Júlia Campos - Especial para o Correio
postado em 20/11/2017 06:01
Na década de 1950, Armando Wriedt era marceneiro, profissão que o pai alemão havia repassado desde muito cedo. Morava em Teresópolis, região serrana do Rio de Janeiro.Tinha uma vida normal, era jovem, com 25 anos. Certo dia, apresentaram-lhe Hélio e Carlos Gracie. A princípio, os três só tinham algo em comum: paixão por cavalos. O rapaz do interior nunca havia ouvido falar em Jiu-jitsu. Mas, como passou a frequentar o rancho da família de lutadores, soube da técnica e se deixou envolver pela arte marcial. Hoje, aos 92 anos, é conhecido internacionalmente e deu curso até para o FBI. Dos professores que os Gracie formaram, é um dos únicos vivos.
oÀ época, os irmãos Gracie davam as aulas na própria casa, no bairro do Flamengo. Quando se preparavam para abrir uma academia na Avenida Rio Branco, convidaram Armando para aprender a lutar. ;Como o empreendimento cresceria, eles precisavam de pessoas para ensinar os alunos. Então, chamaram-me para me habilitar e, assim, ministrar aulas, o que não é muito fácil. Até hoje eu ainda tenho um pouco de dificuldade;, contou Armando. O processo de aprendizado ocorreu de forma disciplinada. Diariamente, passava horas no tatame. Ficou cerca de três anos praticamente internado na academia. A faixa utilizada com o quimono era azul e a dos fundadores, cor índigo. Era o que diferenciava os mestres daqueles que ainda estavam sendo preparados.
Com o diploma de aptidão em mãos, Armando ficou pelo menos mais cinco anos como professor. Foi quando decidiu sair e abrir a própria academia. Em 1970, mudou-se para Brasília, pois havia se tornado servidor do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Armando nunca quis ser lutador profissional, tinha gosto em dar aula e teve esse reconhecimento pelos mestres que o ensinaram. Somente ele e mais quatro pessoas receberam diretamente das mãos dos irmãos Gracie a faixa de 9; grau. Ela é vermelha com tiras brancas na ponta que são chamadas de Dans. ;A de 10; grau foi inventada para eles. Hoje, algumas pessoas alcançam essa e a que ganhei, mas elas são compradas. A minha, posso dizer, recebi da mão deles. Nos deram porque fomos professores na antiga academia Gracie. Fiquei muito feliz em receber;, disse.
Armando acredita que a técnica do Jiu-jitsu que aprendeu não mudou,e com o passar dos anos se tornou a melhor do mundo. Mas, atualmente, o que era uma defesa pessoal, se tornou um esporte, pois as instituições precisam se manter financeiramente. ;Em 1953 e 1954, as aulas eram caríssimas ; cerca de 25 minutos custava 300 mil réis. Eram ministradas por professores individuais, não existiam turmas. Na academia, o professor não treina com o aluno e, sim, treina o aluno;, explica. Outra crítica que ele faz é o fato de como são selecionados os novos instrutores. ;Hoje, se a pessoa ganha uma competição, a colocam para dar aula. Uma coisa é você treinar, outra é saber ensinar. Para dar aula, a pessoa precisa ser treinada até a exaustão. Aprendi isso com os Gracie. Se quiser aprender, tem que viver, respirar, comer e dormir Jiu-jitsu.;
Atualmente, Armando mora em uma chácara no Paranoá, a 30 quilômetros do centro de Brasília. Vive sozinho e se considera um eremita. Faz a própria comida, cuida da casa e dirige para onde quer ir. Até hoje, ele adota a dieta Gracie que é bem restrita baseada em combinação adequada de alimentos. Inclusive, o eterno professor acredita que é o que o mantém vivo e saudável. Apesar da idade avançada, está muito lúcido, se lembra de tudo que viveu com carinho. Ainda que não tenha mais toda disponibilidade física, dá aula de Jiu-jitsu em uma parte do terreno aos sábados. ;É como se fosse uma religião para mim. Aprendi a não ser violento e a não lesar meu semelhante. Se eu não puder ajudar, não vou atrapalhar. Os Gracie queriam uma escola para preparar o homem para a vida. Essa é a filosofia;, destacou.