Cidades

Especialistas tentam descobrir qual é a identidade sonora de Brasília

Acervo da inciativa, que nasceu no ano passado, será disponibilizado, a partir deste sábado, no site do projeto

Alexandre de Paula
postado em 09/09/2017 08:00
Gustavo Elias e Kamai Freire gravando Repente na Casa do Cantador (Ceilândia)
A cidade tem sons. O metrô, a rodoviária, os cantadores, os sapos e as aves de lagos e lagoas, por exemplo, compõem a identidade sonora da capital federal. Mesmo que passem despercebidos na loucura cotidiana, cada um desses sons, garantem especialistas, ajudam a entender e a formar o que é o DF. E, a partir de hoje, alguns deles podem ser ouvidos on-line gratuitamente no site do projeto ;Identidades Sonoras; (www.identidadessonoras.org).

A iniciativa começou a construir um acervo de sons que formam a memória auditiva do DF e de regiões próximas em 2016. A ideia surgiu com os pesquisadores Gustavo Elias e Kamai Freire.

Colegas do curso de composição musical na Universidade de Brasília (UnB), os dois ficaram muito interessados quando estudaram, em 2015, o conceito de paisagem sonora, cunhado pelo canadense Murray Schafer. Para ele, os sons são capazes, entre outras coisas, de constituir uma representação singular de locais.

Além disso, segundo os pesquisadores, o som é deixado muitas vezes de lado em relação a outras maneiras de se fazer registros, como a imagem. ;Esse conceito da paisagem sonora é recente. É um terreno incipiente no nosso país. Atualmente, somos um dos poucos acervos brasileiros. E vivemos em uma sociedade centrada nas paisagens visuais;, explica Kamai.

Motivados pela ideia e pela falta de iniciativas do tipo, Gustavo e Kamai resolveram conhecer, pesquisar e documentar a paisagem sonora do DF e de regiões próximas daqui. ;Nós começamos a amadurecer essa ideia e fomos pesquisando e vimos que não tinha muitos estudos no Brasil. Sentimos que era um terreno bacana para trabalhar;, lembra Kamai. ;Queríamos também registrar como esses sons se relacionam à identidade do DF;, completa Gustavo.

Entre o fim de 2015 e o início de 2016, os pesquisadores começaram a fazer testes e a refletir sobre a possibilidade de levar a ideia adiante. Com o projeto, eles conseguiram apoio do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) e começaram, em março de 2016, a documentar profissionalmente os sons de diversas situações e regiões do DF e proximidades.

Categorias

Orientados pelo professor do Departamento de Música da UnB Flávio Santos Pereira, eles dividiram a pesquisa em três áreas: sons urbanos, da natureza e das tradições culturais. ;A gente optou por fazer uma categorização, até para fazer a triagem, e chegou a essas três categorias. A partir disso encontramos os 18 primeiros campos registrados pelo projeto;, detalha Gustavo.
A ideia é que mais ambientes sejam registrados para o acervo

Hoje o site disponibiliza cinco dos registros feitos pela equipe. Depois, os outros serão divulgados semanalmente. Os primeiros registros englobam as três categorias. ;Nos sons da natureza, há gravações da Lagoa Bonita, que é a maior lagoa natural do DF. Fomos no período de chuvas e temos os sons dos sapos e rãs de lá;, exemplifica Gustavo.

Três momentos foram escolhidos para apresentar inicialmente a categoria de tradições culturais. ;Vamos disponibilizar gravações do Encontro de Folia de Reis do DF, da Romaria dos Carreiros (que ocorre rumo a Trindade-GO) e do Império de São Gonçalo, festa na comunidade kalunga;, expõe o pesquisador. Para os sons urbanos, o primeiro local a ser disponibilizado é o metrô.

Acesso

O acesso ao acervo no site do projeto terá dois níveis gratuitos. O primeiro deles disponibiliza trechos das gravações, imagens e pequenos textos. ;Nesse primeiro nível, o público terá acesso à plataforma, mas sem as gravações na íntegra. Se a gente gravou 9 dias de uma novena por exemplo, ele vai ter um recorte disso tudo;, explica Kamai.

O segundo nível exigirá que o usuário faça login (que deverá ser solicitado à equipe) e que ele aceite um termo de responsabilidade quanto ao uso do material. ;Neste caso, a pessoa poderá ter acesso à íntegra, às gravações completas de tudo o que disponibilizarmos.;
O projeto começou a andar com apoio do FAC em março de 2016

O material pode ser usado para fins didáticos e de pesquisa, mas não pode ser utilizado comercialmente. ;O acervo se torna, por si, um instrumento muito rico de pesquisa. Daqui a algum tempo, alguém pode querer comparar o que mudou ou o que se manteve. É uma forma de você conseguir observar como essas tradições culturais, esses espaços se colocam e se reinventam;, acredita Kamai.

Permanente

A ideia é que o projeto seja permanente e que o som de outros espaços sejam registrados com o tempo. Além disso, a intenção é trazer pesquisadores de outras áreas para o estudo. A nova etapa começa com um registro maior dos cantadores de viola do DF.

Com o apoio do Fundo de Apoio à Pesquisa (FAP), oito profissionais de áreas diferentes, como música, antropologia, letras, museologia e artes visuais, analisarão as manifestações culturais dos repentistas no DF. ;Esse, por exemplo, é um modelo que a gente tem interesse em replicar com o máximo de manifestações culturais possíveis: juntar uma equipe transdisciplinar para estudar um objeto;, aponta Kamai.

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