Cidades

Para gringos, visitar Brasília é uma aventura inusitada e 'estranha'

O Correio acompanhou um trio de europeus que visitou a capital no auge da seca, com umidade abaixo dos 20%

postado em 28/09/2017 06:00
Laura, Felix e Claire aproveitaram a viagem para assistir ao desfile de 7 de Setembro, na Esplanada dos Ministérios

;Ceci n;est pas une ville; ou ;isto aqui não é uma cidade;. Para descrever Brasília, a fotógrafa francesa Claire Visée, 26 anos, recorreu ao quadro A Traição das imagens, do belga René Magritte. Na obra, o artista nega a presença de um cachimbo, ainda que estivesse desenhado na tela. Do mesmo jeito, o traçado de Lucio Costa traiu o olhar de Claire quando ela confrontou o mapa da capital com o dia a dia do brasiliense.

Ao decidir comemorar o fim do mestrado e passar o início de setembro no Brasil, a francesa fez questão de ;aproveitar uma experiência realmente brasiliense;. E o que significa essa experiência em uma cidade como Brasília? Afinal, ela vem de Bordeaux, um antigo povoado da Idade Antiga convertido em polo universitário, com muita vida noturna, no sudoeste da França. Realidade contrastante com o planejamento minucioso dos traços de Lucio Costa, Oscar Niemeyer e Burle Marx.

[SAIBAMAIS]Para, enfim, levar a ;experiência brasiliense; a cabo, Claire veio acompanhada do namorado, o historiador alemão Felix Kahlmann, 24, e da irmã gêmea Laura Visée. O Correio acompanhou a visita do trio em uma semana de seca e protestos que proporcionaram um choque urbano-cultural maior do que o Atlântico que separa os dois países.

Praça dos Três Poderes

"Por que o centro de tomadas de decisões do quinto maior país do mundo é tão vazio? Não parece que o presidente trabalha aqu", impressionou-se o alemão Felix. Lucio Costa bem quis que a Praça dos Três Poderes se assemelhasse à Concórdia, sua "equivalente" parisiense. Mas as francesas garantiram: uma não tem nada a ver com a outra. "E o que significa este obelisco?", indagou Laura. Não era um monumento do antigo Egito, como o que existe em Paris. Tratava-se do Pombal, escultura projetada por Oscar Niemeyer para abrigar os pombos da região.

Esplanada e desfile de 7 de Setembro

Na primeira visita, os europeus tiveram a mesma impressão da Praça dos Três Poderes: uma avenida tão importante e tão sem movimento. O oposto do que viram no feriado de 7 de Setembro, quando 20 mil brasileiros passaram pela Esplanada dos Ministérios. Nas tribunas, engravatados. Nas arquibancadas, gente que pegou transporte público a partir da periferia. "Finalmente deu para ver a hierarquia tão desigual da sociedade no Brasil", observou Felix.

Torre de TV

Hora de, enfim, ver o traçado de Lucio Costa de cima. "Quanto custa para subir?", pergunta o trio, imaginando preços nada convidativos, como o da subida de elevador na Torre Eiffel. Os três puderam deixar as araras e os micos - eles colecionavam as coloridas cédulas da moeda brasileira - de lado, porque o passeio é gratuito.



O Correio acompanhou um trio de europeus que visitou a capital no auge da seca, com umidade abaixo dos 20%

Parque Olhos d;Água

Caminhar nos parques de Brasília em pleno setembro requer coragem. Termômetros beirando os 30;C, com umidade abaixo dos 20%, fazem parecer loucura um passeio ao ar livre. "E quem teve a ideia de colocar asfalto no meio da natureza?", questiona a exausta Claire. Então, uma pausa para hidratar com um coco geladíssimo. O vendedor corrige a pronúncia da francesa.


As gêmeas francesas Claire e Laura Visée e o alemão Felix Kahlmann caminham no Parque Olhos d'Água

Igrejinha e Catedral

Ao se aproximarem dos azulejos de Athos Bulcão, os três europeus logo perceberam que se tratava de um lugar turístico, tamanho era o número de pessoas fazendo selfies diante deles."As igrejas daqui não se parecem com igrejas", descreve Felix. Não há basílicas góticas na capital, como as que enfeitam as cidades na Europa. Maior ainda era o espanto em saber que a Catedral saiu do desenho de um comunista ateu. "Quanta luz! Dá para enxergar tudo aqui", contou Claire, usando a parede da nave central como telefone, na clássica brincadeira de visitantes.

Zoológico

Animais em recinto fechado podem ser encontrados também na França. Mas foi fora das áreas cercadas onde os europeus mais se impressionaram com a fauna brasileira. A começar pelos enormes cupinzeiros do Zoo. "Deve morar uma cidade inteira de cupins aqui", impressiona-se Felix enquanto cutuca um dos montes de barro. Claire, fotógrafa, não perdeu a oportunidade de registrar o momento em que uma horda de macacos-prego teimou em cruzar uma das pistas do local. Entre os pássaros exóticos e os macacos, Laura citou as lontras, que chamamos de ariranhas, do aquário como os animais favoritos.

Bares na 408/409 Norte

"Não imaginaria que essa batida tão animada teria letras tão tristes", estranhou Laura após ouvir a versão samba de Flor de Lis, de Djavan, na voz de uma sambista em um dos bares mais badalados da rua. Tristeza, como a que estava estampada na cara do alemão Felix ao ver sua cerveja congelar no copo."Mas em lugar nenhum no mundo eu desembolsaria apenas R$ 7 para beber um litro inteiro", pondera. Estava na hora de pagar a conta quando os europeus foram abordados por uma velha senhora com cartas de tarô na mão: "Quer ler a sorte?".

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