Cidades

Incêndio na Chapada queimou 80% do território de Cavalcante

Pequenos produtores rurais sofrem com o drama na Chapada dos Veadeiros, morte de animais e rios sem água dominam a triste paisagem. Aumentam as suspeitas de que criminosos atearam fogo no parque

Renato Alves - Enviado Especial
postado em 27/10/2017 06:00

Povoado Rural Capela, na Chapada: ao fundo, as chamas e a desolação

Cavalcante (GO) ; Das seis cidades ocupadas pelo Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no nordeste de Goiás, Cavalcante é o que mais sofre com o incêndio iniciado há 10 dias. O fogo queimou 80% do território dos 7 mil quilômetros quadrados do município de 9,7 mil habitantes. Distante 360km de Brasília e 560km de Goiânia, ele é o terceiro maior município em extensão e um dos mais pobres e isolados do estado limítrofe do Distrito Federal.

[SAIBAMAIS]As chamas, que ontem continuavam incontroláveis, na área restrita e quase inacessível do Parque Nacional em Cavalcante, onde há muitas serras e paredões de pedras, agrava o cenário desalentador do município. Em meio àquela que é considerada a pior seca de sua história, devido aos mais de seis meses sem chuvas, moradores da zona rural assistem a chegada do fogo em suas propriedades e à morte em série de bovinos e equinos, devido à falta de água e de pastagem.

Córregos, riachos, ribeirões e rios secaram pela primeira vez. Falta água tanto para animais quanto para os habitantes dos povoados. ;A maioria depende do abastecimento de caminhão-pipa, mas não temos veículos para tanta demanda e, em algumas localidades mais distantes e sem estrada, o caminhão não chega. Com isso, os moradores estão abandonando as suas casas, a procura de lugares para sobreviver;, contou o prefeito de Cavalcante, Josemar Saraiva Freire (PSDB).

Rios sem água

A equipe do Correio percorreu os 112km da GO-132, estrada de terra acidentada e mal conservada que liga Cavalcante a Colinas do Sul, outro município goiano ocupado pelo Parque da Chapada. Atravessou 19 mananciais de água, sendo que 17 estavam sem água. Encontrou quase todas as represas das fazendas secas. Flagrou gado magro e alguns bois e vacas mortos. Quase toda a rodovia é margeada por cerrado queimado ou completamente seco, vulnerável ao fogo.

Uma das piores situações era a do Povoado da Capela. Em uma das propriedades, a Fazenda Bom Jesus, 500 das 800 cabeças de gado haviam sido transferidas para não morrer de fome e sede, como outras 15. As que ficaram, magérrimas, quase não tinham onde beber água. ;A gente dependia muito do Córrego Muquém,mas ele secou há uns 30 dias, assim como a nossa represa;, contou o caseiro, Valdemiro Soares Pereira.
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Medo do fogo

Ele, que mora na fazenda com a mulher, um filho e três netos, ontem, assistia, preocupado, a aproximação do incêndio iniciado no interior do Parque da Chapada há 10 dias. O fogo atravessou as duas últimas barreiras naturais até a propriedade rural: uma serra e o córrego seco. Na tentativa de contê-lo, 20 brigadistas do Ibama passaram as duas últimas noites e madrugada trabalhando na região. De dia, um avião Hércules da Força Aérea Brasileira (FAB) sobrevoou a área três vezes e despejou água no meio e no alto da serra, pontos inalcançáveis a pé.

Na sede do povoado, onde moram cerca de 40 famílias, em barracos e casebres, a população teme o fim da água potável. O Ribeirão da Capela, de onde tiram, com baldes e uma bomba, a água de beber e cozinhar, está quase seco. Sem outra alternativa, devido à seca dos demais mananciais próximos, os humanos dividem o córrego com os poucos bois, vacas e cavalos que restam. ;A gente tem um poço artesiano, mas a água dele é insalubre e também está acabando. Só serve para lavar roupa;, comentou Ailton José da Silva, 68 anos.

Nascido e criado no lugarejo, ele afirma que nunca viveu situação igual. ;Nunca secou córrego e morreu gado aqui;, ressaltou. Sem água, os grandes, médios e pequenos produtores rurais da região não plantaram nada esse ano. Os pequenos, como Ailton, dependem da cultura de subsistência. Ele e os vizinhos costumavam plantar milho, feijão e outros grãos em suas chácaras.

Queimaduras

Um brigadista calunga está em tratamento no Hospital Regional da Asa Norte (Hran), em Brasília, por ter sofrido queimaduras durante o combate ao incêndio que atinge o Parque Nacional. Ele lutava contra o fogo em sua comunidade, na área rural de Cavalcante, quando foi cercado por labaredas, escorregou e caiu. O homem teve o rosto e uma das pernas queimadas.

A vítima estava com um grupo de brigadistas do Ibama, todas calungas. Ele atuava contra o incêndio que destruía o cerrado no Vão do Moleque, povoado de Cavalcante. ;O brigadista ainda está em atendimento. Ele vai diariamente ao Hran, na companhia de um servidor nosso;, contou Devalcino Francisco de Araújo, comandante das operações do Ibama na Chapada dos Veadeiros.

Ainda segundo Devalcino, o responsável pelo incêndio, neste caso, que culminou nos ferimentos foi identificado e multado em R$ 50 milhões. ;Houve uma perícia. Trata se de um pequeno produtor rural. Provavelmente, ele não terá condições de pagar a multa, mas responderá criminalmente pelos danos causados;, afirmou o comandante do Ibama.

Os números da tragédia

O incêndio iniciado em 17 de outubro, e ainda em andamento, é o maior da história do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Até a noite de ontem, o fogo queimou 63 mil hectares, o equivalente a pouco mais de 26% da área total da unidade de conservação, que ocupa 240 mil hectares. Mas, somados os outros quatro incêndios iniciados e apagados desde 10 de outubro, foram queimados cerca de 76 mil hectares. Em todo o ano, o fogo consumiu 82 mil hectares. Mais do que toda a área antiga da reserva, que era 65 mil hectares.

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