Pedro Grigori - Especial para o Correio
postado em 05/11/2017 08:00
Após quase quatro meses de seca total, a volta das chuvas ainda não trouxe o alívio na crise hídrica que o brasiliense esperava. O nível dos reservatórios que abastecem o Distrito Federal continua baixo, chegando a situações caóticas, com o Descoberto beirando os 6% do volume total. O Correio ouviu especialistas para explicar qual o ciclo que a chuva percorre até chegar aos reservatórios. A expectativa é que o caminho entre os lençóis freáticos e as bacias hidrográficas demore pelo menos um mês para ser concluída. O problema é que, além de faltar água para aguentar esse período, um novo veranico é previsto pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) para ocorrer entre 20 de novembro e 10 de dezembro.
Para o trimestre entre novembro e janeiro, segundo o Inmet, a expectativa é de que chova cerca de 40% acima da média histórica. O problema é que as precipitações devem ocorrer em intervalos específicos, como nas próximas duas semanas, na última quinzena do ano e em janeiro de 2018. Se as previsões se concretizarem, a possibilidade de ampliação do racionamento aumenta muito (leia Memória)tendo em vista que as próximas ações de enfrentamento à crise hídrica divulgadas pelo governo ; o uso do volume morto do Descoberto e o início da captação em Corumbá IV ;, na melhor das hipóteses, só sairão do papel em janeiro e dezembro de 2018, respectivamente.
Neste ano, choveu apenas 39% do que era esperado para a região do Descoberto (Veja ;Estiagem 2017;). As mudanças climáticas do DF, como a alteração entre o período chuvoso das próximas semanas e o veranico do fim do mês, ocorrem devido à formação da Zona de Convergência do Atlântico Sul. ;Esse fenômeno é caracterizado por uma banda de nebulosidade, que começa na área amazônica, e se liga, agora, com uma frente fria vinda da região Sudeste. Acontece que o DF se encontra dentro desse corredor, o que traz essas alterações no clima;, explica Ingrid Peixoto, meteorologista e consultora do Inmet.
Para o ecossociólogo Eugênio Giovenardi, a demora para o aumento e a estabilização do nível dos reservatórios é explicada pela escassez de chuvas no mês que passou. ;A chuva que cai em outubro é muito importante, pois é ela quem se infiltra no subsolo e atua na recuperação do volume dos reservatórios mais rapidamente;, afirma. Acontece que, no mês passado, choveu apenas 15% do esperado no DF. Foram 25,4 milímetros, bem abaixo dos 166 milímetros da média histórica.
Entre janeiro e outubro deste ano, 15.865 hectares de vegetação foram destruídos por incêndios florestais no DF. Isso também tem um impacto direto na demora do aumento do nível dos reservatórios. O fogo faz com que o chão fique ainda mais seco, intensificando a evaporação de água armazenada no solo. ;É como se os poros da terra fossem fechados. Quando volta a chover, a água demora mais tempo para infiltrar, pois o recurso tem que abrir espaço novamente;, conta Eugênio.
Percurso
Para que o volume de água do Descoberto e Santa Maria/Torto aumente, não basta chover sobre o reservatório. Na verdade, o impacto do que cai diretamente no espelho d;água é quase insignificante. Exemplo disso é que, mesmo com precipitações ocasionais ocorridas desde 27 de setembro, apenas na última sexta-feira, o nível do Descoberto subiu apenas 0,3 ponto percentual.
Especialista em recursos hídricos, o professor Sérgio Koide, do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília conta que os principais fornecedores de água para os reservatórios são os lençóis freáticos.;O recurso que vai molhando aos poucos o solo serve para abastecer os reservatórios durante as estiagens. Sem isso, só teríamos água na época da chuva;.
Devido à ocupação humana, esse trajeto vem sendo interrompido. ;Se você pavimenta uma estrada, o recurso não infiltra e escorre direto para bocas de lobo ou rios próximos. Por isso, a importância da preservação de áreas de proteção próximas aos reservatórios, para que a chuva possa chegar ao subterrâneo;, afirma Koide.
Em Vicente Pires, por exemplo, o plano original do governo era criar uma colônia agrícola com chácaras que abasteceriam o DF de legumes, verduras e hortaliças. Quando chovesse na região, a água chegaria aos lençóis freáticos que abastecem o Lago Paranoá durante todo o ano. Porém, devido ao parcelamento irregular de terra, o solo foi impermeabilizado e nascentes foram destruídas.
Hoje, quando chove na região, as pistas alagam, causando caos para a população. ;Diferente do que foi planejado, agora, em Vicente Pires, a água até pode chegar aos córregos que abastecem o Lago Paranoá, mas é um recurso bastante impuro, com resquícios de lixo e esgoto;, afirma Koide.
Sobre a construção de casas e edifícios em regiões próximas aos córregos, a professora Marília Peluso, do Departamento de Geografia da UnB, alerta também para o sedimento dos rios. ;Obras geram poeiras vindas dos materiais. Isso pode ser levado para os córregos pelo vento ou pela chuva. Os primeiros temporais carregam terra, entulho e poeira para o fundo dos rios que, com o tempo, vão ficando mais rasos;, explica.
Previsão
O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) faz diversas previsões climáticas por dia. Quando ela é realizada para um período de até quatro dias a partir do prognóstico, o índice de acerto é de 97%. Quanto mais distante é a data, maiores são as chances de erro.