Guilherme Goulart
postado em 01/08/2017 12:28
Lá vem o noivo. Queixo empinado, sorriso de lado. Um orgulho só. É a vez da noiva, toda de branco. Segue firme no carpete vermelho-rubi. Traça o próprio caminho até o altar. Pura felicidade. Ali, Nossa Senhora de Fátima recebe o mais novo casal da cidade. Impávida e envolta em azul-brilhante, a Virgem Maria dos Três Pastorinhos oferece conforto e segurança à celebração. Os traços originais desenhados na alvenaria do fim dos anos 1950 tinham a assinatura de Alfredo Volpi. Agora, são de Francisco Galeno. Em comum, os símbolos lúdicos, irreverentes entre carretéis, flores, pipas e bandeirolas. Leveza e infância; cor e tom; sagrado e profano.
A cerimônia segue adiante. A bênção passa por mãos e olhares entrelaçados. ;Eu, Mariana, recebo a ti...; A testemunha improvável é Oscar Niemeyer, grão-padrinho do templo erguido na 307/308 Sul. ;Prometo ser fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza...; Sob as cinco vigas similares, unidas em um ponto e abertas em leque para sustentar a cobertura, a primeira igrejinha de Brasília fez valer a promessa da então primeira-dama do Brasil ; um agradecimento à saúde da filha. Em projeção horizontal, o talento do arquiteto garante abrigo ao casal em forma de triângulo isósceles. São 25m de base e 29m de altura. ;Eu, Alexandre, recebo a ti...;
O sim dele e o sim dela interrompem o silêncio na nave. E se dissipam no pátio que embeleza os arredores do edifício. Lá fora, o burburinho provocado pelo consentimento mútuo alcança a curiosidade infantil, um tanto quanto alheia aos ritos da união católica. Duas crianças correm sobre as folhas secas, na disputa pelo galho mais longo ou pela flor mais bela. O encanto colorido se revela como arco-íris lá do alto do ipê-roxo, agitado pelo frenesi dos passarinhos. O chão maltratado pela estiagem ganha, então, uma mão natural de tinta, formando um mosaico perfeito no cerrado brasiliense. Não há padrões ou imposições na imagem. Só o aleatório.
De volta à igreja, não por acaso construída ao lado da quadra-modelo do Plano Piloto, aguarda-se a chegada das alianças. A tarefa das mais importantes depende da competência do pequeno pajem. As daminhas de honra vêm logo atrás para embelezar o caminho e garantir o cumprimento da missão. É hora da consagração. O prédio, em forma de chapéu de freira, convida a todos a prestigiar o casal. Os anéis, trocados de mãos, representam o compromisso e a eternidade. Fundem os votos do matrimônio. ;Por todos os dias da nossa vida.; Amém.
De braços dados, noivo e noiva dão o tom da renovação. A parede, revestida de azulejos azuis e brancos, os aguarda como um abraço aos convidados. É Athos Bulcão quem reverencia a todos. O único trabalho figurativo do multiartista brasiliense resume a celebração. A pomba branca, voltada para a terra, representa o Espírito Santo. Ao lado dela, surge a Estrela de Belém, a mesma que guiou os três reis magos até o Menino Jesus e, agora, abre novo caminho de luz. Ali, naquele instante, a arte e o amor se encontram. E o fim da cerimônia emociona até o mais duro observador.