Otávio Augusto
postado em 28/10/2017 08:00
O choro ininterrupto é possível ser ouvido de longe. Na porta da emergência pediátrica do Hospital Materno Infantil de Brasília (HmiB), dezenas de pais se amontoam em busca de atendimento para seus pequenos. Vários deles peregrinaram por outras unidades de saúde da rede pública e voltaram para casa sem atendimento. A crise na pediatria degringolou de tal forma que crianças esperam mais de oito horas para se encontrar com o médico.
A escassez de profissionais faz com que pais andem horas a finco sem ter certeza do atendimento. Até a classificação de risco é difícil. Ontem, o Correio acompanhou o funcionamento pediátrico no HmiB e no Hospital Regional da Asa Norte (Hran). A reportagem flagrou que de fato o atendimento não está acontecendo. Uma placa improvisada no HmiB alerta: ;Os pacientes classificados nas cores azul e verde (casos de baixo risco) não serão atendidos;.
Médicos, enfermeiros e vigilantes confirmam que a situação não está boa. Sob a condição de não ter a identidade publicada, eles detalham o calvário da pediatria. ;Tem sido recorrente pacientes graves serem mandados para casa. Uma criança chegou a convulsionar enquanto esperava atendimento;, detalha uma profissional do HmiB. Na emergência infantil do Hran, a história se repete. ;Às vezes fico sem saber o que fazer;, resuma a médica.
[SAIBAMAIS]A via crúcis é uma realidade para a pedagoga Daiane Freires Lima, 31 anos, e seu marido, o nutricionista Wendel Pinho, 34. Durante três dias ela tenta atendimento médico. O filho dela, Luiz Paulo, 2, está com febre e vômitos contínuos. ;Bate um desespero. O que eu vou fazer com a criança doente?;, reclama. A família percorreu mais de 80km, saindo de Santa Maria, passando por Taguatinga, asas Norte e Sul. Ontem, ela esperava havia mais de cinco horas no HmiB.
A peleja não é exclusividade de Daiane. No mesmo hospital, a dona de casa Gleisiane Gomes, 22 anos, aguardava impacientemente o atendimento. Um pediatra atendia naquele momento. Nicole, 10 meses, estava com febre. A jornada começou no início da manhã e, no fim da tarde, o tratamento era incerto. Ela passou pelos hospitais regionais de Taguatinga (HRT) e do Guará (HRG). ;Qual a intenção das autoridades públicas? Elas não percebem o que está acontecendo;, desabafou.
Problema generalizado
A situação delicada do atendimento infantil também se repete nos hospitais distantes da zona central da capital. Plantonistas detalharam a situação nessas unidades. No Hospital Regional de Planaltina (HRP), mais de 50 crianças viraram a madrugada de quinta para sexta-feira aguardando atendimento. No Hospital Regional de Sobradinho (HRS), outras 63 estavam na mesma situação. No HRT, pelo menos 40 esperaram atendimento e voltaram para casa sem tratamento.
Um dos casos do HRT é o da catadora de materiais recicláveis Poliana Pereira Mota, 28 anos. Ela saiu da Estrutural ainda na madrugada de ontem para procurar assistência médica. O termômetro marcava 39;C de febre. Davi Henrique, 4 meses, está amuado. Não mama direito, tampouco dorme. ;Cheguei ao HRT e tinha tanta gente. A enfermeira disse que meu filho merecia atenção, mas que não tinha condições de atendê-lo;, lamenta.
Sem atendimento, a Polícia Militar teve que ser chamada para conter uma confusão no Hospital de Planaltina. Durante a confusão, os ânimos ficaram exaltados e alguns pais tentaram arrombar as portas para invadir a parte da pediatria. A Secretaria de Saúde diz que os problemas estão relacionados ao deficit de pediatras. Atualmente, a rede pública conta com 579 profissionais. ;De 2015 a 2017, foram admitidos 90 profissionais. Nesta semana, foi publicado edital de concurso para cargos efetivos com 72 vagas de ampla concorrência e outras 18 para pessoas com deficiência;, explica, em nota.