Luiz Calcagno
postado em 14/08/2017 06:00
A crise econômica abriu espaço para um novo tipo de negócio no Brasil. A chamada nova economia, ou economia colaborativa, ganha lugar como uma alternativa mais barata de levar o produto ou serviço ao consumidor, e engloba diversos setores, como os de moda e artesanato, o de tecnologia e games, de cerveja e até o de agronegócios, segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). A tendência se repete no Distrito Federal, com um espaço cada vez maior para lojas colaborativas, espaços de coworking e o surgimento de startups. Ainda em maioria, o mercado tradicional também luta para sobreviver à recessão. Setores como alimentação e limpeza se mantêm, por serem de primeira necessidade, mas o ramo dos reparos, seja o de autopeças, seja o de costura, começa a reagir, já que a população tem preferido pagar pelo conserto a trocar os bens.
;A crise atingiu o mercado e quem está colaborando está suportando. É um setor com mais variedades, construído de baixo para cima;, afirma Maíra Belo, 33, sócio-proprietária de duas lojas colaborativas da franquia paulista Endossa, que divide o aluguel de um dos estabelecimentos com a empresa de coworking Co-Piloto. O estabelecimento jovem propicia que artesãos, designers, donos de marcas de brechó e até costureiras consigam um espaço em uma vitrine na Asa Sul ou Norte para expor e vender os produtos. Há, ainda, intercâmbio com outras lojas da marca no Brasil, em caso de fornecedores com marcas mais experientes. O aluguel dos espaços reservados varia de R$ 160 a R$ 540 por mês. ;O modelo de negócio é positivo mesmo na crise. As pessoas não têm dinheiro para manter um grande negócio, mas temos espaço para que possam vender. Vimos muita gente crescer assim. Alguns fornecedores tratavam o produto como hobby e, depois, começaram a se profissionalizar;, relata Luana Freitas, 31, outro sócia-proprietária.
Criadoras da Casa Monstro, em Samambaia, Gabriella Ferreira, 29, e Lorena Costa, 27, explicam que a nova economia democratiza o mercado ao dar a chance de pequenos comerciantes ocuparem espaços privilegiados e ao levar produtos personalizados e de produção local aos consumidores. A Casa Monstro é um espaço montado com móveis recolhidos do lixo e revitalizados, que funciona como local de coworking, galeria de arte, brechó, oficina e, em breve, com venda de produtos orgânicos e loja colaborativa. ;Esse mercado é mais do que unir quem quer vender e quem quer comprar. É democratizar informações da comunidade. Apoiamos valores. A venda de produtos é muito mais uma consequência;, destaca Lorena. ;Estamos em Samambaia para incitar as pessoas a se deslocarem para lá, para um local diferente, que une sustentabilidade e beleza. Prestamos consultorias de vivência sustentável e de autogestão;, completa Gabriella.
Rede de apoio
A economia colaborativa pode ser nova no DF, mas ocorre em outros países há cerca de 15 anos e foi adotada como modelo por multinacionais, de acordo com o professor do departamento de economia da Universidade de Brasília (UnB) Victor Gomes e Silva. ;Se o Brasil não ficar muito para trás em termos de progresso técnico, a tendência é mudar o mercado e até o estilo de compra. Na Califórnia, você vê uma diversidade grande de pequenas empresas do tipo. Esse mercado depende do que o consumidor quer ou pede;, afirma (leia Palavra de especialista).
A organização Impact Hub, que incentiva o coworking e cria redes de economia colaborativa acompanha o surgimento das empresas no Distrito Federal. De acordo com a fundadora do grupo no DF, Deise Nicoletto, esse mercado não costuma gerar fortunas, mas garante que todos os envolvidos ganhem com os trabalhos. ;Os negócios surgem de forma orgânica, trabalhamos para que empreendedores consigam o maior alcance possível. A intenção é fazer trocas, reforçar valores, e não uma disputa. A competição ocorre, mas de modo saudável. É mais importante como cada um pode se ajudar. Ninguém quer acumular grandes fortunas e, assim, há um ganha-ganha, em vez do ganha-perde;, opina.
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Assim como a crise incentiva a inovação e, com isso, o surgimento de novas formas de negócio, também muda as maneiras de se relacionar com os clientes na economia tradicional. O presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do DF (Fecomércio), Adelmir Santana, é taxativo: quem não inova e não responde com profissionalismo às necessidades do consumidor e à condição financeira do país não sobrevive por muito tempo. ;O mercado tradicional, principalmente, vive uma crise violenta. Setores como o de supermercados, o de comida e bebida e de higiene e limpeza ainda crescem, porque são coisas que as pessoas consideram necessárias. Mas elas estão preferindo recuperar os seus pertences a comprar coisas novas. Pode ser a roupa ou o carro, estão perdendo o hábito de trocar os bens;, alerta.
Como resultado, setores como o de autopeças, por exemplo, têm apresentado algum crescimento. Mas também não sobrevivem sem a criatividade. Diego Barros, funcionário da Auto Giro, do Sudoeste, confirma. ;O mercado está reagindo para nós. Mas o consumidor continua sem dinheiro. Vemos uma melhora no mercado de reposição, por outro lado, as pessoas não estão fazendo revisões preventivas. Só nos procuram para o trabalho corretivo quando o carro já deu defeito. Não é exatamente uma melhora, mas uma mudança de comportamento que nos mantém ativos;, avalia.
Presidente da Câmara de Dirigentes Logistas do Distrito Federal (CDL) Jovem, Rafael Paganini destaca que a crise está transformando todo o comércio da capital. ;Os empresários estão tendo que lidar com uma nova realidade. Não há espaço para gestores que não sejam extremamente profissionais. As pessoas têm que pensar nos cortes mais eficientes para continuar com seus negócios. A redução do poder de compra também aqueceu o setor de reparos, por exemplo. O cliente está preferindo a durabilidade e se norteando mais pelo custo-benefício. Com isso, o consumidor passou a ter produtos com mais qualidade e preço acessível. Outra consequência é justamente a busca por espaços colaborativos, com modelos de negócio dinâmicos.
Já na visão de Deise Nicoletto, da Impact Hub, a transformação não se resume apenas à crise, mas a uma mentalidade de comércio que se expande globalmente. ;Em Brasília, nos posicionamos como agentes que querem desenvolver a nova economia empreendedora. Brasília é uma cidade jovem;, pontua. ;Conectamos esses empresários para aumentar o impacto deles na economia. Criamos, dentro do Hub, um espaço para as pessoas se sentirem livres e confiantes para se expor Podem se juntar e fazer um trabalho maior. Existem muitos respondendo a isso no ramo da arte e da criatividade, mas também da permacultura e da produção de orgânicos;, lista a empreendedora, reforçando a denecessidade de grandes e pequenas empresas se olharem e entenderem como podem se fortalecer e somar ideias.
Troca profissional
Coworking pode ser definido como o uso de um escritório ou de outro ambiente profissional por pessoas de diferentes especialidades, que dividem equipamentos, ideias e conhecimentos de modo criativo e orgânico, empreendendo juntas, segundo as necessidades de cada indivíduo ou grupo. Das reuniões, podem surgir novas empresas e até o escambo profissional, em que um grupo beneficia outro com os próprios serviços em vez de um pagamento em dinheiro, por exemplo.
Risco calculado
Startups são empresas de pequeno porte, geralmente no setor de tecnologia, composta por grupos de empreendedores interessados em modelos de negócio inovadores e arriscados. As startups trabalham com modelos de negócio que possam fazê-las gerar lucro. Ao mesmo tempo, precisam ser maleáveis e se transformar segundo as necessidades do mercado, pois crescem em ambientes de forte incerteza.
Palavra de especialista
Sintonia entre compra e venda
Nesse modelo (colaborativo), há uma figura central que une quem quer vender a quem quer comprar. Esse tipo de negócio está se expandindo. O empreendedor reduz os custos do trabalho e grandes empresas trabalham assim. A rede Walmart coloca os fornecedores para trabalhar e competir dentro da própria loja, nos Estados Unidos. A Uber também assume esse papel e a Amazon está testando uma loja em que o cliente entra, pega o que quer e vai embora. O celular fica conectado no aplicativo que debita a compra no cartão de crédito. É um modelo que tem, aproximadamente, 15 anos, mas que, agora, começa a se expandir para vários setores. As empresas fazem uma aproximação entre compradores e vendedores. Você pode fazer isso para a caridade, ou para pessoas que fazem trabalhos artesanais ou especializados. Com isso, as pessoas reduzem os custos do negócio. É muito caro, por exemplo, manter uma loja e uma vitrine.
Victor Gomes e Silva, é professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB)