Cidades

Lentidão da Justiça facilitou nova atuação de máfias de concursos em 2017

Com um intervalo de 12 anos entre denúncia e condenação, os réus da Máfia dos Concursos, inclusive Hélio Ortiz, voltaram a agir nas seleções

Helena Mader
postado em 22/08/2017 06:00
Operação da Polícia Civil do DF no Cebraspe, antigo Cespe, na Universidade de Brasília (UnB): reincidência dos crimes se explica por brechas e falhas na legislação brasileira

A lentidão da Justiça em analisar as denúncias dos crimes cometidos pela Máfia dos Concursos, em 2005, facilitou aos réus agirem novamente para fraudar certames. Os acusados de arquitetar as irregularidades foram denunciados há 12 anos, e a sentença de primeira instância só saiu há um mês. Hélio Ortiz e outros dois acusados de comandar o esquema foram condenados pela 10; Vara Federal de Brasília, em julho, mas todos os concursados que pagaram para passar nas seleções de órgãos públicos foram absolvidos das acusações. À época, não havia legislação enquadrando as fraudes cometidas no Distrito Federal.

Hélio Ortiz foi condenado a 5 anos e 5 meses de reclusão em regime semiaberto, por crime de violação de sigilo funcional. Fernando Leonardo Oliveira Araújo, então servidor da gráfica do Cespe, e a mulher dele, Carlimi Argente de Oliveira, pegaram penas de 8 anos e 7 meses e de 8 anos e 10 meses, respectivamente, em regime inicialmente fechado. Além da condenação por violação de sigilo funcional, eles foram considerados culpados do crime de lavagem de dinheiro. Fernando teria roubado provas e repassado a Carlimi, que as vendeu a Ortiz. O juiz Vallisney de Souza Oliveira autorizou os réus a recorrerem em liberdade. Entre os três, só Ortiz voltou a ser preso ontem.

Ao condenar o mentor das fraudes, o magistrado destacou que Hélio Ortiz tem mais de 10 ocorrências semelhantes e que o réu buscou, com os crimes, ;conseguir lucro fácil e indevido com a obtenção das provas;. ;As consequências são altamente negativas, pois a conduta criminosa propiciou a aprovação irregular de diversas pessoas no certame, que não estavam preparadas para o exercício do cargo, com o prejuízo à moralidade e à igualdade, causando, assim, um estrago e uma mácula em todo um procedimento democrático, que é o concurso público;, concluiu o magistrado.

Improbidade

Na esfera cível, o caso está ainda mais atrasado. Em 2006, o Ministério Público Federal entrou com ação de improbidade contra 27 acusados de envolvimento nas fraudes, entre os mentores dos crimes e pessoas que pagaram por gabaritos. Só em 2013, a petição inicial foi recebida. Mas, até hoje, o caso não foi julgado pela 13; Vara Federal de Brasília (leia Memória).

[SAIBAMAIS]No âmbito criminal, apesar de as investigações estarem bem embasadas, quem pagou pelos gabaritos escapou da Justiça. Perícias e trabalhos de estatísticas revelaram que, no concurso do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT), por exemplo, dois grupos de aprovados apresentaram respostas absolutamente idênticas entre si, tanto nas questões certas quanto nas erradas.

Mesmo diante da gravidade das denúncias, os fraudadores das concorrências públicas não foram punidos. O juiz Vallisney de Souza destacou que, ;apesar de extremamente reprováveis, as fraudes narradas na denúncia não encontravam, no ordenamento jurídico brasileiro então vigente, tipo penal que as incriminasse. À época dos fatos, não existia uma norma penal específica incriminando tais condutas;. A cola eletrônica, que consistia no uso de um ponto eletrônico, não se enquadrava no crime de estelionato por não causar prejuízo aos cofres públicos. A Justiça entendeu que, com base na lei em vigor à época, os únicos prejudicados financeiramente seriam os demais candidatos.

As fraudes dos concursos também não configuravam falsidade ideológica. ;As respostas dadas pelos candidatos, mesmo que tenham sido obtidas fraudulentamente, correspondem à realidade;, argumentou o juiz, ao absolver os acusados de pagar para passar nos concursos.


Nova regra


Se à época da Operação Galileu não havia legislação para punir quem pagou para passar em concursos, agora há embasamento legal para condenar os fraudadores. Em 2011, a Lei n; 12.550 acrescentou um capítulo ao trecho do Código Penal que trata dos crimes contra a fé pública. Com isso, a legislação passou a considerar criminosa a atuação de quem divulga conteúdo sigiloso de concursos. A nova legislação equipara essa conduta ao ato de permitir ou facilitar, por qualquer meio, o acesso de pessoas não autorizadas a essas informações.

Alguns dos acusados de comprar gabarito e que haviam sido afastados do cargo aproveitaram a sentença de absolvição para tentar a reintegração nos órgãos públicos. Mas, por ora, a Justiça entendeu que não há justificativa para que os fraudadores retomem suas funções. O juiz Vallisney Souza argumentou que a absolvição no âmbito criminal não repercute, necessariamente, nas esferas administrativa e cível. ;A inexistência de ilícito penal não significa que o fato não seja irregular, ilícito em outras sedes jurídicas, ou contrário aos princípios constitucionais da administração pública;, explicou o magistrado. Mas, com a absolvição, os acusados de pagar para passar nas seleções públicas terão uma brecha para recorrer a outras instâncias em busca de uma reintegração à administração pública.

O advogado criminalista Pedro Paulo Castelo Branco avalia que os resultados de concursos públicos são pouco transparentes. ;Nos casos de fraude, quase todos os investigados são presos em flagrante no momento das provas. A investigação da Polícia Civil nos órgãos responsáveis pela elaboração e aplicação das provas poderá resultar na descoberta dos reais vendedores dos gabaritos;, justificou.

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Memória

Arte com reprodução de imagens de matérias veiculadas no Correio Braziliense
Organização criminosa
Para desarticular uma organização criminosa que fraudava concursos públicos, a Divisão Especial de Combate ao Crime Organizado (Deco) cumpriu, em 22 de maio de 2005, 104 mandados de prisão e vários outros de busca e apreensão no Distrito Federal. Entre os encarcerados, estavam Hélio Garcia Ortiz, apontado como o líder do esquema; a mulher dele, Edina de Castro Garcia Ortiz; e a filha, Caroline Garcia Ortiz.

Durante a apuração, a 3; Vara Criminal autorizou interceptações telefônicas que flagraram negociações entre os integrantes do esquema, como mostrou o Correio em diversas reportagens publicadas sobre o caso (veja fac-símile). Também houve a quebra dos sigilos bancários. A investigação foi transferida para a Justiça Federal devido ao envolvimento de Fernando Leonardo Oliveira Araújo, ex-funcionário do Centro de Seleção e de Promoção de Eventos (Cespe), entidade ligada à Universidade de Brasília (UnB).

Nos primeiros depoimentos, Fernando Leonardo e a mulher, Carlimi Argenta de Oliveira, admitiram participação nos crimes. Ele alegou ter repassado as provas à companheira, que entregou a documentação a Ortiz, em pelo menos quatro concursos. Em juízo, contudo, o casal negou a versão. Ao todo, estima-se que 12 certames tenham sido fraudados. Ao fim da ação penal, apenas quatro pessoas foram condenadas, há cerca de um ano.

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