Uma garrafa empoeirada e com o rótulo desgastado, sem líquido. Em seu interior, papéis enrolados, amarelos de tão velhos. Os documentos frágeis se despedaçam facilmente sem manuseio delicado. Como quem procura um mapa do tesouro perdido, encontram-se nomes, despedidas e uma data: 15 de dezembro de 1988.
Não foi preciso cruzar os mares para encontrar a relíquia, como em uma verdadeira história de pirata. Bastou uma reforma no teto de uma escola em Ceilândia para que a viagem no tempo se iniciasse. As assinaturas, pequenos garranchos joviais, pertencem a ex-alunos formandos do período noturno da época. Depois de uma brincadeira, eles não imaginavam que, quase 30 anos depois, a história seria reavivada em suas mentes e corações.
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A cápsula que levava as mensagens pertencia ao capitão desse navio, Antônio Hertz, hoje com 51 anos. Uma semana antes da brincadeira, o rapaz, que era o mais velho da turma, levou a bebida escondida no bolso interno de uma jaqueta larga para comemorar o fim das aulas. Era uma quinta-feira, quando Hertz chamou os poucos que ainda restavam na sala para assinarem os nomes em um pedaço de papel e escondeu a garrafa.
;Adios Amigos;, se despedia um dos marujos. Agnaldo Soares, Jaime Ribeiro Santiago, Jean Martins dos Santos, Cícero Sérgio Amaro Lima, Regina Célia Pereira, José de Paula Maciel, José Roberto Gomes, José Ribamar de Sousa, Luis Ferreira de Sousa, Lincoln, Olívia. Nomes que eternizaram o 3; ano noturno do antigo Centro de Ensino Médio 05, no setor P Norte da Ceilândia.
1988
Chico Mendes, Odete Roitman, Ayrton Senna, Ulysses Guimarães e os piratas do tempo. Todos eles foram marcados por 1988. Ritos de passagem, da vida à morte do seringueiro; na teledramaturgia, do mistério à clareza de quem matou a personagem de Beatriz Segall; do anonimato à fama, quando o piloto ganhou seu primeiro título mundial; da censura à cidadania, com a promulgação da Constituição Cidadã; da escola para a vida da turma de formandos. Enquanto o Brasil mudava drasticamente, os jovens, despreocupados, bebiam em uma distribuidora da região.
Com as cartas em mãos, Jean Martins dos Santos, 48, evoca as histórias da adolescência e juventude, das festinhas em que os cavalheiros chamavam as moças para dançar música lenta e dos sucessos de Michael Jackson. Aos 20, ele e os amigos aprontavam bastante, normal para a idade, disse. Jean relembra alegre como os colegas eram unidos e como os professores ajudavam os alunos a gostarem das disciplinas e da escola. ;Essa era a melhor escola da região, todo mundo queria estudar aqui. Eu tenho muito a agradecer à família que fiz aqui, do zelador ao diretor;, afirma. Desempregado, Jean ainda sonha em se formar em história ou filosofia.
*Estagiária sob supervisão de Severino Francisco.
*Estagiária sob supervisão de Severino Francisco.