Cidades

Mais de 20 mil alunos correm o risco de perder o ano letivo

Prefeito e professores não entram em acordo e falta de aulas prejudica 22 mil crianças de 2 a 10 anos. A greve já se arrasta há 44 dias

Hellen Leite
postado em 01/11/2017 17:30
Os mais de 40 dias sem aula preocupa pais de alunos da rede municipal. Ano letivo de 2017 deve se estender até 2018

Em meio à indefinição sobre o retorno das aulas na rede pública de ensino de Luziânia (GO) mães e pais estão preocupados sobre como será o ano letivo dos filhos. Cerca de 22 mil alunos, de 2 a 10 anos, correm o risco de perder o ano letivo no município do Entorno de Brasília. Aproximadamente 80% dos professores da rede municipal estão parados há 44 dias e, na prática, não há mais tempo hábil em 2017 para repor as horas de aula obrigatórias do ano letivo. Três pais ouvidos pelo Correio reclamam de como o conteúdo será reposto e exigem uma explicação das autoridades. Eles acreditam que falta diálogo entre as partes envolvidas na greve.

Os professores reivindicam o reajuste da data-base, melhores condições de trabalho, auxílio-alimentação, pagamento do adicional de periculosidade para os servidores do administrativo e concurso público. Há três anos a categoria não recebe reajuste dos vencimentos. No início do mês, um grupo de 300 docentes chegou a acampar no saguão da Prefeitura Municipal para tentar uma negociação com o prefeito, Cristóvão Tormin (PSD), mas foi em vão.

[SAIBAMAIS] Os mais de 40 dias sem aula preocupam a diarista Ângela Aparecida de Oliveira, 36 anos. A filha dela, Eduarda de Oliveira, 10, está no 4; ano do ensino fundamental. Para a diarista, a maior dúvida está em como o município vai repor as aulas. "Se eles ficarem estudando nas férias e no fim de semana, tudo bem. Mas não é bom que eles tenham que terminar o ano de 2017 em 2018", comenta. O que, provavelmente, vai acontecer, já que os fins de semana de novembro e dezembro são insuficientes para repor as aulas que faltam, é a Secretaria de Educação não poder organizar o calendário de reposição, e, enquanto a greve não chegar ao fim.


Comissão

A diarista não é contra a greve, mas acha que há falta diálogo tanto por parte do estado quanto dos professores para resolver a situação. "Os professores merecem receber bem e ter seus direitos, mas as crianças já estão há muito tempo paradas", desabafa. Essa é a mesma preocupação da vendedora Maria Elizabeth Andrade, mãe de um menino de 8 anos, aluno do 3; ano. Ela conta que tenta aliviar o prejuízo da falta de aula ensinando o filho em casa. "Procuro fazer as tarefas com ele todos os dias, mas, mesmo assim, não é suficiente, não é o ideal. As crianças precisam da escola", diz.

Na tentativa de buscar diálogo com a prefeitura, um grupo formado por 40 pais e mães de alunos de diversas escolas do município montou uma comissão para acompanhar a greve. Um dos organizadores, o radialista João Pereira dos Santos, 51 anos, tem um filho de 6 anos matriculado na rede municipal e conta que pais e alunos estão prejudicados com o impasse. ;São duas preocupações, a primeira é que muitas mães trabalham e não têm onde deixar os filhos, então ou perdem o dia de trabalho ou pagam alguém para cuidar da criança. Além disso também tem a questão das crianças perderem o conteúdo de 2017, que não está sendo ensinado. É um prejuízo;, desabafa.

Na última audiência, feita no meio do movimento grevista, dez pais e mães se reuniram com assessores do prefeito Tormin, mas até agora paira a incerteza sobre o futuro da educação municipal. ;Essa é a pior greve de todas, já tivemos outras greves, mas nunca uma assim, sem diálogo e sem negociação da parte do prefeito;.

O objetivo do grupo de pais agora é tornar a comissão permanente, tanto para monitorar a qualidade do ensino nas escolas quanto para prevenir que os alunos sejam prejudicados em futuras greves. ;Acho que os pais estão cada dia mais conscientes de que tem que se inserir nessa luta por melhorias na educação dos nossos filhos;, finaliza.

Escolas precárias


Mesmo quem não aderiu à greve reclama das dificuldades enfrentadas nas escolas de Luziânia. A professora Tatiane Luiz Andrade dá aula para o 2; ano do ensino fundamental em uma escola da periferia da cidade, e, embora faça parte dos 20% dos professores que não aderiram à paralisação, expõe a crise da educação no município. ;Falta muito investimento, a xerox é paga pelos professores e na alimentação a prefeitura oferece arroz e feijão apenas;, conta.

Alunos estudam em escolas com infraestrutura precária

Há quatro anos as escolas municipais foram reformadas, no mandato anterior de Tormin, em um projeto batizado de Escola Renovada, mas o resultado não foi satisfatório e deixou escolas com reformas pela metade. ;Pelo nome [do projeto] pensamos que fosse acontecer uma revolução, mas não foi isso que vimos;, diz. Na escola onde a professora trabalha, por exemplo, algumas coisas melhoraram, como a reforma e a ampliação da cantina, construção do pátio coberto e reforma do banheiro das crianças. ;Mas uma coisa que precisávamos e não foi feita foi a reforma do banheiro dos funcionários. Simplesmente estava fora do projeto. A escola é super antiga, a encanação está fora de condições de uso e pedindo socorro;.


A promessa de campanha, que garantia a instalação de ar condicionado nas salas de aula, também não foi cumprida. ;Sofremos e muito com salas lotadas e quentes , além da baixa umidade do ar,", reclama.


Intervenção da Justiça


Sem negociação, o prefeito da cidade cortou o ponto dos professores que aderiram à greve no município, mas uma decisão da juíza Soraya Fagury Brito, da 2; Vara Cível de Luziânia, determinou que a prefeitura restabeleça o ponto dos servidores. Na decisão liminar, expedida em 9 de outubro, Fagury ordena ainda que ;seja garantido o pagamento dos vencimentos integrais de todos os servidores sob pena de multa diária de R$ 5 mil;. A prefeitura tinha dez dias para cumprir a decisão, mas não cumpriu.

Segundo o promotor de justiça, Fernando Centeno Dutra, que acompanha o caso desde o início, o Ministério Público do município já enviou à Prefeitura as recomendações de que o fim da greve seja negociado o mais rápido possível. ;O Ministério Público está atento ao movimento grevista deflagrado pelos professores da rede municipal de educação, especialmente seus reflexos no cumprimento da carga horária mínima anual estabelecida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional;, disse ao Correio.

Extrato do Portal da Transparência mostra os repasses do Fundeb para o município de Luziânia de janeiro de 2016 a setembro de 2017 O Executivo local chegou a oferecer um reajuste de 7.64% a partir de janeiro de 2018, mas a proposta foi negada pela categoria. Os professores sugeriram que o reajuste fosse de 12% em 2018, ;uma vez que o reajuste da data-base, por lei, deveria ser reajustado todo ano e desde 2014 os repasses não acontecem;, informou o Sindicato dos Trabalhadores da Educação de Goiás (Sintego).

De janeiro de 2016 a setembro de 2017, a Prefeitura Municipal de Luziânia recebeu um montante de R$ 131,1 milhões, apenas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Ao todo, 60% desse recurso deveria ser usado na remuneração dos profissionais da educação infantil municipal.

O Correio tentou diversas vezes contato com o prefeito de Luziânia, Cristóvão Tormin, e com a secretária de Educação, Indiana Carneiro Machado, mas até a última atualização desta reportagem não havia obtido resposta. Há um mês, Machado falou rapidamente sobre a greve e disse que um reajuste salarial para os professores comprometeria a folha salarial do município. Uma nova assembleia com a participação de pais e professores está marcada para segunda-feira (6/11).

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