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Veja os próximos passos do inquérito de racha na L4 sul

Polícia conclui que bombeiro e advogado envolvidos em acidente fatal na L4 Sul, em abril, assumiram o risco de provocar a tragédia. Segundo a investigação, eles disputaram racha depois de consumirem bebidas alcoólicas

Mariana Areias - Especial para o Correio, Júlia Campos - Especial para o Correio
postado em 21/09/2017 06:00
Segundo laudo técnico da Polícia Civil, o Fiesta vermelho da família Cayres trafegava na L4 Sul a 60km/h
O inquérito que levou cinco meses para ser encerrado trouxe uma decisão pouco comum em casos de tragédia no trânsito. Ao considerar laudos e testemunhas, investigadores da 1; Delegacia de Polícia (Asa Sul) concluíram que o bombeiro Noé Albuquerque de Oliveira, 42 anos, e o advogado Eraldo José Cavalcante Pereira, 34, devem responder por duplo homicídio doloso e dupla lesão corporal por envolvimento em pega disputado após a saída de uma festa. O acidente aconteceu na L4 Sul e resultou na morte de Ricardo Clemente Cayres, 46, da mãe dele, Cleusa Maria Cayres, 69, além de ferimentos no pai, Oswaldo Clemente Cayres, e no cunhado Helberton Silva Quintão (leia Memória). A investigação segue para a Justiça.
A disputa automobilística e o consumo de álcool, segundo o delegado-chefe, Gerson Sales, geraram o dolo eventual, ou seja, quando não há intenção de matar, mas se assume o risco de causar o acidente. ;No primeiro depoimento, eles confirmaram que tinham ingerido bebida alcoólica, mas em pouca quantidade. Testemunhas disseram que tiveram contato com Noé, e ele tinha sinais aparentes de embriaguez. Além disso, um agente do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) confirmou o fato;, detalha.
Noé Albuquerque é bombeiro e enfermeiro da Secretaria de Saúde
Em junho, laudo da Polícia Civil confirmou que o Jetta conduzido por Eraldo José estava a 110km/h no momento da colisão. Ele ainda fazia zigue-zague entre as pistas da esquerda e central, enquanto o Fiesta vermelho das vítimas trafegava a 60km/h ; a velocidade máxima permitida na via é de 80 km/h. No mês seguinte, o Ministério Público do DF e Territórios e o Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios entenderam que o caso deveria ser submetido ao Tribunal do Júri de Brasília, pois se trata de um crime doloso contra a vida. Gerson de Sales, responsável pelo inquérito, disse que, caso a dupla seja condenada pelos crimes indicados pela polícia, as penas podem resultar em 30 anos de prisão.

Segundo Renato Cayres, irmão de Ricardo e filho de Cleusa, a família espera que a justiça seja feita com a condenação. ;É um advogado conhecedor das leis e um bombeiro que fez um juramento para salvar vidas. Nós estamos vivendo uma vida remendada, não temos a presença da minha mãe e do meu irmão;, lamenta. A viúva de Ricardo, Fabricia Gouvêia, 48, esteve presente na entrevista coletiva organizada pela Polícia Civil para divulgar os indiciamentos. ;Essa resposta não foi mais nem menos, foi na medida que deveria ser;, avalia.
O advogado Eraldo José Cavalcante Pereira: rumo ao Tribunal do Júri
O advogado de Noé e Eraldo, Alexandre de Queiroz, disse ao Correio que não há como se manifestar no momento, pois não recebeu o relatório sobre a conclusão do inquérito. Ele afirmou que reúne provas de que não houve racha na noite do acidente. ;Ainda não tenho conhecimento do que foi feito. Mas a dinâmica que as coisas estão acontecendo neste caso está diferente do que é previsto na legislação. Ainda não tem denúncia do Ministério Público. Vou aguardar;, afirma.

[SAIBAMAIS]Em nota, a Secretaria de Saúde informou que aguardará possível condenação judicial, pois, ;a depender da sentença, o servidor (Noé) pode até mesmo perder o cargo;. O Corpo de Bombeiros apura administrativamente os fatos que envolvem Noé. De acordo com a corporação, na hipótese da confirmação de responsabilização do militar, ele sofrerá ;as medidas previstas, conforme legislação vigente, podendo sofrer sanções disciplinares e administrativas que variam desde repreensão à perda do cargo público.; O 3; sargento continua na função.

O advogado da família Cayres, Tiago Pugsley, revela que o indiciamento era esperado. ;Estávamos na expectativa, só esperando a conclusão para poder entrar com uma ação cível de reparação de danos;, explica. A respeito das provas que a defesa dos acusados diz ter, ele acredita que não seja nada que coloque em xeque o laudo da Polícia Civil e o depoimento das testemunhas. ;Vamos aguardar para ver o que ele tem para nos mostrar. Mas, se fosse algo de relevância, teria implementado o quanto antes, até para os clientes não terem que chegar a esse indiciamento;, argumenta.

Segundo o professor da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em trânsito Hartmunt Ghunter, a distância temporal entre o crime e a punição são parte do problema em situações semelhantes. ;Por que eles ficaram em liberdade por cinco meses? Há o pensamento de que, quando acontece esse tipo de situação, o autor não fará de novo, mas ele faz, sim. Essa lacuna dá a sensação de impunidade;, diz.


Memória


Tragédia após festa

No início da noite de 30 de abril, três veículos saíram de uma marina do Lago Paranoá após passarem o dia em uma festa. O advogado Eraldo José Cavalcante Pereira, 34 anos, era o condutor do Jetta; Noé Albuquerque Oliveira, 42, sargento do Corpo de Bombeiros e enfermeiro da Secretaria de Saúde, dirigia uma Range Rover Evoque; e Fabiana de Albuquerque Oliveira guiava um Cruze. Os dois homens são acusados de participar de um racha, segundo a Polícia Civil, e de provocarem um grave acidente na Avenida L4 Sul, próximo à Ponte das Garças. Um deles atingiu a traseira do Fiesta vermelho em que seguiam Oswaldo Clemente Cayres, Cleuza Maria Cayres, Ricardo Clemente Cayres e Helberton Silva Quintão, condutor do veículo e cunhado de Ricardo. Com a batida, o carro da família Cayres saiu da via, bateu em uma árvore e capotou. O acidente provocou a morte de Cleusa, 69 anos, e do filho Ricardo, 46, que estavam no banco traseiro (fotos). Helberton e Oswaldo foram levados para o Hospital de Base do DF com escoriações. Fabiana, irmã de Noé e cunhada de Eraldo, foi a única que permaneceu no local do acidente. O carro dela também foi atingido pelo Jetta.


Três perguntas para


; Fabrícia Gouveia

Como a família recebe a notícia de que a Polícia Civil concluiu o inquérito como homicídio doloso?
Como um primeiro passo num caminho bem longo, com bastante alívio e sentimento de que a Justiça está realmente de olhos abertos. Ultimamente, a sociedade tem recebido esse tipo de crime com muita tranquilidade e não deve ser assim.

Como entende a demora na conclusão do inquérito?
No começo, a gente achava que não daria em nada, pois os acusados têm bom poder aquisitivo, até mesmo pelos carros que dirigiam e pelo fato de um ser bombeiro e o outro, advogado. Com o apoio do nosso advogado, fomos vendo o desenvolvimento das investigações, que estavam sendo encaradas de uma maneira bem séria e cuidadosa. Concluímos que estávamos certos em esperar pela Justiça até hoje.

Cinco meses depois, qual é o sentimento?
O tempo não significou nada. Estamos exatamente no mesmo lugar onde estávamos quando tudo aconteceu. A gente ainda sofre do mesmo jeito, a nossa família está destroçada do mesmo jeito, a gente sente a falta deles do mesmo jeito e, a cada dia, é uma dor diferente. Nada vai apagar a convivência que tivemos com eles, a importância deles nas nossas vidas. A nossa família está no mesmo lugar, e acho que a gente nunca vai sair de lá.



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