Cidades

"Se minha arte é bem-vinda, eu quero voltar", diz artista que foi preso

Ao receber um pedido de desculpas do governador, Maikon K ouviu que a arte era bem-vinda em Brasília, por isso, quer ter a chance de concluir a performance interrompida. Ele também conta como foi a ação da PM

Humberto Rezende
postado em 17/07/2017 15:23
Cena da performance 'DNA de DAN', de Maikon K
Após ver interrompida sua apresentação no evento Palco Giratório, do Sesc, e ser preso, acusado de ato obsceno, no último sábado (15/7), o dançarino e performer paranaense Maikon Kempinski tem um desejo principal: retornar à praça em frente ao Museu Nacional da República e concluir o que não o deixaram fazer. "Se minha arte é bem-vinda, então eu quero voltar e fazer minha arte naquele lugar", afirma.

Maikon se refere a um telefonema que recebeu no domingo (16) do governador Rodrigo Rollemberg, do qual ouviu um pedido de desculpas e a afirmação de que seu trabalho era bem-vindo em Brasília. O secretário de Cultura, Guilherme Reis, também ligou se desculpando.

"Já propus (a apresentação) para o Sesc e eles estão me ouvindo. Espero que seja possível. É minha vontade. Esse seria o mínimo de retratação: a PM que agiu com violência fazer agora a segurança da apresentação. Seria importante, pedagogicamente e simbolicamente. Temos de assegurar o espaço da arte", diz o paranaense ao conversar por telefone com o Correio, enquanto esperava o avião que o levaria de volta a Curitiba, onde mora.

O dançarino acha que só vai conseguir processar o que aconteceu quando estiver em casa. Diz que o trauma inicial já passou, mas, por enquanto, precisa lidar com questões práticas, inclusive decidir que tipo de atitudes jurídicas vai tomar contra a ação da polícia. "Eles agiram com truculência, rasgaram nosso cenário. Vão ter de responder por isso de algum jeito", justifica.

Como foi a interrupção


O artista ainda dentro da bolha, já rasgadaMaikon detalha o que se passou na tarde de sábado, no início da apresentação de ;DNA de DAN;, performance criada em 2013 e que já passou por diversas cidades brasileiras, muitas vezes sendo apresentadas em espaços públicos, como ocorreria na capital. A encenação, explica, dura cerca de quatro horas. No início, é inflada uma bolha plástica, onde ele entra. Lá, ele se despe e uma parceira de trabalho passa sobre seu corpo uma substância em forma de gel que se secará aos poucos, até formar uma segunda pele. O processo de secagem demora cerca de três horas e exige que Maikon permaneça imóvel. Só depois da pele formada e rompida, ele inicia uma dança baseada no arquétipo da serpente.

A encenação ainda estava na fase inicial, com a substância úmida, quando Maikon percebeu a movimentação ao redor da bolha de "pelo menos 10 policiais militares". Sua reação foi se manter imóvel, como a performance exigia, na esperança de que os PMs entendessem que se tratava de uma apresentação artística e não interviessem. "Em outras cidades, já aconteceu de a polícia se aproximar para entender do que se tratava, mas depois de alguém da equipe explicar, ela se afastou, sem problemas", conta.

Em Brasília foi diferente. O artista explica que, por azar, a pessoa responsável pela produção do Sesc havia se ausentado da cena para resolver um problema de fornecimento de energia ; um cabo que saía do museu abastecia o gerador necessário para inflar a bolha. A parceira de Maikon tentou explicar para os policiais, mas, segundo o artista, não havia abertura para o diálogo. "Eles diziam que o Sesc, que o museu não mandavam nada. Que quem mandava era o código penal e que ;isso vai acabar;."

Diante da postura de Maikon de permanecer imóvel, alguns policiais resolveram entrar na bolha, abrindo um dos zíperes costurados no material. Nessa hora, o cenário acabou rasgado e permanentemente danificado. "Eles entraram na bolha me ameaçando, um dos policiais levantou o punho, como se tivesse intenção de me bater. Foi nessa hora que me mexi e gritei para ele não encostar em mim", conta. Recebendo a ordem para se vestir, Maikon pediu uma toalha, afirmando que tinha uma substância no corpo e por isso não queria colocar suas roupas. Mas acabou tendo de fazê-lo.

"Vesti minha calça e saí do cenário. Nessa hora, recebi uma chave de braço e fui levado para a viatura. Não pude me calçar nem pegar minha carteira. Fomos para a delegacia com motos escoltando, as sirenes ligadas. Lá, tive de ficar em pé, olhando para a parede. A pessoa do Sesc chegou e não podia se aproximar", lembra. Maikon só foi liberado depois de assinar um termo circunstanciado de ato obsceno, o que o deixa sujeito a ter de se explicar na Justiça.

Responsabilidades


Por meio de sua assessoria de comunicação, a PM afirma que não agiu com violência e que foi ao local porque "diversas pessoas reclamavam de um homem nu próximo ao Museu da República". interrompeu a apresentação porque ninguém no local apresentou uma autorização para a apresentação.

A Polícia Militar informa que foi acionada porque "nenhuma autorização dos órgãos responsáveis foi apresentada e, como esse tipo de apresentação é proibida para menores de idade em razão da classificação etária a que deve ser submetida, o caso foi levado à delegacia da área para o registro". A PM segue: "No local, não havia nenhuma estrutura que pudesse impedir a aproximação de crianças, o que revoltou algumas famílias que aproveitavam o dia ao lado de crianças para conhecer os monumentos de Brasília e que ficaram surpresas ao presenciar o ato obsceno".

O Sesc-DF se pronunciou por meio de nota nesta segunda-feira. No texto (leia a íntegra abaixo), a entidade "repudia a detenção do artista Maikon K" e "ressalta que a instituição tinha a autorização do Museu Nacional da República, assinada pelo diretor Wagner Barja, para realização da performance e tomou o devido cuidado de informar que se tratava de um espetáculo com classificação indicativa de 16 anos". Para o Sesc, a proibição da performance em Brasília, os prejuízos materiais à obra e a detenção do artista constituem uma arbitrariedade que coloca em risco não apenas a liberdade de expressão, assegurada pela Constituição Brasileira e por documentos internacionais dos quais o Brasil é signatário, mas interfere nos direitos culturais do público."

Para Maikon, a responsabilidade pelo que passou é inteiramente da Polícia Militar. "A gente até espera que algum tipo de agressão venha do público, mas não da polícia. Nada justifica a violência que houve. Eles não queriam diálogo, não quiseram ouvir", avalia. Também está certo de que não fez nada de errado. "Se eu estivesse errado, não teria recebido um pedido de desculpas do secretário de Cultura e do governador, que é o chefe da Polícia Militar", conclui.

A íntegra da nota do Sesc


O Serviço Social do Comércio no Distrito Federal (Sesc-DF) reafirma o seu compromisso em contribuir para o bem-estar e para melhoria da qualidade de vida dos comerciários e de seus familiares. As ações do Sesc propagam princípios humanísticos e universais que oferecem melhores condições de vida para todos. A realização do festival Palco Giratório, em todo o Brasil, cumpre com a finalidade de promoção da diversidade cultural e dos direitos culturais dos brasileiros, não cabendo ao Sesc nenhum tipo de censura, conforme prevê a Constituição.

Nesse sentido, o Sesc-DF repudia a detenção do artista Maikon K, que teve a sua performance artística DNA de DAN interrompida e cenografia danificada pela Polícia Militar do DF, no sábado (15), no Museu da República, em Brasília. O Sesc-DF ressalta que a instituição tinha a autorização do Museu Nacional da República, assinada pelo diretor Wagner Barja, para realização da performance e tomou o devido cuidado de informar que se tratava de um espetáculo com classificação indicativa de 16 anos, que ocorreria no período noturno, às 19h30.

A proibição da performance em Brasília, os prejuízos materiais à obra e a detenção do artista constituem uma arbitrariedade que coloca em risco não apenas a liberdade de expressão, assegurada pela Constituição Brasileira e por documentos internacionais dos quais o Brasil é signatário, mas interfere nos direitos culturais do público. Não vivemos mais em uma época em que um policial militar pode definir isoladamente a realização ou não de um evento.

O Festival Palco Giratório alcança um público aproximado de 500 mil pessoas por ano, em todo o País, por meio de acesso gratuito aos espetáculos ou ingressos com valores reduzidos. Acontecendo, portanto, em diversos locais que não contam com espaços culturais especializados. Serão realizados 20 espetáculos/performances no Distrito Federal até 30 de julho. Ainda em 2017, o projeto visitará 147 cidades, somando 685 apresentações definidas por uma curadoria composta por artistas, técnicos e especialistas em cultura. Ocupar espaços públicos com arte constitui uma estratégia de democratização a práticas que ainda permanecem restritas a um grupo social muito pequeno. Não por acaso, o Projeto constitui uma referência para políticas públicas, dado seu amplo alcance social e continuidade.

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