Ingrid Soares, Pedro Grigori - Especial para o Correio
postado em 12/08/2017 16:46
Uma transexual fez uma denúncia ao Conselho Distrital de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos alegando ter sido demitida da loja Bio Mundo, do Lago Sul, por transfobia. Nicole, 23 anos, trabalhou no local durante quatro meses e garante ter sofrido agressões verbais e físicas de um funcionário que a chamava de "viadinho". Em dezembro de 2016, após ter sido chutada pelo acusado, ela enviou um e-mail a diretoria da empresa pedindo ajuda. Porém, na semana seguinte, sem explicações, recebeu a carta de demissão. Segundo o gerente da unidade, o caso não se trata de transfobia, mas sim de uma disputa entre vendedores.
A jovem atuou como vendedora na empresa entre setembro e dezembro de 2016. Durante a entrevista de emprego, Nicole contou a gerente que é uma mulher transsexual e relatou estar tomando hormônios devido à transição para o gênero feminino. ;Ela me disse que não havia problema, que se algum funcionário mexesse comigo, era para avisá-la, para que uma providência fosse tomada;, conta. Na semana seguinte, Nicole começou a trabalhar no local, e já no primeiro mês começou a ser alvo de piadas ofensivas de um colega.
Segundo a denunciante, as agressões verbais se tornaram cada dia mais frequentes. ;Avisei para a minha gerente o que estava acontecendo. Ela dizia que conversaria com ele, mas a situação só piorava;, narra. A agressão física ocorreu no fim de novembro, dentro da própria loja. ;Um cliente estava vindo em minha direção para perguntar sobre um produto. Daí, ele (o suposto funcionário agressor) entrou na minha frente para impedir que eu o atendesse. Estava com uma cestinha de plástico na mão e empurrei nele, de leve, enquanto perguntava quando ele pararia com essa atitude. Daí, ele virou e me deu um chute muito forte, em frente a todos os clientes e funcionários, eu joguei a minha cesta nele e recebi outro chute. A partir daí, corri chorando para o banheiro;, relata.
Segundo Nicole, o atendente era bastante competitivo e já teria a segurado para que ela não atendesse clientes, afirmando que ela ;já tinha vendido o suficiente;. Após o episódio da agressão, Nicole comunicou imediatamente o ocorrido a gerente, que prometeu tomar uma providência, o que, segundo ela, não ocorreu. ;Fiquei bastante abalada, não poderia continuar naquela situação, então enviei um e-mail para a diretoria da empresa, contando todo o ocorrido e pedindo uma solução. Menos de uma semana depois eu e a gerente acabamos demitidas. Eles não queriam nem que cumprissemos o aviso prévio, além de não explicarem o motivo da demissão;, conta Nicole.
Denúncia
Nicole estuda Estética e Cosmética no Centro Universitário Iesb e sonha em atuar na área. Porém, desde a demissão no fim de 2016, parou de procurar emprego. ;Tenho medo que isso se repita. Fiquei muito triste e depressiva. Apaguei fotos e redes sociais porque me sentia mal em me ver;. Em junho deste ano, Nicole procurou apoio psicológico e foi aconselhada a denunciar o ocorrido. ;Quando tudo aconteceu, tive medo de denunciar, por estar lidando com uma empresa grande. Mas agora entendi que se eu não fizer, outras pessoas passarão por isso também;, explica.
A estudante entrou com uma denúncia circunstanciada no Conselho Distrital de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos (CDPDDH), que convocou as partes para uma tentativa de conciliação nessa sexta-feira (11/8). O proprietário da rede Bio Mundo também foi convocado, mas não compareceu à audiência. ;Foram o atual gerente da loja, a responsável pelo RH e o advogado da empresa, que foi bastante rispito. Eles não queriam ouvir a minha história, disse que fui despedida por não vender bem, mas ignorou toda a violência que sofri;, conta Nicole.
O Correio procurou a Bio Mundo do Gilberto Salomão para argumentar sobre o caso. O atual gerente, Marcus Tayrone, que era vendedor à época em que Nicole trabalhava na loja, nega que a transsexual sofria transfobia. ;Ele (Nicole) teve um desentendimento pessoal com um funcionário, o agrediu primeiro e sofreu a reação;, afirma.
Marcus esteve presente na audiência de conciliação e conta uma versão diferente da de Nicole. ;A moça dos direitos humanos é bem esquentadinha, nem me deixou falar nada. Nosso advogado só questionou porque a denúncia já era dada como real. Eu não vi nenhuma discriminação, só porque foi com um homossexual que levam para um cunho maior. Ninguém fez nada para ofender a opção dele;, garante o gerente. O funcionário que teria agredido Nicole segue no quadro de funcionários da Bio Mundo do Gilberto Salomão.
Justiça
O presidente do CDPDDH-DF, Michel Platini relata que a intenção era chamar as duas partes (quem denuncia e o denunciado) para entrar em um consenso. Como não houve conciliação, um processo foi aberto no conselho, que tem até 30 dias para decidir e adotar medidas que podem ir de advertência simples ao fechamento do estabelecimento, e ainda remeter a denúncia a outros órgãos como o Ministério Público.
;O dono da loja foi convocado, mas descumpriu a determinação e enviou um advogado que não soube levar a situação. Temos os e-mails como prova, a única resposta dada a funcionária foi a demissão. Tanto que o outro continua trabalhando normalmente. Ele quis defender o comportamento do funcionário e justificou a discriminação alegando que, na verdade, se tratava de uma disputa de metas. Geralmente as empresas não apresentam esse comportamento e se mostram interessadas em resolver e fazer os cursos de capacitação. Esse tipo de comportamento nos preocupa muito;, destacou Platini.
Por meio da assesoria de imprensa, a Bio Mundo emitiu uma nota de esclarecimento sobre o caso. Confira abaixo na integra:
A Loja Bio Mundo esclarece que a demissão do colaborador Jonathan Abreu de Queiros Silva decorreu do seu mau desempenho nas vendas e das faltas injustificadas e atrasos ao trabalho.
A empresa reforça que a orientação sexual não é critério para não admitir ou para demitir colaboradores, tanto é assim que o denunciante foi contratado, inclusive de forma pessoal pelo sócio proprietário da rede.
Em verdade, o que ocorreu em relação à suposta violência física foi uma disputa entre vendedores, que culminou em uma agressão por parte do denunciante ao seu colega, que revidou aquela. Ressalta, a empresa que o colaborador que revidou a agressão do denunciante foi advertido formalmente.
Informa, ainda, a empresa que o presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos não facultou que a empresa apresentasse a sua defesa e sequer a sua versão sobre os fatos narrados na denúncia.
A rede Bio Mundo repudia quaisquer alegações de prática de transfobia e reitera seu respeito aos seus colaboradores e seus clientes.