Patrícia Nadir - Especial para o Correio
postado em 21/09/2017 06:00
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Eles transformaram as limitações em linguagem. Das pernas que não se movem, cria-se o arrastar do cidadão ao levantar da cama rumo ao trabalho. Do intelecto que prega peças, conta-se o estresse e a desorientação da hora do rush. Essas belezas e bagunças da rotina poderão ser contadas em Bariloche, na Argentina, por 10 atores com deficiências físicas e intelectuais no espetáculo Similitudo. A peça narra o dia a dia a partir de movimentos performados por cada artista.
Para levar a história à cidade à beira da Cordilheira dos Andes, no entanto, esses artistas ainda precisam superar mais um obstáculo: a falta de verba. Eles fazem parte do projeto ;Pés;, iniciativa do Departamento de Artes Cênicas da Universidade de Brasília (UnB) de inclusão de pessoas com deficiência por meio do teatro e da dança. O grupo precisa atingir a meta de R$ 69 mil antes de 1; de novembro, data provável da apresentação (veja Ajude).
Caso a trupe consiga reunir o valor, o ator Roges Moraes Mendes, 22 anos, terá oportunidade de realizar o sonho de viajar para fora do país. O cadeirante está acostumado a pegar ônibus e metrô duas vezes por semana para ir de Ceilândia até a Asa Norte, onde os colegas ensaiam. Agora, o objetivo é pegar um avião rumo a Bariloche. ;Tenho muito orgulho de ver a semente que plantamos em 2011 começar a dar frutos;, afirma.
Roges faz parte do grupo desde o início, há seis anos, quando ainda era um rapaz tímido. Agora, o ator dá palestras e lidera encontros sobre o convívio com a cadeira de rodas. Ele chegou ao grupo quando o idealizador do ;Pés;, Rafael Tursi, 33, ainda experimentava o projeto como parte da pesquisa de mestrado. A iniciativa cresceu, e o então mestrando se tornou professor voluntário da UnB. ;O maior beneficiário disso tudo sou eu;, orgulha-se.
Oportunidade
Rafael conta que a ideia nasceu do desejo de usar o teatro e a dança como reeducador corporal para deficientes. ;Eu tinha acabado de me formar, em 2009, quando me questionei o que eu queria ensinar, o que eu queria comunicar. Depois que uma amiga minha sofreu um acidente de trânsito e ficou tetraplégica, percebi que os tratamentos para pessoas com deficiência eram sempre pelo físico, nunca pela arte;, narra, com carinho.
O uso do teatro como terapia fica evidente ao assistir a qualquer ensaio da trupe. Antes de repassarem as cenas, há tempo apenas para que todos possam interagir entre si. Além dos 10 atores com deficiência, o ;Pés; conta com outros 20 que auxiliam e integram o grupo. As atividades são baseadas em dinâmicas corporais e utilização de objetos ludopedagógicos, como corda, balão, lenço, massa de modelar. A cada exercício, há avaliações das próprias pessoas que o executam, a fim de ajudar a busca por uma dinâmica específica na hora da performance. De acordo com Rafael, adaptar é uma palavra-chave no processo. ;Adaptamos as práticas para criar meios para que eles possam executar. É a mesma aula, o mesmo conteúdo para todos, mas com diferentes abordagens. Cada um ao seu ritmo, ao seu tempo;, explica. Os ensaios podem durar até uma hora.
Com o método, Laura Garcia, 18, pode se expressar sem medo. Ela tem transtorno global do desenvolvimento, uma disfunção que compromete o desenvolvimento intelectual. A mãe, a revisora Cláudia Pádua, relata que o ;Pés; deu à filha uma oportunidade rara. ;Tentei colocá-la no balé, mas, lá, a Laura precisava se enquadrar num padrão diferente do dela;, relembra. ;Aqui, ela é ela;, completa, enquanto assiste à menina cumprir, com disciplina, as tarefas do ensaio.
Ajude
Para garantir participação no festival Arte Por Igual, o projeto precisa de doações. Quem quiser ajudar pode acessar o link http://bit.ly/2xJVrDt e deixar a contribuição com cartão de débito ou pagamento em boleto. Outra forma de levar o grupo a Bariloche é depositar ou fazer transferência bancária para uma das contas disponíveis no site do grupo: www.projetopes.com/faca-uma-doacao.
Dia Nacional da Luta da Pessoa com Deficiência
Hoje, é comemorado o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência. A data chama a atenção para a necessidade de inclusão das pessoas com deficiência, quase um quarto da população brasileira. Para celebrar o dia, o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) realizará uma semana de atendimentos voltados para essas comunidades, com atividades pensadas diretamente para esse público.