Isa Stacciarini
postado em 29/09/2017 06:00
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Eles usam farda, aprendem a marchar e passam pelo mesmo curso de treinamento para ingressar na carreira. São chamados pela patente e têm porte de arma em algumas organizações militares. Em meio ao tradicional uniforme das Forças Armadas, ou de segurança pública, um símbolo na ombreira os identifica: a cruz latina ou a Bíblia aberta com um facho. São sacerdotes e pastores contratados pelo Estado para uma função religiosa na tropa. Eles também embarcam em missões e eventos específicos, mas para levar a espiritualidade e o apoio humano e social aos integrantes das corporações.
Além de celebrar missas e cultos para a comunidade militar, os capelães católicos e evangélicos também presidem casamentos, fazem palestras e atuam em casos de extrema unção, mas não têm tratamento diferenciado dentro da tropa. Respondem às mesmas hierarquias e exigências militares. Eles são policiais, bombeiros e militares da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.
Cada força tem uma quantidade de capelães. Na PM e nos Bombeiros, no DF, são dois: um padre e um protestante em cada corporação, respectivamente. Nas Forças Armadas, o número é maior. Na Aeronáutica são 35: 28 católicos e sete evangélicos em todo país. No Exército, 63 capelães estão divididos em 43 sacerdotes e 20 pastores. E na Marinha o número chega a 51: 37 católicos e 14 protestantes. Por enquanto não existem militares religiosos de outras doutrinas, porque a quantidade é definida por um censo que define o credo de cada militar. A cada 2 mil homens ou mulheres de uma religião há um concurso para o chamamento do capelão daquela crença.
Na vida militar eles começam como 2; tenente e podem chegar ao posto de coronel no Exército e na Aeronáutica e de tenente-coronel nas forças de segurança pública. Na Marinha eles vão até a patente de capitão-de-mar-e-guerra, equivalente a coronel. O militar evangélico na PM tem até o curso de tiro defensivo e anda armado. ;A autuação da polícia é constituída por Deus e o uso da força é legítima de acordo com a lei e a necessidade. Quando um policial age, é para livrar a vida de alguém;, justificou o tenente-coronel Gisleno de Faria, capelão evangélico desde 2009.
;Nós mostramos ao guerreiro que ele não está sozinho;
Na FAB os capelães não usam arma e dispensam o porte. Isso porque a Convenção de Genebra assim estabelece, já que eles não exercem a função de combatentes. A justificativa: ;Estamos aqui para gerar a vida e não a morte;, explicou o tenente-coronel. Natural de Guaratinguetá (SP), o oficial foi ordenado padre em Uberlândia (MG).
Como militar, passou por diversos estados, mas retornou a Brasília em 2017, após oito anos em missão no Norte do país, quando passou por Boa Vista e Manaus fazendo o trabalho de espiritualidade, fé e força aos militares que estavam longe das famílias. ;Levar uma notícia dos filhos e da esposa a um militar que está em missão, em regiões mais afastadas, alguns confinados há 40 dias, é muito gratificante. É uma alegria para nós quando podemos estar ao lado de um militar levando as novidades da mulher e dos filhos. Eles ficam com um sorriso no rosto;, destacou.
O militar ingressou na FAB cinco anos após se tornar padre. ;Nós mostramos ao guerreiro que ele não está sozinho. Deus os está abençoando e todos estão juntos. Prestamos todo apoio necessário;, contou.
;O salvamento é com os bombeiros. A salvação é com Deus;
Fora dessas ocasiões, no entanto, ou ele está de batina ou com calça preta e camisa tipo clergyman de sacerdote. ;Tenho muito orgulho em usar a farda dos bombeiros, mas identificamos que os militares se sentem mais à vontade quando me veem como padre. Costumo dizer que o salvamento é com eles. A salvação é com Deus;, destacou o padre, que é militar há 18 anos e foi ordenado sacerdote em 2003.
O tenente-coronel recebe as continências prestadas pelos colegas de farda de patentes mais baixas. Não usa arma e dispensou o porte. No treinamento para ingresso na corporação, foi liberado do curso de tiro. E, na formatura, em vez da espada, a bíblia estava em mãos. ;Não temos espada nem treinamento e somos isentos da arma;, explicou.
Quando recebeu a reportagem na capelinha dos bombeiros, com a batina no corpo, o tenente-coronel trazia o símbolo do setembro amarelo: a prevenção ao suicídio. Integrante da organização do Fórum de Prevenção ao Suicídio, ele e outros militares, como médicos, enfermeiros e psicólogos, organizam palestras e cursos em uma rede de saúde integrada. Nos bombeiros, em razão do contato diário com a vida e a morte, o estresse é presente na vida dos militares. ;Está comprovado que quanto mais fé, mais qualidade de vida, melhores os resultados profissionais, menor são os índices de suicídio, alcoolismo, envolvimento com drogas e doenças, como hipertensão;, reforçou.
;A maior gratificação é transformar vidas;
É na Capelania Militar Evangélica da Polícia Militar, no Setor Policial Sul, onde fica o tenente-coronel pastor Gisleno de Faria. Aos 35 anos, ele é o chefe da Capelania da PMDF. Formado em teologia e psicologia, o capelão tem a possibilidade de unir as duas formações nas questões ministeriais militares.Na corporação ele viu a oportunidade de continuar a missão protestante. Além da educação religiosa, o oficial também trabalha aspectos educacionais morais, valores, a importância da família e faz atendimentos hospitalares, domiciliares e a militares presos. ;Temos as horas de reflexão, oração e momentos com Deus;, ressaltou.
O tenente-coronel circula fardado e armado. Em atividades realizadas com vestes clericais, o uso da arma é dispensável, mas, sempre quando se coloca o uniforme, a pistola faz parte da composição. Na visão do capelão, apesar de ser pastor é, também, policial e precisa estar preparado para atender a qualquer tipo de ocorrência. ;O policial faz o uso da força para priorizar a vida;, destacou.
Ele reforçou ainda que, fora da organização militar, pastores civis atendem aos fiéis de acordo com a doutrina. ;Foi constatado que a assistência religiosa, humana e social contribui com o aumento da motivação profissional, da excelência e da boa relação entre os colegas;, pontuou.
Militar desde 2009, o capelão reforçou que o trabalho tem contribuído na redução de índice de suicídios, na violência doméstica cometida por policiais em casa e nos casos de alcoolismo e depressão. ;A maior gratificação é poder ajudar e ver vidas transformadas com as mudanças. Tenho orgulho em servir a pátria, em servir Brasília e fazer com que o policial tenha razões para voltar a viver;, destacou. O tenente-coronel tem mentores a quem ele recorre em casos de dúvidas ou crises.
O que diz a lei
O serviço religioso nas Forças Armadas é regulado pela Lei N; 6.923, de 29 de Junho de 1981, e tem por finalidade ;prestar assistência religiosa e espiritual aos militares, aos civis das organizações militares e às suas famílias, bem como atender a encargos relacionados com as atividades de educação moral realizadas nas Forças Armadas;. Com base na lei, cada Força organiza seu serviço religioso e estrutura seu quadro de capelães através das instruções gerais e instruções reguladoras.
Para saber mais
As atividades do serviço religioso são norteadas por duas linhas de ação: a assistência espiritual, que tem por objetivo despertar e desenvolver a dimensão espiritual do militar e dos seus familiares, bem como assisti-los nos momentos de crise ou de dificuldade; e a assistência religiosa, que tem por finalidade atender as demandas específicas da fé dos segmentos mais representativos da Força e é realizado através da missa, do culto, da reunião espírita, da catequese, da escola bíblica, do estudo de doutrina da ministração dos sacramentos.