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Não há provas de fraude no Enem, mas investigações continuam, diz polícia

Depois de prisão mais integrantes da Máfica dos Concursos no DF e em Goiás, investigadores focam na compra de vagas em universidades, principalmente nos cursos de medicina

Deborah Fortuna
postado em 31/10/2017 06:00
Ricardo da Silva do Nascimento é acusado de trocar as respostas para favorecer os candidatos que pagavam pelo esquema

A compra de vagas para garantir o ingresso em instituições de ensino superior será o próximo foco das investigações que apuram as atuações da Máfia dos Concursos. As polícias civis do Distrito Federal e de Goiás não descartaram a possibilidade de participação do grupo também na fraude de vestibulares. Um dos alvos poderia ser o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que será aplicado a partir deste fim de semana.

"Antecipamos a operação para esta semana visto que estavam planejando, via ponto eletrônico, fraudar o Enem 2017", afirmou o delegado da Delegacia Estadual de Repressão a Crimes contra a Administração Pública (Decarp-Goiás) Rômulo Figueiredo à TV Anhanguera.

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O delegado-adjunto da Delegacia de Repressão ao Crime Organizado (Deco), Adriano Valente, ressaltou que, ;quanto ao Enem, há suspeita que o grupo criminosos tenha atuado no certame de 2016. Por outro lado, acreditamos que não haverá tentativa de burla ao Enem em 2017;.

À imprensa, a diretora de avaliação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) Luana Bergmann Soares, disse que as provas do Enem estão garantidas.

Na segunda fase da Operação Panoptes, deflagrada ontem, foram cumpridos cinco mandados de prisão, oito conduções coercitivas e 15 mandados de busca e apreensão nas residências dos suspeitos. Entre os que foram depor coercitivamente está o secretário parlamentar da Câmara Legislativa Mário Gomes da Nóbrega (leia mais na coluna Eixo Capital)

A corporação estima que, pelo menos, 100 pessoas tenham comprado uma vaga no setor público. Pelo menos 10 confessaram o crime. Segundo o delegado cartorário da Deco, Maurílio Coelho, o preço das vagas variava de acordo com o edital (no caso dos concursos públicos), mas, na maioria das vezes, isso significava 20 vezes o salário do cargo conquistado. ;Só podemos garantir que a PCDF vai chegar em todos eles. Todos esses que fraudaram concurso público e que entraram pela porta dos fundos na administração pública serão conduzidos até a delegacia. Inclusive, para aqueles que quiserem se adiantar, as portas da delegacia estarão abertas para recebê-los;, afirmou o delegado.

As investigações apontam que o grupo agia aliciando candidatos a pagarem por uma vaga dentro de um concurso. Eles iam em porta de cursinhos, ou abordavam pessoas com apostilas de concurso nas mãos, e usavam o argumento de que apenas os que entravam no esquema deles conseguiam passar na prova. ;Diziam que não havia vagas que não fossem as do esquema. Então, muitas pessoas se sentiam intimidadas e, como estavam estudando havia muito tempo sem conseguir aprovação, acabavam aderindo;, comentou Maurílio Coelho.

[SAIBAMAIS]Para conseguir burlar o esquema, os criminosos podiam agir de várias formas: poderia ser com cola por ponto eletrônico, uso de celular escondido no banheiro, ou mesmo até na troca de gabaritos. Para o último passo, a organização contaria com a ajuda de Ricardo da Silva do Nascimento, ex-funcionário do Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos (Cebraspe), antigo Cespe.

Respostas

Ricardo trabalhava na instituição desde 2014 e foi demitido no início deste ano, quando se tornou suspeito do crime. Segundo o delegado adjunto da Deco, Adriano Valente, ele é acusado de trocar as respostas para favorecer os candidatos que pagavam pelo esquema e com o negócio teria movimentado R$ 1 milhão. ;Ele trabalhava na parte de digitalização das provas. Em resumo, ele preenchia a folha de resposta de candidatos que haviam pagado por uma vaga em determinados concursos. O próprio Cebraspe identificou ele;, comentou o delegado adjunto.

A operação também cumpriu um mandado de prisão preventiva contra Weverson Vinícius da Silva, que atuava como braço-direito de Ricardo no aliciamento de pessoas; e outros dois mandados de prisão temporária contra Alda Maria de Oliveira Gomes e Milson Iran da Silva, que foram ouvidos e liberados logo em seguida. A suspeita é que esses dois últimos trabalhassem para aliciar candidatos para vestibulares de medicina. ;Em poucos dias a gente deve deflagrar mais uma fase da operação, especialmente voltada a vestibulares, e os nomes das faculdades serão informados. Estamos apurando;, afirmou Adriano Valente.


Cooperação

Em parceria com a Deco, a Polícia Civil de Goiás também deflagrou uma operação, que cumpre mandados de busca e apreensão dentro do estado goiano. ;Enquanto a gente está cumprindo esses mandados, eles estão atuando em 18 mandados, simultaneamente. Inclusive há alvos em comum entre as duas operações;, explicou Adriano Valente.

Um dos presos no estado vizinho é André Luis dos Santos Pereira, que começou o contato com a máfia querendo ser comprador de uma das vagas no concurso. Com o tempo, ele passou a aliciar outras pessoas a entrarem no esquema. Ele também foi pego na Operação Patrick, que desarticulou um esquema fraudulento de vendas de moeda digital, chamada de Kriptacoin. A suspeita é de que o dinheiro ganho com a fraude nos concursos fosse investido neste outro crime. ;Ele se aproximou porque queria uma vaga, mas não efetivou seu ingresso no serviço público. Ele chegou como cliente, e depois começou a trabalhar para a organização. Ele cresceu bastante no esquema;, comentou o delegado adjunto.


Exonerados

A operação também deixou claro que nenhuma instituição de promoção de concursos é suspeita na investigação. ;Não é uma questão de banca examinadora. Eles tentavam fraudar todos os concursos. Cada certame que era aberto tinham a intenção de fraudar. Alguns eles tentaram e não conseguiram, outros obtiveram sucesso;, explicou Andriano Valente. Os que forem apontados como compradores de vagas podem ser exonerados do cargo e devem responder criminalmente pela fraude. Segundo o delegado, possivelmente, eles também devem pagar indenização pelo crime.

O advogado Marcus Figueiredo, que atua na defesa do Cebraspe, afirmou que a instituição cooperou, ao lado da polícia, desde as primeiras suspeitas. ;Esse cidadão não agiu com o protocolo de segurança. Ele foi desligado no início do ano. Quando o Cebraspe tomou conhecimento, automaticamente, desligou;, explicou Marcus.

Segundo o advogado, a empresa tomou conhecimento quando a operação foi deflagrada no estado de Goiás e, imediatamente, instaurou procedimentos internos para apresentar todos os documentos que eram requiridos. Além disso, a instituição deve agir para que casos como esse não se repitam futuramente. ;O Cebraspe não tem participação em fraude. É uma instituição que tem respeito no mercado por conta dessa prestação constitucional que exerce e que vai continuar cooperando com a polícia;, concluiu.

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