Cidades

Cidades do Entorno do DF sofrem com o descaso de governos e violência

Nem Goiás, nem o Distrito Federal priorizam ações na região. O resultado é o medo da população, que fica refém da ação de bandidos comuns, traficantes e até do crime organizado

Luiz Calcagno
Isa Stacciarini
Ricardo Faria - Especial para o Correio
Roberta Belyse - Especial para o Correio
postado em 27/08/2017 07:15 / atualizado em 19/10/2020 13:54
'Meu filho me visitava a cada 15 dias. Sempre que chega o dia de ele vir, eu desabo. Se vejo um carro parecido com o dele na rua, sofro' Luzia de Arruda, moradora do Novo Gama
Grades, câmeras, vigilância particular e medo fazem parte do cotidiano de moradores dos municípios goianos da Cidade Ocidental e de Valparaíso. A realidade violenta prova que a proximidade entre as cidades não é apenas territorial. Na segunda reportagem da série “O Cinturão do Crime”, o Correio mostra como a população dessas duas localidades, além da região do Novo Gama, lida com uma rotina que envolve roubos, tráfico de drogas e assassinatos. O número de homicídios dolosos (com intenção de matar) nas regiões, de janeiro a julho deste ano, chega a 70. Os crimes ocorrem, muitas vezes, à luz do dia, sem medo da interferência de autoridades.

Sob a ótica dos dados da Secretaria de Segurança Pública de Goiás, a situação de Valparaíso revela o clima de insegurança na região, dos 70 assassinatos, 44 ocorreram por lá. Na dor, no entanto, a situação não é diferente para moradores dos municípios vizinhos. O medo impera, bem como a revolta dos que perderam um ente querido. É o caso de Neide (nome fictício), cuja família foi destruída por duas balas perdidas. Há cerca de um mês, o marido saiu de casa com o objetivo de comprar um lanche para a mulher e as duas filhas e acabou vítima de uma disputa entre desafetos que ele nem conhecia. A família concordou em conversar com a reportagem, mas pediu sigilo absoluto de seu paradeiro, pois um dos acusados ainda está à solta.

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Era o marido quem colocava dinheiro em casa. Agora, Neide precisa de ajuda de amigos para sustentar as filhas. As câmeras de segurança na área externa da residência, instaladas pelo companheiro pouco antes de morrer, mostravam a preocupação da família ante a um quadro de impotência diante do crime. “As autoridades não estão dando a mínima nas investigações. O bandido acabou com minha família. Tenho receio do que pode acontecer comigo”, disse emocionada.

No comércio, empresários de Valparaíso também se queixam. Rendido e ameaçado, Márcio (nome fictício) clama por segurança. “Fomos assaltados cinco vezes em menos de um ano, e (os policiais) não conseguiram prender os autores. Precisamos de vigilância preventiva. O crime está cada vez mais organizado”, opina.

Morto na praça


A apenas 10km dali, na Cidade Ocidental, a barbárie e o medo continuam. Josefa (nome fictício), 73 anos, nunca descobriu o motivo da morte do filho de 34 anos. Ele foi brutalmente espancado e, em seguida, assassinado a tiros em uma praça no centro da cidade. Depois do crime, a mãe passou a receber ameaças. Ela conta a história com uma fotografia da vítima na mão. “É uma dor que nunca passa. Sempre penso que ele vai voltar. Era um filho muito bom. Foi uma grande tragédia para mim. Mas o pior é ver que a Justiça não faz nada para mudar a situação, que só piora”, desabafa.

Cansada de ter a loja assaltada, Elisa (nome fictício) resolveu alterar o horário de funcionamento do comércio. “Tivemos que encontrar uma solução para amenizar a situação, já que as autoridades não resolvem. No último assalto colocaram a arma na cara do meu marido”, lembra. Ela culpa a impunidade pela violência. “Não adianta a polícia prender. A Justiça solta em pouco tempo. Isso precisa mudar”, pede.
 
Nem Goiás, nem o Distrito Federal priorizam ações na região. O resultado é o medo da população, que fica refém da ação de bandidos comuns, traficantes e até do crime organizado 

Interdependência


Geógrafo e professor emérito da Universidade de Brasília (UnB), Aldo Paviani ressalta que a expressão Entorno do Distrito Federal tem sido substituída, em pesquisas e estudos, por “Anel Externo da Área Metropolitana de Brasília” ou “Periferia Geográfica da Área Metropolitana da Capital”. Isso acontece graças à proximidade e interdependência entre as regiões. 

Uma pesquisa de 2013, realizada pela Codeplan, identificou que mais de 140 mil pessoas se deslocavam dos municípios goianos diariamente para trabalhar no DF.  Na prática, a interdependência torna os municípios goianos mais próximos dos brasilienses que dos goianos. “A área metropolitana da capital é composta pelo DF urbano e por mais 12 municípios da periferia geográfica. É fato que o tráfico se apropria das áreas menos dosadas de vigilância, policiamento, entre outras questões. Precisamos formalizar a Área Metropolitana de Brasília para que haja a gestão de educação, trabalho e segurança. Um dos fatores que ocasionam muito a violência, por exemplo, é a falta de uma escolaridade”, destaca.

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