Cidades

Mais de 1,3 mil pessoas sumiram de casa no DF, somente no primeiro semestre

A maioria são crianças e adolescentes entre 12 e 17 anos. Famílias mantêm rotina de sofrimento com as marcas da ausência e do desamparo ante a falta de informações

Patrícia Nadir - Especial para o Correio
postado em 24/09/2017 08:00
Elizane da Silva OliveiraO sentimento de perda é uma dor permanente na vida da doméstica Edileusa Rodrigues da Silva, 45. Tudo começou em 29 de dezembro de 2009. Na data que ela jamais esquecerá, a filha Elizane da Silva Oliveira, na época com 9 anos, brincava em frente à casa da família, na Estrutural. Por volta das 17h30, Edileusa entrou em casa para pegar algo e, quando voltou, a pequena já não estava mais lá.

;Foi coisa de cinco minutos. Quando voltei para chamá-la, ela tinha sumido;, conta Edileusa, com um tremor na voz. Desde então, o sentimento de desespero a acompanha. Passados quase oito anos, a incerteza sobre o que aconteceu continua. ;Eu fiz tudo que estava ao meu alcance para tentar encontrá-la. As idas à delegacia foram infinitas. Busco incansavelmente até hoje.;

A brasiliense é enfática ao afirmar que nunca perderá a esperança de abraçar novamente a sua Elizane. ;Meu amor por ela é eterno. De uma coisa eu tenho certeza: nunca vou desistir de encontrá-la. Dentro de mim, ela estará viva para sempre;, desabafa, sem conseguir esconder a emoção.

O cenário de angústia e desamparo ante a falta de informações sobre o paradeiro de um ente querido é também a realidade do mecânico Fabiano Santos, 50 anos, que há sete sofre com o desaparecimento da mulher, Mônica Pereira Santos, na época com 39 anos. Desolado, o goiano faz o gesto de abraçar o próprio corpo enquanto revisita a memória.

;Era uma segunda-feira. Ela saiu bem cedo para tentar conseguir um emprego. A última vez que ouvi sua voz ficará gravada em mim para sempre. Tinha um barulho de trânsito no fundo, e ela disse que já estava voltando para casa. Mas nunca chegou;, lamenta Fabiano. ;O pior é não saber o que aconteceu. Ainda perco o sono imaginando o desfecho disso. A dúvida é minha eterna companheira. Ando pelas ruas procurando o rosto da minha mulher. Acho que vai ser desse jeito para sempre.;
Conflitos

No primeiro semestre deste ano, 1,3 mil ocorrências de desaparecimento foram contabilizadas pela Secretaria da Segurança Pública e da Paz Social do Distrito Federal. Dos 1.353 registros, 1.199 pessoas haviam sido localizadas até 10 de julho e 154 continuavam sumidas.

Durante todo o ano passado, o número de ocorrências chegou a 3.157. Desse total, 1.464 eram crianças e adolescentes, de até 18 anos. Isso significa que, em 2016, oito pessoas foram registradas como sumidas no DF, por dia. Segundo estatísticas da SSP-DF, 550 permaneciam desaparecidas até março deste ano, quando o estudo foi atualizado.

Das ocorrências, 1.545 eram do sexo feminino e 1.612, masculino. As mulheres apresentaram maior número na faixa etária entre 13 e 17 anos, com 76% dos casos. Até 12 anos de idade, o registro é de 59%. Em relação aos homens, as ocorrências são mais frequentes na faixa de 30 a 49 anos, atingindo 84% do total.

De acordo com Leandro Ritt, diretor da Divisão de Repressão a Sequestro (DRS) da Polícia Civil do DF, esses números nem sempre significam que os desaparecidos tenham sido vítimas de crimes. ;Após várias análises, percebe-se que os motivos para os desaparecimentos são inúmeros. São milhares de ocorrências, mas também são muitas as razões.;

Dados da Secretaria de Segurança Pública apontam que, entre as principais motivações para o desaparecimento de crianças e adolescentes, estão a fuga por conflitos familiares, violência doméstica e a perda por descuido ou desorientação. Muitos jovens, ao reaparecer, alegam que passaram alguns dias na casa de namorado ou amigo. Já entre os adultos é comum o sumiço para o consumo de entorpecentes ou também por irem para casas de namorados ou parentes, sem avisar a família.

Em caso de desaparecimento de pessoas, a recomendação da secretaria é que se procure imediatamente uma delegacia para notificar o acontecido, se possível já levando uma foto recente da pessoa procurada. Outra medida importante é manter todos os dados atualizados na polícia enquanto durar a busca.

Sem essa atualização, o trabalho da polícia fica dificultado, alerta Leandro Ritt. ;Com alguns familiares, depois do registro da ocorrência, não conseguimos mais contato. Eles mudam de número de celular e até de endereço, e não conseguimos localizá-los.;


Busca de justiça


Há sete meses, Regina Jussara Ferreira Lacerda, 40 anos, chora o desaparecimento da filha, Thayná Ferreira Alves, 21 anos. A técnica de enfermagem viu a estudante pela última vez em 16 de fevereiro deste ano, quando a jovem saiu de casa, em Valparaíso, por volta das 13h. Ela estava acompanhada do padrasto, o empresário Valdezar Cordeiro de Matos, 65 anos, que iria deixá-la em uma parada de ônibus da cidade.

Thayná Ferreira Alves

Desde então, as buscas não param. ;Não há um dia em que consiga dormir tranquila. A falta que ela faz é tão grande que eu não consigo expressar. Ela era uma menina tão sorridente, alegre;, conta Regina, com os olhos cheios de água. A suspeita da mãe é que Valdezar tenha matado e escondido o corpo da enteada.

Segundo o Grupo de Investigações de Homicídios (GIH) de Valparaíso, as últimas imagens de Thayná mostram a jovem entrando no carro do padrasto às 12h55 daquele dia e saindo do condomínio em que moravam. Ainda segundo a polícia, o padrasto voltou para casa 40 minutos depois e pegou uma sacola preta.

O GIH informou, também, que laudos sugeriram a presença de sangue nas roupas e na bainha de uma faca do empresário. Mas a perícia para investigar se o sangue era da jovem deu resultado negativo. Valdezar chegou a ser preso, em maio deste ano, mas foi solto após o fim da prisão temporária. O caso segue em investigação.

Para Regina, a motivação teria sido uma discussão entre a enteada e o padrasto, no aniversário da jovem, em dezembro de 2016. ;Teve uma briga feia entre os dois, no fim do ano passado. Depois da discussão, a Thayná chegou a riscar o carro dele;, conta a técnica de enfermagem. Agora, o maior sentimento da mãe é de que o caso não fique impune. ;Eu só quero que a justiça seja feita. E eu vou lutar até o fim. Pela minha menina;, desabafa, enquanto seca as lágrimas.


Cadastro único


No Brasil, estima-se que desaparecem por ano cerca de 250 mil pessoas, das quais 50 mil são crianças e adolescentes. O levantamento é da Associação Brasileira de Busca e Defesa de Crianças Desaparecidas (ABCD), ONG popularmente conhecida como Mães da Sé. Contudo, o número pode ser maior. Os dados não estão atualizados, por falta de um cadastro único de pessoas desaparecidas. Um exemplo dessa desatualização são os números do Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos, vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos. Atualmente, há apenas 368 casos registrados no cadastro.

Entre as ações para mudar esse cenário, segundo a pasta, estão em andamento um mapeamento de outros cadastros de crianças e adolescentes desaparecidos existentes no país e a discussão de como integrar essas ferramentas, além da construção de um novo site com informações sobre o tema.

Denúncia
Em caso de desaparecimento:DISQUE 197 (Polícia Civil do DF)
DISQUE 100 (todo o país) Denúncia

Ana Íris dos SantosQuem viu Ana Íris?
A família de Ana Íris dos Santos, 12 anos, procura a menina, que desapareceu na manhã do último dia 10, na QR 829 de Samambaia Norte, por volta das 10h. Ela vestia camiseta azul e bermuda jeans. De acordo com a educadora social Valdomira Dionísio, 59, Ana Íris é uma criança extrovertida, dedicada aos estudos e não costumava sair de casa sem antes avisar com quem e onde estaria. ;Ela frequenta a escola e nunca foi de fazer isso. É preocupante, pois a família é muito carente. Estão todos apavorados.; A 26; DP (Samambaia Norte) investiga o caso. Informações podem ser enviadas para a DRS, nos números 3207-5710/3207-5700, 98626-1197 (WhatsApp) ou para o e-mail denuncia197@pcdf.df.gov.br.

Estagiária sob supervisão de Valéria de Velasco, especial para o Correio.

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