Ricardo Faria - Especial para o Correio
postado em 09/10/2017 07:17
;Não tenho vontade de sair na rua. O medo está me vencendo.; Assim, Teo Carvalho, 26 anos, resume a insegurança na maior região administrativa do Distrito Federal. Esfaqueado, agredido e assaltado, o jovem não suporta mais a violência em Ceilândia. Morador da Quadra 18 da Expansão do Setor O, ele diz que o risco está perto de casa. ;Fui assaltado há dois meses, com a minha sobrinha, quando saí no portão. Levaram os celulares, fui arrastado pelo chão e ainda nos ameaçaram;, conta.
Além de roubos como o sofrido por Teo, a cidade acumula histórias de latrocínio, tentativas de homicídio e estupros. Todos esses crimes registraram alta na comparação de dados divulgados pela Secretaria de Segurança Pública e da Paz Social de janeiro a julho de 2016 e 2017 (veja quadro). O Correio esteve durante dois dias nas ruas de Ceilândia, nos dois batalhões da Polícia Militar e nas quatro delegacias de polícia responsáveis pela segurança local. A cada abordagem da reportagem, um olhar desconfiado, evidenciando o medo da população.
No último dia 24, Teo e o marido, Ed Carvalho, 30, foram esfaqueados em uma parada de ônibus, após uma tentativa de assalto a uma adolescente. ;Fomos defender a menina, mas eles (bandidos) se voltaram contra nós;, revela. Debilitado, ele levou duas facadas no peito, e o companheiro, uma nas costas. Dias antes, no Setor Habitacional Sol Nascente ; considerada a maior favela da América Latina, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ; o cunhado dele sofreu um espancamento após três criminosos tentarem levar a motocicleta.
[SAIBAMAIS]A violência também levou o ex-cobrador de ônibus Teo a mudar de emprego. Foi agredido por assaltantes no coletivo que cumpria uma linha circular de Ceilândia, mesmo entregando o dinheiro e o celular. ;Em três anos, fui assaltado 17 vezes. Em todas, apontaram uma arma de fogo para a minha cabeça. Não aguentei;, desabafa. Hoje, ele trabalha como caixa em um restaurante do Setor de Indústrias Gráficas (SIG).
Rendido e roubado há menos de um mês, o comerciante Rodrigo Pedrosa, 23, é outra vítima. Sofreu um assalto quando se preparava para fechar a lanchonete, no P Sul. Uma mulher armada o atacou por volta das 19h. ;Nós a vimos aqui um pouco antes. No fim do expediente, ela veio e nos assaltou. É uma sensação de revolta;, afirma. Na ação, a criminosa levou celulares e dinheiro.
Em outra loja, a menos de 200m do estabelecimento de Rodrigo, Joana (nome fictício), 55, teve quatro celulares levados por ladrões. O roubo mais recente aconteceu há cerca de um mês. A ação durou 30 minutos. ;Além do dinheiro, foram mais de R$ 5 mil em prejuízo só em aparelhos de celular. A polícia sabe quem é, mas não faz nada;, lamenta. Agora, ela anda com um aparelho que nomeou como o ;do ladrão;. Quando vou pegar o ônibus, eu escondo um e deixo esse daqui, caso venham me roubar;, explica.
Marcas
No P Norte, a situação é semelhante. Entre uma abordagem e outra do Correio, percebia-se a observação de pequenos grupos que se reuniam nas esquinas do bairro. Para andar pela cidade, é preciso atenção redobrada. Por 20 minutos, Rose (nome fictício), 57, pensou que morreria. Homens armados se fingiram de clientes no estabelecimento dela para roubar a caminhonete do filho, dias atrás. ;Até hoje fecho os olhos e me lembro da arma na minha cabeça;, relata. Segundo ela, o trabalho não foi mais o mesmo. ;Passei um tempo sem vir. O sentimento é de medo;, enfatiza.
Os criminosos não conseguiram levar o veículo, mas deixaram marcas na vida de Rose. Ela contou à reportagem que, a partir do dia do crime, qualquer pessoa diferente que entra no comércio é motivo de pavor. ;Eu fico desconfiada, nervosa. É uma sensação de morte;, descreve.
Rocinha brasiliense
As autoridades responsáveis pela segurança de Ceilândia também cuidam dos setores habitacionais Sol Nascente e Pôr do Sol, área considerada crítica e em espera de regularização. Assaltada três vezes em um mês, Jussara (nome fictício), que mora no primeiro condomínio, enfrenta problemas com a depressão e o medo. ;Estou afastada do trabalho há três anos. Fui roubada e fiquei traumatizada;, relata a cobradora de ônibus. Segundo ela, os bandidos a reconheceram e a ameaçaram de morte. ;Só fiz a ocorrência porque o motorista insistiu;, diz.
A população do Sol Nascente teria se aproximado de 100 mil habitantes. A maior parte da cidade não tem saneamento básico, e poucas são as ruas asfaltadas e iluminadas. O crescimento desordenado dificulta o policiamento, fazendo com que a criminalidade avance. ;Não temos como enfiar uma viatura lá dentro. O acesso é péssimo;, admite um PM. As forças policiais tentam combater a ação dos bandidos no local, mas esbarra no baixo efetivo. ;Não falta delegacia, falta gente para estar nas ruas;, denuncia um policial civil.
Segundo a Polícia Militar, o problema da reincidência criminal influencia, diretamente, o número de delitos. A corporação usa dados da Secretaria de Segurança Pública e da Paz Social (SSP-DF) para justificar a dificuldade: 37% dos presos em flagrante repetem o crime. No caso de adolescentes, o número salta para 70%.
Questionada acerca do trabalho realizado na cidade, a comunicação da PM explica, em nota, que ;a segurança pública abrange a atuação de diversos outros órgãos públicos e não apenas da PMDF. E que, diante disso, tem trabalhado de forma sistemática e ininterrupta em toda a região de Ceilândia;.
Em nota, a SSP-DF reforçou que os índices de criminalidade têm apresentado queda em comparação ao ano passado. A pasta ressaltou ainda a importância de as vítimas sempre registrarem as ocorrências nas delegacias da Polícia Civil.
Palavra de especialista
;A população está enjaulada;
;A ausência e a omissão do Estado, o uso indiscriminado do solo e as ocupações irregulares no entorno de Ceilândia agravam mais a situação da segurança pública da cidade. Com isso, o tráfico e a criminalidade tomam conta. A PMDF é uma das instituições que mais prendem no país, mas a criminalidade não para de crescer, de usar droga. Outro ponto bastante importante é que esses bandidos têm a fuga facilitada pelo abandono do Entorno do Distrito Federal. A região tem várias áreas de escoamento, o que dificulta o trabalho das autoridades. O problema só se agrava. Outro ponto importante nesse contexto é a impunidade. A população é refém, está enjaulada. Não existe polícia suficiente para prender num dia e, no outro, a Justiça soltar. A impunidade, talvez, seja o grande ponto de discussão.;
Antônio Flávio Testa, especialista em segurança pública
Três perguntas
Capitão Daniel Borges Santiago, subcomandante do 10; Batalhão da Polícia Militar de Ceilândia
No primeiro semestre do ano, houve aumento nos roubos a pedestres em Ceilândia. Há justificativa para esses crimes?
Não existe uma explicação precisa. Pode ser uma questão de oportunidade do bandido, descuido, uma série de fatores. Mas, certamente, o uso de drogas é um dos principais motivos de essas pessoas cometerem essa modalidade de crime. Nos últimos tempos, houve uma melhora, mas nós estamos atuando com operações para mudar esse cenário.
Qual é a justificativa para a população se sentir insegura?
Os números estão aí. Houve queda em quase todos os crimes. Isso é um sentimento individual. E, para mudar, precisa-se de tempo, de reeducação e de políticas públicas que mostrem que é seguro sair de casa. Mas justifica-se por conta da impunidade, que piorou com as audiências de custódia. Às vezes, prendemos um suspeito hoje e, amanhã, ele está nas ruas cometendo mais crimes.
Como é o combate à criminalidade?
Constatamos que os roubos a pedestres e a ônibus ainda destoavam. Por isso, intensificamos as patrulhas nos horários de saída e de chegada das pessoas. Colocamos viaturas em pontos estratégicos e de maior circulação, fazemos operações surpresas em áreas que consideramos mais críticas, como a entrada do Sol Nascente e a Expansão do Setor O. As rondas foram fortalecidas pela presença dos carros da PM, que ficam expostos em pontos estratégicos.