, Joel estaria vivo. Esse foi o tempo do qual o jovem preferiu não dispor quando decidiu driblar veículos para fazer a travessia que permitiria a volta para casa. ;O cotidiano é corrido, ninguém quer perder tempo;, comenta o trabalhador autônomo Matheus de Sousa, 18, do alto da estrutura de metal, de onde se avista o local do acidente fatal.
Matheus estudou com Joel na 5; série do ensino fundamental e soube do atropelamento pelas redes sociais. ;Ele (Joel) era um cara legal;, conta o morador do Riacho Fundo. A lembrança do colega serve de incentivo para optar pela proteção da passarela. ;Prefiro vir por aqui, porque é mais seguro. Lá embaixo, a chance de atravessar sem ter problema é mínima. É um carro atrás do outro;, afirma. O jovem desceu os quatro lances de escada e chegou ao ponto de ônibus onde, depois de cinco minutos, conseguiu o transporte para alcançar o curso de inglês, em Taguatinga.
Adriele de Jesus é outra vítima recente de atropelamento na capital federal. Com idade aproximada de 20 anos, a andarilha morreu ao ser atingida por um furgão amarelo no Km 22 da BR-080. O acidente aconteceu às 19h20 de quarta-feira ; desde 2015, a estrada registrou 18 ocorrências fatais (veja Risco) ;, quando a jovem não conseguiu cumprir a travessia de aproximadamente 8m.
Licitação
A vulnerabilidade no trânsito do Distrito Federal se explica, em parte, pela irresponsabilidade de motoristas e pedestres. Mas também pela deficiência de equipamentos de segurança. ;Reconheço a demanda por passarelas em razão dos aglomerados urbanos;, diz o diretor-geral do Departamento de Estradas de Rodagem no Distrito Federal (DER-DF), Henrique Luduvice. ;Nesse momento, não há recursos previstos para a execução de passarelas na EPNB;, admite ele, que estima em R$ 3 milhões o custo de uma obra como essa.
Por ora, a solução é recorrer ao orçamento federal, com perspectiva de resultado só para 2018. ;O DER pretende buscar essa capacidade de investimento por meio de emendas parlamentares;, adianta Luduvice. ;Estamos atendendo a uma série de situações emergenciais e precisamos atuar nas rodovias para os pedestres poderem dispor de mais segurança.; Segundo o diretor-geral, o departamento trabalha na identificação de pontos críticos de segurança para orientar as intervenções nos sistemas viários do DF. ;Assumo o compromisso de viabilizar um processo licitatório ainda este ano para a construção de passarela na EPNB;, conclui.
O professor do Departamento de Psicologia Social da Universidade de Brasília (UnB) Hartmut Gunther lamenta a presença de só uma passarela para pedestres em uma pista com a EPNB. ;É óbvio que não é suficiente. Falta vontade do poder público para fazer aquilo que é necessário e dar mais segurança ao cidadão no trânsito;, queixa-se. Gunther critica a omissão na adoção de dispositivos como quebra-molas, semáforos, de sinalização e de fiscalização eletrônica e presencial. Mas também cobra comportamento do cidadão. ;Os carros, aqui, são comparáveis aos de 1; Mundo, mas ninguém quer se comportar como num país de 1; Mundo. Falta criar ambientes físicos mais seguros e aplicar a lei, punir;, avalia.