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Cárie faz estragos pelo DF; casos da doença são altos em regiões carentes

Mesmo sem estatísticas, governo admite elevado percentual do problema, decorrente de falta de higiene bucal em regiões carentes


Imagine uma menina de 8 anos perder dentes para a cárie. Isso acontece na capital federal e com uma frequência alarmante. Brasília está cariada. Uma pesquisa da Universidade de Brasília (UnB) mostra que 56,7% das crianças entre 6 e 7 anos do Paranoá têm cárie. A situação se repete na Estrutural. Lá, 61,6% sofrem com a doença. Longe de ser um problema pontual, a enfermidade é um mal contínuo na cidade. Apesar de não ter estatísticas, a Secretaria de Saúde destaca que Planaltina, Brazlândia, Ceilândia e toda a área rural reúnem a mesma tendência.

A celeuma tem causa específica: dieta ruim e prevenção precária. O fator socioeconômico colabora com esse panorama. Faltam dentistas, políticas de saúde e informação. A situação degringolou de tal forma que 24% das crianças perdem o dente. Outras 19% convivem com a dor. Mais que investimentos governamentais, acreditam especialistas, é necessária a transformação comportamental.

A menina de 8 anos que está prestes a perder um dente se chama Kézia Marques e mora na chácara Santa Luzia, área carente da Estrutural. Ela vive com a família, pai, mãe e mais dois irmãos, num barraco de madeira. A única vez que se sentou em uma cadeira de dentista foi para receber o diagnóstico irreversível. O dente está comprometido e precisa ser arrancado. ;Tudo começou com uma manchinha, que virou uma dor e acabou desse jeito;, conta a mãe da menina, a dona de casa Débora Marques, 22 anos.

A perpetuação de histórias como a de Kézia são as complicações futuras. Para se ter ideia do que o desleixo com a saúde bucal causa, um levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2015, mostra que 11% da população brasileira é totalmente desdentada.

Na casa de Kézia, os irmãos, uma menina gêmea e um garoto de 5 anos, não frequentam o dentista. A família não é atendida pela rede pública. Os médicos do Programa Saúde da Família não acompanham aquelas pessoas. ;Nunca recebi uma visita ou orientação. Faço com os meninos aquilo que acho correto, como escovar os dentes após as refeições;, destaca Débora.

Dieta e escovação


O abismo entre a população e o acesso aos tratamentos é a principal falha. A coordenadora da pesquisa da UnB, professora Soraya Coelho, acredita que cárie não é somente um problema de saúde, mas, sim, social. ;A cárie é uma doença cumulativa e a tendência é se agravar. Isso impacta na falta de apetite, no crescimento da criança, no desempenho escolar e na convivência social;, explica. A especialista acompanha esse cenário desde 2008. Os primeiros resultados da pesquisa foram divulgados em 2011 e o mais recente, no ano passado.

O que Soraya percebe no consultório médico é a falta de informação. ;Os pais, quando conversam com a gente, se sentem culpados. Eles têm dificuldades de acesso ao tratamento público e não têm condições de pagar. O que é preciso ser feito é o controle da dieta com baixa ingestão de doces, sucos industrializados e refrigerantes, além da escovação com creme dental com flúor;, acrescenta. Em média, as crianças que participaram do estudo têm 3,2 dentes com cárie.

Um projeto de monitoramento do Hospital Universitário de Brasília (HUB) acompanhou 180 mães antes do nascimento dos bebês. Elas assistiram a palestras e participaram de oficinas sobre saúde bucal. Metade das mães voltaram com os filhos ao serviço preventivo. ;Observamos que o fato de elas terem voltado pelo menos uma vez ao ano e terem seguido as recomendações reduziu em 46 vezes as chances de os filhos terem cárie em relação às crianças que deixaram de participar;, conta Soraya.

A professora de odontologia da Universidade Católica de Brasília, especialista em odontopediatria, Cinthia Castro, explica que grande parte das crianças desenvolveu cárie desde cedo e que a disseminação é rápida. ;Em áreas com nível socioeconômico maior e com atividades de promoção à saúde, há redução da prevalência da doença. O problema é que as lesões são extensas e se espalham rapidamente. Temos que prevenir para a doença não vir;, alerta. Ela se preocupa com casos severos quando os dentes permanentes são prejudicados.


Deterioração

A cárie está relacionada à desmineralização do dente, que ocorre quando tipos específicos de bactérias produzem ácidos que destroem o esmalte do dente e a camada logo abaixo dela, a dentina. Os ácidos removem os minerais dessa camada, e a falta de tratamento pode resultar na cárie. Existem três sintomas que mostram a doença: dor de dente, dores ao mastigar e sensibilidade ao ingerir alimentos ou bebidas quentes, frias ou doces. Diversos tipos de bactérias vivem na boca e se acumulam nos dentes em uma película pegajosa chamada placa bacteriana.


Em números


40%
Total da população que tem acesso a serviço público de odontologia

11
Centros especializados em odontologia que atendem à população no DF

61,6%
Percentual de crianças entre 6 e 7 anos que têm cárie na Estrutural

106
Equipes de saúde bucal que promovem prevenção e tratamento na cidade