Mayara Subtil - Especial para o Correio
postado em 01/11/2017 06:00
Por pouco, Inácio (nome fictício), 79 anos, não morre por maus-tratos. Há três meses, ele foi encontrado em meio à bagunça e à sujeira em uma casa, em Ceilândia, por representantes do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas). O cheiro de fezes era insuportável. Ao redor do lote, mato alto. Total abandono.
O cenário foi descrito pela psicóloga Priscila Maria de Oliveira, que trabalha no Lar dos Velhinhos Bezerra de Menezes, em Sobradinho. Desde julho deste ano morando no lar, Inácio, que sofre de leve demência, chegou a parar na UTI. ;Nós o encontramos com muita dificuldade respiratória e desnutrido. Achei que nem sobreviveria;, lembra Priscila.
A denúncia veio de vizinhos de Inácio. Aos assistentes sociais eles contaram que o responsável pelo idoso era o enteado, 30 anos. Apenas os dois viviam no local e o parente não aparecia com frequência.
[SAIBAMAIS]A constatação de abandono por filhos é um dos pontos encontrados na 3; edição do Mapa da Violência Contra a Pessoa Idosa. O estudo foi realizado em conjunto pela Central Judicial do Idoso (CJI), do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) e pela Defensoria Pública do Distrito Federal (DPDF).
O levantamento foi possível graças à reunião de dados entre fontes distintas, principalmente do Disque Direitos Humanos (Disque 100), da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, do Núcleo de Estudos e Programas na Atenção e Vigilância em Violência (Nepav) e da Secretaria de Saúde do DF.
Cerca de 59% dos agressores são filhos ou filhas das vítimas. Em 8,14% dos casos, o agente é neto ou neta do idoso. ;O último caso que acompanhei foi de uma senhora de 85 anos que chegou a ser trancafiada na própria residência. Foram os filhos que fizeram isso;, contou a defensora pública Márcia Domingos.
Lagos Norte e Sul
Em regiões no Distrito Federal, Ceilândia é a cidade com maior número de casos, com 16,47%. Em seguida vem Taguatinga, com 10,92%. Por último, Plano Piloto, com 10,35%. Juntas, concentram cerca de 38% das denúncias. De acordo com a defensora pública Márcia Domingos, a agressão não tem relação com a economia brasiliense. ;As três primeiras regiões têm perfil socioeconômico completamente diferente, de baixo para alto. Recebemos denúncias, principalmente, dos Lagos Norte e Sul;, contou Márcia.
A promotora de Justiça de Defesa do Idoso, Sandra Julião, ressalta que o enfrentamento à violência contra o idoso não acaba com a punição familiar. ;Não adianta culpar sem oportunidades de modificação comportamental. Isso requer, em muitos casos, mudanças na conjuntura em que as famílias vivem. É preciso estender os limites da assistência por meio de ações previstas no Estatuto do Idoso", mencionou Sandra.
"Não adianta culpar sem oportunidades de modificação comportamental. Isso requer, em muitos casos, mudanças na conjuntura em que as famílias vivem"
Sandra Julião, promotora de Justiça de Defesa do Idoso