Jornal Correio Braziliense

Cidades

Novo Gama ocupa o 20º lugar entre as cidades mais violentas do país

Nos primeiros seis meses deste ano, Novo Gama registrou 27 homicídios, 26 tentativas, seis estupros e mais de 600 assaltos a pedestres


As tragédias familiares são vizinhas de porta no Novo Gama (GO). E, quando não convivem lado a lado, se reconhecem na rua. A reportagem percorreu a região de 108 mil moradores, que ocupa o 20; lugar entre as cidades mais violentas do país, de acordo com o Atlas da Violência de 2017. Nos primeiros seis meses deste ano, Novo Gama registrou 27 homicídios, 26 tentativas, seis estupros e mais de 600 assaltos a pedestres. Exemplos dessa triste estatística podem ser encontrados com facilidade nas ruas. É o caso da costureira Luzia de Arruda, 63 anos, moradora do bairro Lunabel. Ela perdeu dois filhos e nunca soube o motivo das mortes.

O primeiro filho levou um tiro pelas costas, em Pedregal, bairro do Novo Gama. O corpo do caçula, o último a morrer, foi encontrado em uma localidade conhecida como Grande Vale, com um saco plástico amarrado na cabeça, em 7 de setembro de 2015. A vítima foi espancada e, na sequência, morta a tiros. ;Estava sem documento, sem celular, e a caminhonete dele foi incendiada no Jardim América. Eu tive alucinações. Passei a tomar remédios. Ele me visitava a cada 15 dias. Sempre que chega o dia de ele vir, eu desabo. Se vejo um carro parecido com o dele na rua, sofro;, conta.

Acerto de contas

Segundo Luzia, os crimes nunca foram solucionados. O sofrimento maior é pela perda mais recente. ;Ele teve um passado difícil, mas se recuperou. Revendia carros. Foi muita crueldade. Enfiaram uma toalha na boca dele. Cobriram a cabeça com um saco. Eu não consigo entender;, lamenta. Para a mulher, o governo é muito distante da população e não conhece as necessidades dos moradores da cidade. ;Pagamos impostos e não temos nada. Ninguém nos conhece;, desabafa.

[SAIBAMAIS]Vizinha de Luzia, Silvia (também nome fictício), 38 anos, também tem uma história de violência. Perdeu o enteado de 19 anos, em fevereiro de 2014 e, hoje, cria o filho da vítima. ;Ele ia a uma sorveteria quando foi surpreendido por dois homens, cada um com duas armas. Levou, ao menos, 21 tiros. Foi acerto de contas. Mas ninguém soube quem (efetuou os disparos). O bebê, à época, tinha 2 anos. Hoje, me chama de mãe. É meu filho e tento indicar um caminho diferente na vida;, emociona-se.

A aposentada Irene Oliveira Costa e Silva, 57, moradora do Pedregal, soube da morte do filho, Wilian, 30, em 25 de dezembro de 2015. Ele estava desaparecido há 12 dias e morreu espancado, vítima de latrocínio (roubo com morte). ;Três pessoas abordaram meu filho e pediram o celular, mas não gostaram. Acharam o aparelho simples. Bateram nele até matá-lo. Enfiaram pedra na boca dele, chutaram e jogaram um paralelepípedo na cabeça. O irmão dele só o reconheceu no Instituto de Medicina Legal (IML) por causa de uma tatuagem;, recorda a mulher. ;À noite, às vezes, ainda abro a porta do quarto dele, para olhá-lo dormir, como se ele estivesse lá;, revela.

Dois dos criminosos fugiram. O terceiro foi pego pela população e entregue à polícia. Irene conta que os outros três filhos percorreram toda a região e diversos hospitais em busca de

Willian. ;Até que o meu mais velho sonhou com ele. Ele pedia para ser encontrado e dizia que estava em um lugar frio. Ele acordou no dia seguinte e foi ao IML. Eu queria, se eu pudesse, trocar de lugar com ele;, chora.


Medo nas ruas

No comércio, o medo é regra e a sensação de segurança, exceção. Vadin da Silva Dias colocou grades na distribuidora de bebidas. A partir de 17h, só atende por trás das barras de ferro. A farmácia ao lado foi assaltada há cerca de duas semanas, e ele garante que só escapou da violência até agora ;por ser muito cauteloso;. Proprietária da farmácia, Eliane (nome fictício) conta que é a quarta vez que o estabelecimento é assaltado. Ele (o criminoso) saiu da farmácia caminhando. Levou R$ 200 e deixou um trauma. Se eu não precisasse muito, não viria mais trabalhar aqui;, diz.

Bairro de Valparaíso colado ao Novo Gama, Céu Azul vive uma tensão semelhante no comércio. Na última quarta, um homem foi assassinado dentro de uma distribuidora de bebidas na região. O estabelecimento está fechado e com uma faixa preta na frente. Proprietário de uma loja de roupas nas proximidades, Marciel Lourenço, 37, conta que, em 2016, foi assaltado duas vezes pela mesma pessoa. O homem foi preso, mas já está solto e, às vezes, passa pela frente do estabelecimento. ;Ele levou nossos produtos e tentou vendê-los nas proximidades. Por isso, conseguimos localizá-lo e denunciá-lo;, recorda.

De acordo com o comandante do 19; Batalhão de Polícia Militar de Goiás (Novo Gama), tenente-coronel Daniel Santana, ;a dificuldade que a PM tem é com a impunidade. A gente prende alguém, em um dia, e a pessoa é solta no outro. Isso gera sensação de insegurança;, ressalta. Com isso, o comandante afirma que as próprias vítimas deixam de ir às delegacias. ;Ninguém quer ser testemunha. Temem pela própria vida.;

O delegado de homicídios e repressão a narcóticos de Novo Gama, Daniel Martins, admite que a violência na região é grande. Segundo ele, mesmo com a redução nos índices de crime, em relação ao ano passado, o número ainda está acima do que seria o ideal. ;Tivemos uma melhoria em relação aos equipamentos, mas ainda enfrentamos problemas de escassez de pessoal, o ideal seria a contratação de mais policiais;, afirma.

Uma região esquecida

Professora do Departamento de Sociologia da UnB e coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança (Nevis), Maria Stella Grossi Porto avalia que o contexto da violência no Entorno ;é complexo e com diversas variáveis;. Segundo ela, além da falta generalizada de condições de vivência urbana, como acesso a equipamentos públicos, saúde, educação, lazer e segurança, há, ainda, uma indefinição em termos governamentais sobre o responsável pelos municípios. ;São cidades distantes de Goiânia e pouco interessantes para o governo estadual e, por outro lado, não são, a rigor, parte do Distrito Federal. Acaba se tornando uma terra de ninguém e, nesse sentido, faltam investimentos em todas as ordens;, explica.

Para o professor emérito do Departamento de Serviço Social da UnB e docente de psicologia social da Universidade Católica de Brasília (UCB) Vicente Faleiros, uma das alternativas para a diminuição da violência é a prevenção com um trabalho de rede estruturado. ;É preciso envolver centros de saúde, assistência social, escola, conselhos tutelares, a igreja e a polícia. Os militares têm um papel importantíssimo nessa etapa, porque eles podem participar de palestras educativas, mas é preciso que essa rede esteja bem organizada;, avalia.

Na avaliação do estudioso, o desemprego, as drogas, a falta de acesso a políticas públicas e a ausência de espaços culturais nas cidades influenciam a entrada ao mundo do crime. ;Não podemos estigmatizar o Entorno, mas há dimensões que precisam ser consideradas, porque são cidades onde há muita juventude desempregada, que servem como acesso para a rota do tráfico de drogas em Brasília e que não oferecem espaços de lazer e cultura, nem de acesso a políticas sociais;, alerta.

Apesar disso, ele considera que o crime organizado não tem limites. Na visão do professor, esses bandidos agem conforme a demanda. ;Como, por exemplo, neste ciclo do crack, que é uma droga terrível, porque, além de inserir o jovem no mundo do crime, ele destrói o usuário;, pontuou.

* Sob supervisão de José Carlos Vieira

Três perguntas para
O comandante do policiamento do Entorno Sul, tenente-coronel Marques Nunes Azevedo


De que forma a polícia tem atuado no Entorno Sul, principalmente nas regiões de Valparaíso, Cidade Ocidental e Novo Gama?

Desde o ano passado, houve um incremento no policiamento ostensivo nas cidades entre o Novo Gama e Cristalina. O resultado refletiu nas reduções dos índices de criminalidade que estão caindo há mais de cinco anos seguidos, como os casos de homicídio, furtos, roubos a pedestres, roubo a residências e de veículo. De forma geral, no Entorno Sul, os homicídios reduziram mais de 23% e os outros casos de furtos e roubos em geral caíram 40%.

Qual é o efetivo policial das cidades de Valparaíso, Cidade Ocidental e Novo Gama?

Em Valparaíso, são 102 policiais divididos em escala de 24 por 72 horas. Já na Cidade Ocidental são 68 militares nessas condições. Além disso, a Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária de Goiás (SSPAP) disponibiliza, mensalmente, R$ 120 mil para pagamento de trabalhos extras remunerados. Um policial que está de folga recebe R$ 400 pelo dia de expediente. A partir do serviço remunerado e com o policiamento reforçado, os índices de criminalidade estão caindo. Hoje quase não existe mais latrocínio na região do Entorno Sul. Em Valparaíso e na Cidade Ocidental, estamos apreendendo quantidades expressivas de drogas e realizando várias prisões. Já em Novo Gama, nosso efetivo é de 129 homens. Temos, ainda, R$ 68 mil de verba extra remunerada dividida para complementar o serviço e, como em todo o Entorno Sul, os crimes na cidade estão reduzindo desde 2013.

Por que, mesmo com os índices em queda, os crimes no Entorno continuam assustando moradores?

Eu diria o contrário. Algumas regiões de Brasília impactam na segurança do Entorno. É o caso das cidades de Santa Maria, Gama e São Sebastião. Por terem uma população maior que as cidades do Entorno, isso acaba refletindo aqui. Além disso, há todo um estigma do Entorno como uma região violenta.