Cidades

Pesquisas revelam 60 mil analfabetos no Distrito Federal

O número de pessoas que não sabem ler e escrever saltou de 1,9% da população para 2,08%, entre 2013 e 2015. Brasilienses que abandonaram os estudos contam o drama de ser iletrado

Patrícia Nadir - Especial para o Correio
postado em 31/07/2017 06:01
Shirley Ananias largou a escola aos 11 anos. Seu sonho é garantir um futuro melhor para a filha, Bruna, de 3 anos: 'Eu parei de estudar porque tinha de trabalhar na lavoura'
A vendedora ambulante Shirley Ananias, 33 anos, nasceu em Ibiá, no interior de Minas Gerais, mas vive no Distrito Federal há mais de dez anos. Ela tem uma filha de 3 anos, a pequena Bruna Ananias Clementina da Silva, e seu maior desejo é que a criança seja letrada, já que não teve o que descreve como ;privilégio;. ;Com 11 anos, eu parei de ir à escola porque tinha de trabalhar na lavoura para ajudar em casa. Agora, tudo que eu quero para minha menina é que ela não passe por essa tristeza. Bruna já está na creche e, depois, vai para um colégio aprender tudo.; Quando questionada sobre a lembrança mais feliz da infância, Shirley cita os momentos em que estava na escola. ;Não me lembro do barraco de lona em que morava, da miséria. Só da felicidade que era estudar;. Os olhos da mineira se enchem de água com o relato.

A realidade de Shirley é a mesma que a de outras 60.329 pessoas no DF que não sabem ler nem escrever. O dado é da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (Pdad), divulgada pela Companhia de Planejamento (Codeplan). Os resultados do levantamento mostram que o número saltou de 1,9% da população para 2,08%, entre 2013 e 2015. A pesquisa aponta ainda que o Paranoá é a região administrativa com o maior percentual de analfabetos: 4,03%. Em seguida, aparecem Brazlândia (3,7%), Ceilândia (3,58%) e Santa Maria (3,50%). A capital tem hoje 3 milhões de habitantes. Apesar dos números, o DF foi a única unidade da Federação que recebeu do governo federal, em 2014, o selo ;Território Livre do Analfabetismo;. O certificado só é dado às localidades em que 96% dos moradores podem ler e escrever.

Josenaide Laurindo Marques, 47 anos, enfrenta dificuldades com as letras. A piauiense acorda às 4h20 para pegar o primeiro ônibus que sai do terminal de Águas Lindas rumo ao Plano Piloto. Depois de chegar à Rodoviária, por volta das 6h30, ela precisa pegar outro ônibus para o serviço. Hoje, a doméstica trabalha em uma casa de família na Asa Sul. Josenaide chegou à capital com 6 anos, em 1970, depois de deixar Barreiras do Piauí. Nascida em uma realidade difícil, a infância dela foi marcada pela miséria. ;Era tudo muito triste, pobre. Desde muito nova, precisei trabalhar na roça para ajudar minha mãe, que cuidou dos cinco filhos sozinha. A gente precisava se virar. Eu juntava lenha para os outros, carregava água em baldes, vigiava plantação na roça das pessoas, ajudava minha mãe a descascar mandioca;, relembra. Josenaide nunca teve a oportunidade de ir à escola. Assim que chegou ao DF, começou a trabalhar como doméstica, ainda criança. ;Sempre trabalhei na casa dos outros limpando, cozinhando, cuidando de crianças. Não dava para eu estudar, porque os patrões não deixavam. Eu tinha de limpar durante o dia e cuidar dos filhos deles à noite.;
Desafio em todo país

A alfabetização da população ainda é um grande desafio em todo o país. O Brasil tem cerca de 12,9 milhões de pessoas analfabetas, de acordo com a mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O número representa 8% da população acima de 15 anos. Embora o dado seja expressivo, ele representa uma queda de 0,3 ponto percentual em relação a 2014, quando 13,7 milhões de pessoas no país viviam nesse contexto. A região Nordeste apresentou a maior taxa de analfabetismo, com 16,2%. Os menores índices continuaram a ser os das regiões Sul (4,1%) e Sudeste (4,3%). No Norte, o percentual cresceu de 9% para 9,1%, sendo a única região em que houve aumento desde 2014. O Centro-Oeste registrou uma proporção de 5,7%.

O especialista na área de educação Afonso Galvão aponta as consequências geradas por esse cenário. ;O indivíduo analfabeto tende a reproduzir sua condição menos favorecida. Por causa da privação social, as chances que os filhos deles têm de estarem inseridos em uma realidade de desigualdade social são grandes;, argumenta.

Rosângela Borges Cruz vive nas ruas: 'nunca pisei em um colégio'

Rosângela Borges Cruz, atualmente em situação de rua, não sabe ao certo quantos anos tem. Analfabeta, pede para alguém olhar na identidade e tenta gravar. Ela trabalha vendendo balinhas pelas ruas da capital. Mãe de sete filhos, a baiana veio de Uruçuca, na esperança de uma vida melhor. ;Minha infância foi muito difícil, não gosto nem de me lembrar. Na minha casa, eram 12 irmãos, e eu era adotada. Nunca pisei em uma escola. Agora, eu estou na luta do dia a dia;, conta.

Para o professor da Faculdade de Educação da UnB Remi Castioni, atualmente a leitura é um aspecto de divisão social. ;Vivemos na sociedade da informação, que se caracteriza pela tecnologia, a conectividade e a qualidade do trabalho. Quem não sabe ler, nem escrever tende a ser excluído socialmente, marginalizado. Não se beneficia dos processos de informação, nem participa de instâncias técnicas, como inserção no mercado de trabalho;.

Outro problema grave é o analfabetismo funcional. A taxa passou de 17,6%, em 2014, para 17,1%, em 2015. É o caso de Zaqueu Santos, 55 anos, que só pôde ir à escola até os 10 anos. O ex-ajudante de pedreiro passava fome quando criança. Hoje, assinar o próprio nome é uma conquista, já que teve de parar de estudar para ter o que comer. ;Desde novinho, eu trabalhava em feiras, carregando frutas. Mas sempre tive vontade de estudar. Depois que cheguei aqui, em 2012, comecei a estudar sozinho;, diz. Aos poucos, ele começa a ter mais intimidade com a caneta e o papel. ;Todos os dias, eu faço alguma lição. Já consigo juntar um monte de letras que conheço;, comemora, com um sorriso orgulhoso.

Oportunidade
A Universidade Católica de Brasília (UCB) promove o projeto Alfabetização Cidadã, iniciativa que atende jovens e adultos do DF não alfabetizados. A formação é gratuita e ocorre em diversas regiões administrativas, para pessoas em condição de vulnerabilidade social. As aulas são ministradas durante a tarde e à noite. As inscrições são feitas presencialmente, no câmpus I da UCB, Bloco L, Sala 19. Endereço: Qs 7 lote 1 EPCT, (Pistão Sul) Águas Claras/DF. Informações: alfabetizaçãocidada@ucb.br ou 35569162.
Tecnologia em prol do ensino

Um grupo de pesquisadores do DF criou um projeto que promete ajudar adultos e adolescentes a ler e escrever. Chamado de Edu, o aplicativo para celulares e tablets é baseado em uma metodologia de ensino desenvolvida especialmente para a alfabetização com uso de dispositivos móveis. A iniciativa, selecionada no edital do Fundo de Apoio à Pesquisa, está entre as startups brasilienses que receberam incentivo financeiro para desenvolverem projetos considerados relevantes.

;Estamos no momento de pesquisa. Com o desenvolvimento da metodologia, que vai ser baseada em fonemas, o método tem se mostrado mais eficiente até agora, e, claro, com muitas imagens e vídeos. Um boneco 3D será uma espécie de mestre de cerimônias da plataforma;, comenta um dos cofundadores, Hugo Barros. Segundo ele, a previsão é de que o lançamento do projeto ocorra em um ano. Os idealizadores estão buscando colaboradores para a equipe de professores ou pedagogos com experiência em alfabetização de adultos. Interessados em participar podem entrar em contato pelo e-mail hugobarros.edu@gmail.com.

* Estagiária sob supervisão de José Carlos Vieira

60.329
Pessoas analfabetas no DF

12,9 milhões
Cidadãos analfabetos no Brasil

758 milhões
Total de analfabetos no mundo

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação