Ana Maria Campos, Carina Ávila - Especial para o Correio, Otávio Augusto
postado em 18/07/2017 06:00
A Corregedoria da Polícia Civil ampliará a apuração do caso que envolve a morte do motorista da Caixa Econômica Federal Luís Cláudio Rodrigues, 48 anos, na 13; Delegacia de Polícia (Sobradinho). Os investigadores reconstituirão os últimos momentos de Luís, desde que ele deixou um bar, bateu no carro de um policial militar e supostamente cometeu suicídio, por asfixia, na cela onde estava detido. O laudo preliminar do Instituto de Medicina Legal (IML) aponta que o motorista se enforcou com a própria camisa, mas os peritos querem entender as circunstâncias que levaram ao óbito.
[SAIBAMAIS]Quatro dias após o acidente e a morte do motorista, moradores do Setor de Mansões de Sobradinho contaram ao Correio que, durante a confusão, na sexta-feira passada, Luís foi agredido pelo PM dono do veículo atingido por Luís ; o acidente aconteceu a cerca de 300m da casa da vítima. As polícias Civil e Militar descartam a possibilidade de espancamento e humilhação. Entretanto, cinco pessoas contaram à reportagem outra versão. Testemunhas da colisão, todas muito assustadas, afirmaram que o policial militar ; um sargento de Rondas Ostensivas Táticas Motorizadas (Rotam) ; reagiu de maneira "extremamente violenta" após a batida.
Luís, segundo as testemunhas, que não quiseram se identificar, levou chutes, ficou sob a mira de uma arma e teve os pés e mãos algemados. Durante a confusão, ele teria sido humilhado e urinou nas roupas ; a marca ficou na calçada. O acidente ocorreu em frente à casa do PM ; ele mora na mesma rua do motorista da Caixa, mas não o conhecia. Poucos metros à frente, vive um casal que assistiu a toda a cena. ;O policial disse que ia dar um tiro na cara do Luís e, depois, o algemou;, relata o homem. A mulher emenda: ;Saí de casa quando ouvi os gritos. O policial começou a bater no Luís e a xingá-lo. O Luís levou chutes nas costelas e chegou a urinar na roupa. Depois, ele ficou deitado no chão, e a calça estava manchada de sangue;, completa.
Outra testemunha confirmou a violência: ;O Luís foi muito maltratado. O policial não acreditou que ele morava nessa rua nem que o carro fosse realmente dele. Ele não o conhecia e ficava perguntando: ;Alguém conhece esse vagabundo?;. A gente nunca imaginou que fosse acontecer essa tragédia;. Uma vizinha reforçou que ;levaram o Luís todo sujo para a delegacia. O policial gritava: ;Vou te dar um tiro na cara;. Foi horrível;.
Uma senhora detalhou que Luís, no primeiro empurrão do sargento, caiu por estar muito alcoolizado. ;Ele estava fraco de tão bêbado, mal conseguia se equilibrar em pé. O policial começou a socá-lo e a chutá-lo. Perguntava de quem era o carro em que estava;, relata.
Laudo
O policial militar prendeu Luís um dia antes da festa de aniversário da vítima. O que se sabe até o momento é que ele estava de folga e bebeu em um bar a menos de 600m de casa, depois de levar o carro para consertar o vidro elétrico. O veículo era da Presidência da Caixa Econômica Federal. Segundo a Polícia Civil, o teste de bafômetro acusou 1,35 miligrama por litro de ar expelido. A família chegou à 13; DP cerca de uma hora e meia após o acidente, por volta das 16h. Às 18h30, os parentes pagaram a fiança de R$ 1,2 mil. Depois disso, descobriram que Luís estava morto.
O autônomo Marcos Eustáquio, 48 anos, cunhado do motorista, chegou a conversar com o sargento envolvido no acidente quando esperava a liberação. ;O policial estava muito tranquilo. Falou que o amassado no carro não tinha sido nada e que queria almoçar com a gente na feijoada (de aniversário);, relembra. O sargento foi descrito por Marcos Eustáquio e pelas testemunhas como um homem forte, careca e na casa dos 40 anos.
Apesar dos relatos, a Polícia Militar nega que houve qualquer tipo de agressão a Luís ; a corporação garante que há testemunhas que sustentam essa versão. ;A equipe que atendeu a ocorrência chegou em poucos instantes e dialogou com o motorista, que, em razão de seu estado de alcoolemia, urinou diversas vezes, inclusive na delegacia. Não foi constatado nos laudos preliminares do IML nenhuma lesão;, destaca um trecho da nota.
Em 30 dias, o laudo da morte de Luís deve ser concluído. Preliminarmente, a Polícia Civil reforçou que não houve agressões e que a morte ocorreu em decorrência de ;asfixia secundária a enforcamento;. ;A Corregedoria (da Polícia Civil) apurará os fatos com absoluta isenção. Apesar de o IML não informar detalhes de laudos ainda em produção, os peritos do local não visualizaram em Luís qualquer lesão externa, que não aquela proveniente do próprio enforcamento;, conclui o texto.
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Investigação
O ex-agente penitenciário federal e perito criminal Bruno Telles, presidente da Associação Brasileira de Criminalística, explica que suicídios deixam vestígios que outros tipos de morte não deixam. Por isso, ele defende que qualquer tese seja levantada somente após a conclusão do laudo pericial. ;Não é incomum a pessoa ser presa e querer se matar. Ninguém imagina que uma ocorrência de trânsito pudesse virar um caso como esse;, diz.
O médico-legista Luiz Frederico Hoppe, vice-presidente da Associação dos Médicos Legistas de São Paulo, argumenta que todo detido deve fazer um exame de corpo de delito por cautela. ;Isso se evita tortura ou agressões na carceragem. Além disso, aponta ferimentos anteriores à prisão. Nesse caso, até machucados decorrentes da batida dos veículos;, destaca. ;Todos que morrem sob custódia do Estado passam por perícia e autópsia para identificar a causa do óbito. Normalmente, são feitos exames toxicológicos e necroscópicos;, conclui.