Guilherme Goulart
postado em 28/08/2017 16:15
Ne me
quitte pas
Alfredo é homem como poucos. Reúne adjetivos indispensáveis à maioria das mulheres. Sincero, dedicado e gentil, Alfredinho, como gosta de ser chamado, pratica o amor. Dá flores, lembra as datas importantes e enche as namoradas de mimos diários. Se não bastasse, é bem-sucedido. Graduou-se em duas faculdades: engenharia e economia, ambas pela UnB. Aos 32 anos, mantém a própria empresa de consultoria. Trabalha em um amplo espaço de coworking, no Setor Comercial Norte, dividindo e absorvendo conhecimento. Criado no Lago Sul, é o exemplo perfeito do que, há alguns anos, chamava-se de partidão.
O empreendedor começou a namorar logo nos primeiros anos da adolescência. Não por iniciativa exclusiva dele, mas também delas. Charmoso, Alfredinho é daqueles que não precisa sair em busca de potenciais companheiras. ;Jamais gasto cartucho à toa;, repete, aos íntimos. Amigos, aliás, são poucos. Não tem tempo nem paciência, a não ser comigo, que o conheço desde a infância, e mais um ou dois. Além disso, os namoros, engatados uns aos outros, dificultam amizades profundas. Raramente, o encontramos em festinhas da guerra brasiliense, como o Outro Calaf e o Sub Dulcina.
Em algumas semanas, porém, uma mudança estaria a caminho. Alfredinho enfrentava, excepcionalmente, um período de entressafra. Vivera com a querida Dani por dois anos uma relação repleta de amor e carinho. Parecia que se casariam. Um dia, sem mais nem menos, Alfredinho terminou o namoro com a empresária. Desinteressou-se, assim, de supetão. "Perdi o tesão, Armando", resumiu, por WhatsApp.
Eu sabia ; e ele mais ainda ; que a solteirice duraria pouco. Dias depois, Alfredinho conheceu Suzana em um workshop no Centro de Convenções. De recém-feitos 21 anos, a jovem revelava olhos de pôr do sol, de tão brilhantes. Era uma gracinha, como quase todos concordavam. Certeza é que Alfredinho logo se apaixonou pelo jeito sapeca e desapegado da mocinha.
Ligou-me, certa feita, para contar que Suzana o acordava, todo domingo, cantando, bem baixinho, os versos de Ne me quitte pas. Não era segunda, terça ou sexta. Mas domingo, sempre domingo. "Armandão, tu não acredita! Ela se espreguiça toda, solta um gemido gostoso, encosta a boca bem perto do meu ouvido e sussurra para mim, no mais delicado francês. Esta é para casar, meu amigo, para ca-sar", disse-me ele, com pausa e tudo.
Mas em uma manhã ensolarada típica da seca brasiliense ele acordou abandonado como cachorro de rua. Vasculhou cada canto da casa, na QI 28, antes de acreditar que a garota o deixara. A jovem Suzana o havia largado por livre e espontânea vontade. A primeira a fazê-lo. Depois disso, o meu velho amigo sumiu. Deixou a empresa aos cuidados dos colaboradores e se fechou na própria dor. Alguns vizinhos comentam que, todo domingo, bem cedinho, é possível ouvi-lo: "Ne me quitte pas/Il faut oublier/Tout peut s;oublier/Qui s;enfuit déjà..."
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