Cidades

Criação do reservatório Lago São Bartolomeu estava prevista nos anos 1970

O reservatório com 110 quilômetros de espelho d'água era previsto desde 1970, mas o projeto acabou arquivado devido, principalmente, à ocupação urbana irregular. O lago seria formado pela água do Rio São Bartolomeu e afluentes

Pedro Grigori - Especial para o Correio
postado em 20/11/2017 06:00
Foto de 1986 registra visita de técnicos da Caesb ao possível local de inundação para a  construção do Lago São Bartolomeu
Com mais de 110 quilômetros quadrados de espelho d;água, um segundo lago artificial era previsto para o Distrito Federal desde a inauguração da nova capital. A ideia era formá-lo com água vinda do Rio São Bartolomeu e dos afluentes Ribeirão Mestre d;Armas e Rio Pipiripau. Ele iria de Planaltina até São Sebastião, passando pelo Paranoá, mas foi inviabilizado, principalmente, pelas ocupações urbanas irregulares e pelo parcelamento de terra na região que seria alagada. Previsões da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) dos anos 1980 estimavam a capacidade de produzir até 25 mil litros de água por segundo, número que, somado ao que era captado à época pelo Descoberto e pelo sistema Santa Maria/Torto, tornaria possível abastecer um DF com mais de 11 milhões de habitantes, que nunca passariam por uma crise hídrica.

O Lago São Bartolomeu só foi completamente descartado nos anos 2000, quando a Agência Nacional das Águas (ANA) autorizou a utilização das águas do Lago Paranoá em uma obra definitiva, que deve custar R$ 465 milhões e atender 600 mil pessoas. Até lá, a possibilidade sempre foi motivo de debate. Em 1986, a Secretaria dos Serviços Públicos do Governo do Distrito Federal mostrou interesse em aplicar cerca de 150 milhões de dólares, algo em torno de 2 bilhões de Cruzeiros, para criar o lago. As manchetes do Correio à época se assemelham com as de 2017, destacando que os reservatórios da capital federal estavam em nível crítico. Segundo a secretaria, à época, a única solução para o futuro hídrico do DF seria a criação do segundo lago.

Mapa da Caesb de 1970 mostra projeto de construir um lago quase três vezes maior do que o Paranoá

A barragem a ser construída teria 25 metros de altura e, além de conseguir abastecer cerca de 7 milhões de pessoas, a água do lago seria utilizada também para geração de energia, irrigação na área rural e melhoria do microclima da região. Até 1980, pelo menos 34 propriedades ficavam na área a ser alagada e, 10 anos depois, já eram cerca de 90 condomínios irregulares. Entre 1970 e 1993, novos mapas foram criados, principalmente para diminuir o perímetro da área de proteção do lago.

A região a ser alagada ficava em um local de grandes fazendas, que eram propriedades de militares importantes da ditadura militar. Em 1981, por exemplo, a redução do perímetro a ser desapropriado beneficiou o general Danilo Venturini, chefe de gabinete do então presidente, João Figueiredo, que teve a propriedade retirada da área a ser desobstruída.

Em 1983, foi criada a Área de Proteção Ambiental (APA) do São Bartolomeu, mas só cinco anos depois, foi concluído o zoneamento ambiental. Porém, nem isso conseguiu impedir a ocupação desenfreada, que ocorreu, principalmente, na agrovila de São Sebastião, no Vale do Amanhecer, em Planaltina, e no Quintas da Alvorada e Jardim Botânico, no Lago Sul.

Planejado

Um Distrito Federal muito diferente do atual era proposto nas décadas passadas. O plano era que a população crescesse em um eixo na parte sudeste do DF, indo de Ceilândia a Santa Maria, seguindo por cima das adutoras da Caesb que captavam água do Descoberto. ;A região oeste seria ocupada pela população, enquanto a leste ficaria para plantações e a criação do reservatório de São Bartolomeu. Mas as ocupações que começaram nos anos 1970 ganharam força em 1986 e 1990, com o início das eleições do DF, impermeabilizando ainda mais a APA do São Bartolomeu;, conta Oscar Netto, professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília.

Se o segundo lago tivesse sido construído, o DF teria uma região administrativa chamada de Interlagos, situada entre os lagos Paranoá e o São Bartolomeu. A ideia era que o local, que abrigaria 11 condomínios, fosse o mais nobre da capital, devido às condições climáticas privilegiadas e ao contato com a natureza a poucos quilômetros do Plano Piloto.

O plano de construir o Lago São Bartolomeu foi muitas vezes substituído pela captação do Paranoá, mas, segundo o ecossociólogo Eugênio Giovenardi, no fim dos anos 1990, o governo e a Caesb começavam a perceber que os córregos que abastecem o Lago Paranoá já não estavam mais tão volumosos, sem contar os problemas que seriam causados pela ocupação urbana que ocorreu na orla. ;Nesse momento, o São Bartolomeu não era uma opção tão viável, pois já haviam sido formadas verdadeiras cidades na região. A partir daí, o governo começou a apostar na possibilidade do Corumbá IV, que é atualmente a principal saída para combater a crise hídrica;.


Salvação da crise


Especialistas divergem sobre a possibilidade de o São Bartolomeu ter impedido a crise hídrica pela qual o DF passa hoje. Eugênio Giovenardi acredita que a situação atual seria mais branda, mas, com maior oferta de água, o consumo também teria sido intensificado. ;Acredito que, ao redor do novo lago, cresceria um grande mercado de agricultura irrigada para utilizar a água, que no fim das contas seria usada, principalmente, para a produção de soja;, opina. Já o professor Glauco Stéfano, do curso de arquitetura e urbanismo do Centro Universitário Iesb não tem dúvidas de que, se o novo reservatório tivesse sido construído, o DF não estaria passando por essa crise. ;As cidades ao leste seriam abastecidas sem problemas, sobrando até água para o sudeste e nordeste do DF, que teriam os reservatórios desafogados;, explica.

Devido à ocupação urbana, a qualidade da água do Rio São Bartolomeu caiu ao longo dos anos

O professor alerta ainda que o que faltou não foi apenas ação governamental para tirar o São Bartolomeu do papel, mas também conscientização da população em relação às invasões. ;Hoje, vivemos os reflexos do que a grilagem de terra e a ocupação ilegal causam. Os malefícios não atingem apenas quem mora nessas regiões, mas toda a sociedade;, afirma. Para evitar que a situação continue ocorrendo, Glauco aconselha investir em conscientização. ;É um problema que atinge todas as classes sociais, pois temos invasões tanto no Lago Sul quanto no Pôr do Sol. Fizemos algumas pesquisas com os moradores dessas regiões e eles nem consideram um problema ocupar essas áreas;.

O professor Oscar Netto acredita que optar pela futura captação definitiva do Lago Paranoá foi uma melhor escolha. ;A água do São Bartolomeu receberia esgoto tratado de Sobradinho e Planaltina, e a água mais pura seria a vinda do próprio Paranoá. Usar esse recurso, além de trazer mais custos no tratamento, também traria gastos para bombeá-la do norte do DF para as regiões do centro;.

A visão atual da Caesb também é de que a melhor decisão foi tomada. ;Foi uma alternativa estudada por mais de 30 anos, mas, conforme o tempo foi passando, se tornava cada vez mais inviável, pois a área alagada teve uma ocupação que cresceu, o que traria, além das obras de criação, um encarecimento para pagar a desapropriação dos terrenos;, afirma Stefan Muhlhofer, superintendente de Projetos da Caesb.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação