A venda de ingressos com preços diferenciados para o público masculino e feminino é uma prática comum e enraizada na cultura de casas noturnas e de bares. A aparente vantagem, no entanto, pode esconder um discurso de depreciação de gênero, em que o público feminino é usado para atrair homens ao local.
;Não há lei direta para proibir a prática, contudo há uma série de normas que reprovam a diferenciação de preços por sexo, por ser considerada abusiva e violar a dignidade da pessoa;, afirma Diógenes de Carvalho, diretor do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon). O consumidor que se incomodar com a diferenciação de preços pode argumentar com a empresa com base na legislação. Segundo a Constituição Federal, homens e mulheres são iguais em direitos e em obrigações, portanto cobrar valores distintos caracteriza prática discriminatória. Outro ponto válido é o Código de Defesa do Consumidor (CDC), que estabelece direitos iguais nas contratações de produtos e serviços, zela a dignidade do indivíduo e permite que o cliente pague o menor preço em caso de produtos com valores distintos.
Recentemente, a discussão foi reaberta na Justiça. Em nota técnica, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), ligada ao Ministério da Justiça, orientou casas noturnas, bares e até restaurantes a suspenderem a cobrança com valores diferentes para o público masculino e feminino. Os estabelecimentos terão até o início do próximo mês para se adequarem à norma. Em caso de não cumprimento, ficam sujeitos à multa.
O diretor do Brasilcon orienta o comprador que se sentir lesado a entrar em contato para negociar com a empresa responsável. ;Caso não se chegue a um consenso, o Procon é a alternativa mais rápida. Dependendo do caso, vale até tentar uma ação no Ministério Público;, aconselha Diógenes. O Procon-DF garante que seguirá a determinação da Senacon e notificará sindicatos e estabelecimentos da nova regra. Informa, ainda, que a legislação permite ao lojista oferecer desconto, desde que não viole nenhuma lei ; no caso exposto, que não esconda preconceito ou prática ilícita. Apesar do aparente uso da mulher como estratégia de marketing para os homens frequentarem os estabelecimentos, no órgão não consta reclamação alguma sobre a cobrança diferenciada.
Divergência
Apesar da discussão sobre igualdade de gêneros, nem todos os consumidores concordam com a exigência de equiparar os preços. A internacionalista Rebeca Hedco, 23 anos, concorda que as mulheres paguem menos. ;Acredito que nós temos muito mais custo agregado para frequentar festas e bares, como se arrumar no salão de beleza, por exemplo;, opina. ;Não acho que somos objetificadas. Temos o nosso livre arbítrio, de ir e de fazer o que quisermos.;
O designer Daniel Galvão, 34, é contra a venda de ingressos a valores diferenciados. Para ele, trata-se de uma estratégia com raízes machistas. ;É tratar a mulher como produto, o que, além de ser desrespeitoso, reforça a objetificação e acaba desencadeando situações de assédio e de abuso;, sustenta. ;Hoje, não vou mais a festas que praticam essa política e ainda faço propaganda contra;, completa.
Sem respaldo legal
A discussão sobre a diferenciação de preços para homens e mulheres recomeçou após o estudante brasiliense Roberto Casali Júnior encaminhar um pedido ao Juizado Especial Cível, solicitando que um estabelecimento lhe vendesse o ingresso no mesmo valor do cobrado para elas. A juíza Caroline Santos Lima negou a liminar do jovem, porque seria impossível estabelecer o preço dos ingressos a todos os consumidores do sexo masculino. No entanto, reconheceu que a cobrança diferenciada não tem respaldo legal.
*Estagiária sob supervisão de Mariana Niederauer