Cidades

Diante da 'guerra', prefeituras recorrem a parcerias contra a violência

Prefeito de Valparaíso, Pábio Mossoró (PSDB) admite que o quadro de agentes da segurança pública é deficitário

Ricardo Faria - Especial para o Correio, Roberta Belyse - Especial para o Correio, Luiz Calcagno, Isa Stacciarini
postado em 27/08/2017 08:42
A ONG Programando o Futuro: cursos para jovens e adultos
Com poucos recursos diante da guerra urbana, as prefeituras de Valparaíso e Cidade Ocidental recorrem a parcerias e ampliação de horas extras para o pequeno efetivo de policiais civis e militares. É importante destacar que as ações para tentar mudar o quadro de violência ocorrem em um cenário de total falta de infraestrutura e omissão do Estado. Nenhum dos municípios possui uma secretaria municipal de Segurança. Para especialistas, por conta da posição geográfica, as regiões se tornaram ;terra de ninguém; (nem do GDF nem do governo de Goiás). As localidades dependem de investimentos do estado de Goiás, em Goiânia, distante 190km, e do apoio da PM do DF, cuja atuação é limitada pela fronteira estadual.

Prefeito de Valparaíso, Pábio Mossoró (PSDB) admite que o quadro de agentes da segurança pública é ;deficitário;. Segundo ele, 40 policiais militares estão passando por treinamento para ingressarem no batalhão da região. ;Formamos também a primeira turma de guardas municipais em novembro. Ao todo, 77 atuarão na cidade a partir de dezembro;, adianta. A prefeitura usa a Secretaria de Cultura para atuar nas escolas com atividades no contraturno da aula a fim de manter os estudantes fora das ruas.

Guarda municipal

O prefeito da Cidade Ocidental, Fábio Correa (PRTB), também admite que ;a situação não é a ideal;. Lá, o efetivo de policiais militares caiu de 130 para 60 em 10 anos. Ainda assim, segundo o gestor, os índices de violência têm caído. ;Cerca de 80% da iluminação foi revitalizada. Instauramos a guarda municipal, com 26 agentes, e logo teremos mais 15;, promete. A PM conta com três carros e quatro motos para patrulhar toda a área e espera a chegada de um quarto veículo. O prefeito negocia a ampliação do atendimento da delegacia local, que funciona em horário comercial.

De acordo com o delegado da Cidade Ocidental, Frederico Gama, é comum que os policiais fiquem sobrecarregados. ;Temos um número pequeno de agentes. Mesmo assim, o trabalho tem rendido bons números. A Cidade Ocidental é considerada hoje a cidade menos violenta do Entorno Sul;, afirma.

Personagem da notícia
Viva, graças a Deus

A professora Auxiliadora da Silva, 53 anos, é uma sobrevivente da violência na área rural da Cidade Ocidental. Carrega, no corpo e na alma, as marcas de uma tentativa de assalto em sua chácara, na região. Levou um tiro de espingarda calibre .12. Um ex-aluno da mulher efetuou o disparo, a uma distância de 5m. Ele não foi sequer indiciado pela tentativa de latrocínio, mas acabou preso por estrangular uma mulher em Luziânia tempos depois.

Auxiliadora sobreviveu, mas perdeu o seio esquerdo por conta dos disparos. Está viva porque usou a porta da casa para desviar parte dos projéteis. Ainda guarda, como recordação, a porta crivada pelas inúmeras bolas de chumbo lançadas pela arma.

Moradores tentam buscar soluções

Enquanto políticos adotam um discurso burocrático e, quase sempre, ineficiente, a população busca soluções cidadãs para encarar o dia a dia em meio à violência urbana. Em Valparaíso, Vilmar Simion, 37 anos, ajudou a criar a organização não governamental (ONG) Programando o Futuro, que oferece, de graça, cursos de informática, técnicas de reutilização de lixo eletrônico e ações de estímulo à cultura independente para jovens e adultos. ;Nós buscamos inserir essas pessoas num contexto social em que elas possam ter uma nova perspectiva de vida;, detalha.

[SAIBAMAIS]A instituição capacita cerca de 800 alunos por ano e muitos têm a chance de ser contratados pela própria ONG. Nascido em Valparaíso de Goiás, o jovem Natã Vieira, 23 anos, por sua vez, atua em conjunto com amigos oferecendo doações de roupa, cobertores, comida e utensílios de higiene para moradores de rua e dependentes químicos. ;Se eles têm o mínimo de ajuda, não têm o por que roubar;, argumenta.

Na Cidade Ocidental, o cabeleireiro Marcelo Rodrigues, 37, ensina o ofício, gratuitamente, a quem quiser. Órfão e de família humilde, criou o projeto social Corte com Amor para ajudar ;no futuro dos jovens;. ;Tenho alunos de todas as idades. Três dos garotos que aprenderam comigo já estão pensando em abrir um negócio para trabalhar;, orgulha-se. Atualmente o curso conta com 62 inscritos. ;Temos uma turma de 26 alunos e outros 36 na fila de espera. Todos querendo um futuro diferente;, diz.

Idealizador do projeto Vidas Sim, Drogas Não, o assistente social Wilton Monteiro também batalha para transformar a região. O projeto foi selecionado para receber verba do governo federal. ;É preciso ocupar a mente dos jovens. Só assim eles não se envolverão com a criminalidade. Conseguimos o apoio que precisávamos e, em breve, ofereceremos esporte, cultura, lazer e capacitação a quem quiser uma vida diferente;, garante.

Mestre Miro:

Capoeira

Valdemir Teixeira Correa, 36 anos, mais conhecido como Mestre Miro, aposta no esporte para transformar a juventude do Novo Gama. Ele percorre vários bairros da cidade para ensinar a arte, na rua ou em escolas públicas. O nome do projeto é Incentivart, e ele conta com a ajuda de alunos mais velhos para abraçar as localidades. ;Eu sei o que a capoeira pode fazer na vida da pessoa, porque transformou a minha. Nasci e cresci na periferia. Minha adolescência foi toda na malandragem e me transformei quando comecei a praticar;, conta. ;No início, os jovens pensam que vão aprender a se defender. Depois veem que capoeira é vida e, então, se apaixonam. A partir daí, isso ocupa um espaço importante na vida do adolescente e ele começa a se transformar;, explica.

Everton Jhonatas Alves da Silva, 35, trabalha com igrejas evangélicas da região. Ele procura vagas em clínicas de reabilitação e recebe indicação das congregações para conversar com dependentes químicos. ;Fazemos um trabalho de convencimento. É uma chance boa de a pessoa mudar. Quem aceita é levado imediatamente para a clínica, caso contrário, perdemos a oportunidade;, afirma.

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