Cidades

Incêndio na Chapada foi provocado, afirmam representantes do ICMBio

Fogo iniciado há uma semana já devastou 35 mil dos 240 mil hectares do parque, equivalente a 15% da unidade de conservação

Jéssica Luz- Especial para o Correio, Ricardo Faria - Especial para o Correio, Gabriela Sant'Anna - Especial para o Correio, Jéssica Eufrásio*, Renato Alves
postado em 24/10/2017 06:00
A seca, a baixa umidade do ar e os ventos fortes ajudaram a espalhar as chamas pela unidade de conservação: uma das mais importantes do cerrado, ela é o habitat de várias espécies em extinção ou que só existem no local, como o lobo-guará

Fora de controle, o incêndio iniciado há uma semana queimou, até a noite de ontem, 35 mil dos 240 mil hectares do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, o equivalente a 15% da unidade de conservação. Os prejuízos são enormes para a flora, a fauna, a vida humana, a agricultura e o turismo na região. Além do cerrado nativo, o fogo matou animais selvagens, destruiu áreas de pastagem e levou muita gente a ser internada por conta da inalação de fumaça. Principal atração natural de Goiás e um dos mais concorridos destinos dos brasilienses nos fins de semana e feriados, a reserva está fechada a visitação há cinco dias, sem previsão de reabertura.

Autoridades e ambientalistas suspeitam de ação criminosa por parte de fazendeiros insatisfeitos com a recente ampliação da área de proteção da Chapada, considerada Patrimônio Natural da Humanidade. Representantes do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) ; responsável pela administração do parque ; afirmaram ter certeza de que o fogo foi provocado. Eles ponderaram que chamas avançaram para áreas localizadas depois dos aceiros, faixas de terras capinada para conter o fogo. Segundo o ICMBio, não há possibilidade de o fogo avançar um aceiro. Para que isso aconteça, só se provocado intencionalmente.

Diretor do parque e também servidor do ICMBio, Fernando Tatagiba reforça a suspeita. ;Alguém colocou fogo na vegetação dos dois lados da rodovia GO-118 e no interior de um aceiro. Certamente se trata de uma pessoa que conhece a região e a nossa dinâmica de combate às chamas;, comentou ele. Tatagiba disse ainda que esse incêndio ;faz parte de uma série de ataques que teve início no dia 10 deste mês e acabou fugindo do controle;. A prefeitura de Alto Paraíso de Goiás, principal cidade da região, informou que a Polícia Civil investiga a causa do incêndio. Ela também será apurada pelo Corpo de Bombeiros, sem prazo para conclusão. Ainda não houve perícia, pois a prioridade é conter o fogo.

Seca e vento

Cerca de 200 pessoas integram a força-tarefa organizada para combater o incêndio. Entre elas, voluntários e integrantes do ICMbio, Grupo Ambientalista do Torto (GAT), Corpo de Bombeiros de Goiás e do Distrito Federal, Polícia Rodoviária Federal e da Prefeitura de Alto Paraíso. Elas têm o apoio de quatro aviões-tanque e três helicópteros, além de caminhões de água e veículos off-road. O Jardim Zoológico de Brasília enviou, ontem, quatro funcionários para atender animais atingidos pelo fogo. ;Prestaremos todo o suporte necessário no atendimento dos animais atingidos de alguma forma pelo incêndio até que a situação esteja controlada;, garantiu Gerson Norberto, diretor-presidente da instituição.

O clima na região, porém, dificulta o trabalho. Além da pouca quantidade de chuva ; o que deixa o ecossistema naturalmente mais seco e favorável a queimadas ; outros fatores contribuem para a disseminação das chamas, segundo Fernando Tatagiba. ;O vento sopra no sentido leste-oeste e joga o fogo na direção do parque. O período de seca e o acúmulo de combustível na vegetação também não ajudam;, observou o diretor da unidade. Ontem, os principais focos de incêndio estavam no Morro da Baleia, no Vale de São Miguel, na Serra da Boa Vista, entre outros pontos. A Coordenação de Combate e Prevenção de Incêndios do ICMBio mantinha equipe perto do Córrego dos Ingleses e no Jardim Maytreia.
Cerca de 200 pessoas integram a força-tarefa organizada para combater o incêndio. Elas têm o apoio de quatro aviões-tanque e três helicópteros

Internações

Centenas de voluntários contribuem com ações pontuais, como apoio psicológico e fornecimento de alimentos aos brigadistas. Uma delas é Ana Luisa Calil Perrone, moradora há 12 anos da Vila de São Jorge, pertencente a Alto Paraíso e também afetado pela chamas. Ela arrecada e leva lanches aos demais voluntários. Ana conta que foi obrigada a sair de casa por causa do cheiro forte da fumaça. ;Em todo esse tempo em que moro aqui, nunca aconteceu nada igual. Meu filho chegou a passar mal e tivemos que nos deslocar. O resultado é esse: crianças doentes, comércio afetado, propriedades destruídas;, lamentou.

A Defesa Civil de Goiás informou que não houve pessoas feridas nem houve casa atingida, mas não descarta a possibilidade de interdição de edificações rurais e urbanas. Muita gente procurou postos de saúde em busca de ajuda após inalar a fumaça do incêndio. ;Houve aumento de cerca de 20% a 30% nos atendimentos. A maioria, pessoas com problemas respiratórios causados pela fumaça. Algumas precisaram ser internadas e outras foram medicadas e liberadas;, contou Clindivaldo Gonçalves Gomes, diretor do hospital municipal de Cavalcante (GO). Distante 310km de Brasília, o município era um dos mais afetados pelo fogo ontem.

Emergência

A prefeitura de Alto Paraíso de Goiás decretou estado de emergência ontem. No entanto, não tinha um plano para aumentar o combate ao incêndio e ajudar a população a se prevenir ou recuperar perdas. ;Pretendemos, o mais rápido possível, nos reunir com os órgãos que estão nas frentes de combate para traçarmos os próximos passos. As ações devem ser muito bem estudadas para chegarmos a uma conclusão sobre a melhor forma de combate;, comentou o secretário interino de Meio Ambiente, Marlon Rogério Bandeira, após reunião com o prefeito Martinho Mendes da Silva (PR).

Bandeira confirmou que propriedades rurais foram queimadas, mas não soube precisar quantas nem o tamanho do estrago. Ele destacou que, até a noite, o fogo não havia atingido o perímetro urbano e nenhum morador precisou ser retirado de casa. Alertou para que os voluntários não tentem apagar o fogo por conta própria. ;Pedimos a todos que deixem essa tarefa para as equipes especializadas, para que novas tragédias sejam evitadas. Os voluntários podem contribuir com ações pontuais, na cidade;, afirmou, sem exemplificar essas ações.
Infográfico sobre o incêndio na Chapada

Decreto

Neste ano, o presidente Michel Temer (PMDB) assinou um decreto que ampliou a área do parque. Com isso, a extensão da unidade passou de 65 mil para 240 mil hectares. Anteriormente, o parque abrangia Alto Paraíso de Goiás, Cavalcante e Colinas do Sul. Com a mudança, outros três municípios foram incluídos: Teresina de Goiás, Nova Roma e São João D;Aliança.

Estrago

Este é o segundo grande incêndio na Chapada neste mês. No primeiro, que começou dia 10 e terminou sete dias depois, o fogo consumiu 18 mil hectares de cerrado. Ainda não se sabe a causa.

"Alguém colocou fogo na vegetação dos dois lados da rodovia GO-118 e no interior de um aceiro. Certamente se trata de uma pessoa que conhece a região e a nossa dinâmica de combate às chamas;
Fernando Tatagiba, diretor do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros

Pousadas amargam prejuízos

O incêndio no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros mobilizou a população das localidades mais afetadas. Fechado há cinco dias, e pegando fogo há mais de 10, a unidade deixou de receber milhares de pessoas. Estima-se que a reserva movimente quase R$ 100 milhões por ano. Essa é a segunda vez em menos de um mês que o bioma pega fogo. Depois uma semana fechado por causa de um incêndio, o local voltou a funcionar no último dia 17.

Segundo o diretor do parque, Fernando Tatagiba, em um feriado prolongado, ao menos 2 mil pessoas passam pelo parque. ;Ele é o principal atrativo turístico da região. Apesar de não cobrarmos ingressos, existem estudos que confirmam que movimentamos cerca de R$ 100 milhões para a economia em um ano, levando em conta o comércio e a rede hoteleira;, comenta.

A região da Chapada dos Veadeiros é composta por seis municípios: Alto Paraíso, Cavalcante, São João da Aliança, Colinas do Sul, Teresina de Goiás e Nova Roma. À exceção de Colinas do Sul, todos os demais são englobados pelo Parque Nacional. Nas seis moram cerca de 39 mil pessoas. A cada ano, os municípios recebem cerca de 250 mil turistas, que permanecem, em média, três dias na região. De acordo com João Lino, gerente de projetos, pesquisas e produtos turísticos da Goiás Turismo, agência de turismo do Estado, esse ramo da economia movimenta R$ 87,5 milhões por ano na Chapada.

Segundo ele, entre 20% e 30% dos habitantes serão prejudicados pelo incêndio por dependerem direta ou indiretamente do turismo na região. ;Há mais de 200 meios de acomodação, formais e informais, nos seis municípios. Embora todos os dados numéricos que temos sejam apenas projeções, sabemos que a Chapada é o principal destino internacional de ecoturismo e turismo de aventura em Goiás;, afirmou João.

Reservas canceladas

Dona de uma pousada na região, Luciana Kimiko Yoda começa a sentir os efeitos do incêndio. ;Os hóspedes que vieram no último fim de semana reclamaram bastante pelo fechamento de vários pontos turísticos e por ver tudo cinza. Houve uma queda de, pelo menos, 50% nas reservas;, lamenta. ;Várias reservas foram canceladas por conta do incêndio e do fechamento do parque;, reforça Téia Santos, proprietária de uma pousada na Vila de São Jorge. A baixa visibilidade por conta da fumaça também tem afastado os turistas. ;Passar pelas estradas está complicado. Tem muita gente cancelando reservas do fim de semana e do próximo feriado (2 de novembro, Finados);, conta outra dona de pousada em São Jorge, Fernanda Miranda.

Em Cavalcante, Alto Paraíso e na Vila São Jorge, voluntários se uniram para dar o suporte aos bombeiros e brigadistas. Moradores têm ajudado com alimentos, roupas e até no combate direto às chamas. Moradora de Cavalcante, Juliana Luz, 26 anos, ajudou com comida e água. Segundo ela, o auxílio é fundamental. Ela disse que o trabalho de contenção das chamas muita das vezes passa por trilhas íngremes em condições de difícil acesso. ;Há moradores de calça e blusa no rosto, sem estrutura nenhuma, com muita garra para tentar ajudar com o que pode;, ressaltou.

COMO AJUDAR

No combate ao fogo
Moradores de Alto Paraíso e entidades de defesa ambiental criaram a Rede Contra Fogo. Os voluntários montaram um site em uma plataforma de financiamento coletivo para arrecadar fundos destinados à preparação de lanches, ao transporte de voluntários, à logística de equipamentos e a operações de combate ao fogo.

Para saber mais, acesse:
catarse.me/redecontrafogoveadeiros

No resgate a animais
Voluntários do DF e da Chapada dos Veadeiros se reuniram para arrecadar materiais hospitalares para os cuidados com animais afetados pelo fogo. O grupo aceita medicamentos, soro, gazes, luvas, gaiolas, além de alimentos para voluntários e equipamentos de combate a incêndio. As doações serão recebidas hoje, na portaria do Zoológico de Brasília,
das 8h às 17h.

Mais informações:
982-717-029 (Fernanda) e 983-666-997 (Ingrid)

Famosos unidos

O incêndio na Chapada dos Veadeiros também mobilizou celebridades em uma corrente de pedidos de ajuda. Um dos mais ativos, o músico, compositor e produtor Renio Quintas disse que as redes sociais conseguiram impulsionar bastante a causa. ;O fogo está em áreas de difícil acesso. Toda ajuda material e de sustentação será muito bem recebida. Vemos um movimento aqui em Brasília e lá na Chapada. Apesar de ser um atentado contra a natureza, é muito bonito ver o empenho em ajudar;, destacou.

A atriz e comediante Maria Paula também está sensibilizada. Ela relatou que tem conhecidos que foram afetados com a queimada e que a situação, apesar de alarmante, trouxe uma corrente de mobilização muito grande e que ver tantas pessoas prestando ajuda traz um sentimento de esperança. ;São milhares de pessoas, todos os vizinhos estão se falando o tempo todo. Temos muitos grupos no WhatsApp com voluntários que estão indo combater o fogo diretamente;, contou. Ela tem casa na Chapada e está em contato direto com moradores, comerciantes e pessoas afetadas. ;Só conseguirei ir para lá sexta-feira, mas, enquanto isso, contato direto meu caseiro, que está prestando auxílio a todos que estão necessitando. Por hora, ele está à frente de um dos grupos;.

Ambientalista, a modelo Gisele Bündchen publicou um stories em seu Instagram com uma imagem do incêndio e o seu pedido de ajuda: ;Vamos salvar o berço das águas. A mãe natureza, toda fauna e flora agradecem.; Também uma grande defensora da natureza, a atriz Giovanna Ewbank postou, no Instagram, uma sequência de fotos e vídeos que mostravam as proporções do incêndio e abaixo um texto que pedia ajuda em nome da Rede Contra Fogo, composta por moradores de Alto Paraíso mobilizados em conjunto com a Rede de Integração Verde (RIV), Mandato Coletivo, IBC, Fundação Mais Cerrado e outros representantes do município.

Via Twitter, a nadadora Joanna Maranhão afirmou ter feito uma doação e pediu dos seus seguidores. ;SOS Chapada dos Veadeiros! fiz uma doação hoje. Quem puder, faça também!”. Outros artistas que demonstraram apoio à causa pelas redes sociais são a cantora Preta Gil e a atriz Letícia Spiller.

* Estagiária sob supervisão de Renato Alves

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